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Governo estadual: “Quem é o cabeça?”.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 43-50)

CAPÍTULO 3: POSIÇÕES INSTITUCIONAIS SOBRE A LUTA PELA TERRA NO ACRE

3.1. Governo estadual: “Quem é o cabeça?”.

De acordo com as lembranças de Chico Ramalho, quando os seringueiros estavam realizando um ato de Empate existia, da parte dos Fazendeiros e do próprio Governo, um esforço muito grande para tentar identificar os possíveis líderes do movimento.

Para isso, os fazendeiros instruíam o Gato49 e outras pessoas que podiam influenciar, a

procurar identificar o “Cabeça” do grupo. Quando identificava alguém, logo tratavam de coagi-lo através de métodos de violências, numa tentativa de enfraquecer o movimento e desencorajar outros seringueiros a participarem dos Empates.

Nos falando de um Empate que ocorreu no seringal Filipinas em 1977, Chico Ramalho destaca que quando chegaram ao local do desmatamento, logo procuraram o empreiteiro dos serviços, que tentava cumprir com o determinado por seu patrão.

[...] Nós chegava e cercava o barraco do Gato [...] e falava pro gato chefe: - Olha! você vai ter que ir embora, porque você ta derrubando a sobrevivência do nosso seringueiro. E, eles perguntavam: - Quem é o cabeça disso. E todo mundo ficava: -

Aqui não tem cabeça. Nós todos aqui somos cabeças e somos rabo.50

Ao alegar que não existia Cabeça nos Empates, os seringueiros demonstravam, dentre outras coisas, que estavam unidos e organizados. Além de adotarem a orientação dada pela delegacia da CONTAG para que não apontassem “Cabeças”, assumindo a responsabilidade dos Empates de forma coletiva. Desta forma, evitavam maiores complicações para os representantes sindicais e para a própria CONTAG durante esse período de ditadura e de censura política.51

Além do que, aqueles que eram identificados como “cabeça”, poderiam acabar sendo processados de acordo com a Lei de Segurança Nacional, por incitar a população contra a ordem pública, ou acabar sendo assassinado por pistoleiro a serviço do latifundiário. Uma possibilidade bem latente naquela época.

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Pessoa contratada pelo fazendeiro para arregimentar pessoas (peões) para realizarem os desmatamentos nas áreas de seringais que estavam sendo transformados em fazendas.

50 SOUZA, Francisco Ramalho [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

51 PAULA, Elder Andrade. Seringueiros e Sindicato: Um povo da floresta em busca da liberdade. Itaguaí, 1991.

Lembrando-se de outro Empate, ocorrido na Fazenda Bordom, na época em que era diretor do STR de Xapuri, Chico Ramalho destaca que os fazendeiros contaram com a força da Polícia, coagindo e prendendo muitos trabalhadores rurais.

No primeiro Empate lá da Bordon, veio 109 pessoas presas e chegaram aqui no quartel foram ate agredidos com arma na boca. Foram torturados [...], colocavam revolver na boca dos companheiros pra tentar forçar eles a dizer o que não era possível [...]: - tava lá por quê? Eram mandados por alguém? Ensinados por alguém?52

Através desse depoimento podemos observar que o esforço para identificar “Cabeças” nos Empates era uma atitude praticada não só pelos fazendeiros, mas também pelo governo através de seus agentes e representantes. Na opinião de Chico Ramalho, não existiam Cabeças no movimento dos Empates, porque empatar era a necessidade que cada seringueiro tinha de impedir as derrubadas. Esta afirmação demonstra o esforço dos seringueiros em manter preservada a sua fonte de renda e a sua identidade enquanto grupo social.

Concordando com essa opinião, Sabá Marinho afirma que:

Às vezes o latifúndio, o governo, a própria polícia, que na época era contra nós, dizia que o Chico [Mendes] era o cabeça da Historia. O Chico que puxava o povo pra fazer isso. Não! O Chico era uma liderança [...].53

Apesar dos trabalhadores rurais evitarem mencionar nomes de pessoas como sendo os mentores dos Empates, fica caracterizado nas entrevistas que alguns seringueiros tiveram uma participação maior nestas ações do que outros. Por isso, acabavam sendo identificados pelos fazendeiros e pelo próprio poder instituído como Cabeça, sofrendo assim ameaças e atentados de morte.

Um caso que evidencia bem a disposição da polícia em apoiar as ações dos fazendeiros é mencionado por Sabá Marinho. Este afirma que após realizarem um Empate na fazenda Bordom, ele e os demais seringueiros foram presos em suas casas pela polícia. Nesse episódio, os seringueiros tiveram também as suas armas apreendidas e foram conduzidos até o quartel da polícia, onde foram interrogados durantes dias pelos policiais e até pelo próprio fazendeiro.

[...] a gente ficou lá três dias, nossos advogados lutando, padre Cláudio nessa época. Não deixavam ninguém ver a gente, entrar dentro do quartel pra conversar com a gente, a não ser o fazendeiro, o dono da fazenda. E a gente ficou três dias lá dentro.

Com três dias eles nos liberaram, mas as nossas armas nós perdemos todas.54

52 SOUZA, Francisco Ramalho [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

53 Nascimento, Sebastião Marinho [2010]: Depoimento oral cedido ao autor.

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Mesmo tendo na época desse Empate o Governo Geraldo Gurgel de Mesquita (1975 a 79) publicado uma portaria proibindo a polícia de atuar em casos de confronto de terras envolvendo trabalhadores rurais e fazendeiros, era muito comum a polícia agir em favor dos latifundiários prendendo e torturando muitos trabalhadores que participavam dos Empates.

Outro caso que nos ajuda a compreender a participação do estado em favor dos paulistas ocorreu na Fazenda Santa Fé em 1982. O fazendeiro daquela área recorreu ao auxilio do estado, que disponibilizou a polícia para garantir o desmatamento. Nesse Empate, a exemplo de muitos outros, vários trabalhadores rurais foram presos e torturados pelas forças de repressão do Estado, conforme destaca Dercy Teles:

A pressão foi muito grande, que o seringueiro [Ademir Nogueira] que estava sendo prejudicado, ele não agüentou a pressão e entregou a posse pro fazendeiro. O estado colocou toda força policial a disposição para garantir o desmatamento. Toda derrubada, durante o tempo que durou, tinha polícia dentro pra garantir a efetivação sem nenhum problema [...].55

Na época desse Empate, já estava à frente do Estado do Acre o governador Joaquim Falcão de Macedo (1979 a 83) que, de forma contraria a Geraldo Gurgel de Mesquita, era mais identificado com os paulistas. Por esse motivo, os fazendeiros conseguiram durante o seu mandato, desmatar grandes áreas de seringais promovendo a expulsão, sob o signo da violência, de muitos trabalhadores rurais.

Para termos uma noção do comprometimento do estado na época com os latifundiários, muitos atos de violência praticados contra trabalhadores rurais não chegavam nem se quer a ser registrado nas delegacias, muito menos apurado pela autoridade policial a fim de identificar e punir os culpados. A esse respeito a sim se pronunciou Dercy Teles: “Eu acompanhei os seringueiros na delegacia e o atendente se negou a fazer o registro da

queixa”.56

Devido a esse despropósito do Estado para com os casos de expropriações e violência sofridos por muitos trabalhadores rurais, Cícero Galdino revela o que certamente era o pensamento de muitos seringueiros nessa época:

Nós tava brigando com os fazendeiros, com poder público, com poder judiciário. Nós tava brigando com todo mundo. Que é uma vergonha a gente dizer uma história dessa. É meio vergonhoso, porque o Brasil é nosso, num é da Bolívia não.57

Diante do descaso das autoridades instituídas, ficava fácil para os fazendeiros coagir os que eles identificavam como mentores dos Empates. Uma prática que já vinha sendo

55 CUNHA, Dercy Teles de Carvalho [2010]. Depoimento oral cedido ao autor.

56 Idem. 57

utilizada pelos fazendeiros desde o inicio dos Empates ocorrido na região de Brasiléia em 1976.

Nessa região, Wilson de Souza Pinheiro, foi identificado como Cabeça, por sua destacada participação nos movimentos dos Empates. Através destas ações, os seringueiros de Brasiléia conseguiram evitar que muitas áreas de seringais fossem desmatadas e que trabalhadores rurais continuassem sendo expulso de suas terras sem receber nenhuma indenização.

Um dos últimos Empates que Wilson Pinheiro participou e que, talvez, confirmou de vez por toda a importância de sua morte para os fazendeiros, foi o que ocorreu em 1979, no município de Boca do Acre, localizado no Estado do Amazonas. Esta ação contou com a participação de cerca de 300 pessoas que decidiram impedir as arbitrariedades praticas por jagunços contra 36 famílias de posseiros daquela região.

Sobre esse Empate, Chico Ramalho recorda que:

[...] A gente tava saindo do congresso [...] e chegou uns companheiros de Boca do Acre dizendo que os jagunços estavam expulsando todo mundo. Tava com motosserras, derrubava as casas e expulsava as pessoas. E com isso, no último dia, foi tirada uma comissão, de todos os sindicatos e a comissão foi pra Boca do Acre. E lá prenderam cinco jagunços, cinco fuzis e renderam os jagunços e trouxeram eles amarrados pra Rio Branco e entregaram pras autoridades.58

Como podemos denotar, esse Empate foi bem sucedido, reafirmando de vez por toda a prática dos Empates como meio capaz de conter os abusos de violência praticados contra trabalhadores rurais. Porém, como efeito negativo, os fazendeiros decidiram eliminar aquele que consideravam o “Cabeça” desse movimento de resistência, que a partir de Brasiléia passava a ocorrer em vários outros municípios acreanos, inclusive fora do Estado.

Segundo o que apurou Marcio Souza (1990, p. 84) junto aos moradores da cidade de Xapuri, um grupo de fazendeiros, liderados pelo Secretario Municipal de Xapuri, o seringalista Guilherme Lopes, contratou dois pistoleiros para matar Wilson Pinheiro e outras pessoas identificadas como cabeças dos Empates.

O crime se consolidou no dia 21 de julho de 1980, na sede do STR de Brasiléia, o qual Wilson Pinheiro foi vitima de quatro tiros, disparado por um pistoleiro que agiu de tocaia sem lhe dar nenhuma chance de defesa, tendo ele morrido no local. Na época de seu assassinato era governador do Estado do Acre Joaquim Falcão de Macedo.

Mesmo tendo as investigações desse crime sido acompanhadas de perto pelo STR de Brasiléia e pela própria CONTAG, que conseguiram formalizar indícios suficientes de autoria

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contra os seus mandatários, tanto a polícia quanto o judiciário, refletindo a postura do governo

da época, fez vistas grosas ao caso.59

Diante da paralisia do poder público em apurar esse e outros casos de violência contra trabalhadores rurais, um grupo de cerca de 20 seringueiros, matou a tiros de espingarda o fazendeiro Nilo Sérgio de Oliveira. Nilão, como era conhecido, teve o desmatamento que promovia empatado pelos trabalhadores rurais e a partir desse fato, testemunhas deram conta

que ele havia jurado de morte Wilson Pinheiro.60

Diferentemente do procedimento adotado quando das investigações para identificar e punir os responsáveis pelo crime que vitimou Wilson Pinheiro, as autoridade policial e judiciária da época, logo se manifestaram, reafirmando sua postura de apoio aos fazendeiros, prendendo vários trabalhadores rurais suspeitos/acusados do crime.

Com a morte de Wilson Pinheiro, houve um retrocesso no movimento dos Empates, conforme previa os fazendeiros, que aproveitaram esse momento de calmaria e maior apoio político, para intensificar os trabalhos de coação aos seringueiros e desmatamento de suas áreas.

A partir desse momento os Empates passam a ser mais intensificados pelo STR de Xapuri, quando uma nova diretoria assume em 1982 a direção daquele sindicato, tendo a frente Chico Mendes como presidente. Há exemplo do que ocorreu em Brasiléia, o STR de Xapuri passa a liderar o movimento de resistência dos trabalhadores rurais de todo o Estado.

Segundo Dercy Teles, procurando evitar que o movimento de resistência dos seringueiros sofresse novo golpe igual ao que ocorreu em Brasiléia, as lideranças que faziam a linha de frente da diretoria sindical, passaram a desenvolver uma participação diferenciada nos Empates.

Depois da morte de Wilson Pinheiro, foi adotado esse cuidado, porque havia muito assassinato de [...] lideranças. Então foi uma das medidas que foram tomadas, assim, para que o presidente, o secretário e o tesoureiro, as pessoas que representavam o sindicato, eles não iam no Empate, porque os fazendeiros, os donos das terras, mandavam matar achando que se matasse o presidente do sindicato ia resolver o problema.61

Adotando essa medida, a diretoria sindical passava a ter uma participação mais velada, porém não menos importante para o êxito dos Empates. Atuava na cidade mesmo, providenciando advogados, alimentação para aqueles que estavam realizando os Empates,

59 SOUZA, Marcio. O Empate Contra Chico Mendes. São Paulo: Marco Zero. 1990. p. 91.

60 Idem. p. 92 e 93. 61

além de outras articulações com instituições parceiras ao movimento, procurando divulgar o que estava ocorrendo e sensibilizar a opinião pública a apoiarem a causa dos seringueiros.

Mesmo diante de todas essas providências, os fazendeiros continuavam a identificar Cabeças no seio do movimento de resistência dos seringueiros, deixando em estado de alerta todos aqueles que participavam dos Empates. Segundo relato de Osmarino Amâncio:

A única coisa que a gente pesava era as mortes em conseqüências dos Empates. [...] Nos empates não tinha morte. As mortes eram conseqüências dos Empates. Que às vezes os fazendeiros jogava na imprensa a lista dos que tinha que ser assassinados por que era um entrave ao progresso ao desenvolvimento. 62

Nesse sentido, as lideranças sindicais eram as mais ameaçadas, tendo que contar com a solidariedade de seus companheiros para se protegerem. Quando se tinha a informação que algum companheiro tinha sido jurado de morte por fazendeiro e que existiam fortes suspeitas que pistoleiro estava a sua procura, os próprios trabalhadores rurais tratavam de cuidar da segurança desse companheiro para evitar que fosse alvo fácil.

Quando eu vinha [para a cidade], eu já vinha com cinco, seis, oito, dez pessoas, tinha que vim mais eu, me acompanhando, fazendo uma espécie de segurança. Na época quando a gente andava fazendo segurança a gente andava armado, tinha que andar armado.63

Nesse relato citado por Sabá Marinho, podemos perceber que o trabalho da segurança era realizado por alguns companheiros que o acompanhavam em determinadas situações, principalmente, no percurso que fazia pelo varadouro, onde ficava mais exposto a uma emboscada. Nessa tarefa era fundamental o uso de armas pelos seringueiros para tentar evitar a ação funesta dos pistoleiros.

Osmarino Amâncio menciona outra estratégia usada pelos trabalhadores rurais jurados de morte, que tinha como objetivo confundir o raciocínio dos pistoleiros. Para isso, mudavam constantemente a sua rotina diária. Por exemplo: variavam os horários de seus compromissos, não andavam sempre pelo mesmo caminho e, principalmente, não pernoitavam reiteradamente nos mesmos lugares.

Eu tinha mais de trinta casas que eu dormia. Todo dia era uma casa diferente, eu nunca dormi todo dia na mesma casa, sabe? Eu tinha um monte de casa aqui em Brasiléia e Eptaciolândia, sabe? E eu dormia em casas diferentes [...].64

Foi através de estratégias como estas que muitos seringueiros conseguiram impedir que fossem vítimas da ação de pistoleiros. Uma tática que além de salvar a vida de muitos

62 RODRIGUES, Osmarino Amâncio [2007]. Depoimento oral cedido ao autor.

63 RODRIGUES, O. A. op. cit.

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seringueiros, fortaleceu o processo de resistência dos trabalhadores rurais manifestado nos Empates.

No entanto, muitos foram aqueles que não tiveram a mesma determinação/sorte que Osmarino Amâncio, e acabaram sendo vitimas de ações de pistoleiros a serviços dos fazendeiros. Exemplos como o de Wilson Pinheiro (1980), Ivair Igino (1980) e Chico Mendes (1988), ocorreram às dezenas em todo o país durante esse período de ditadura militar (1964 a 86).

Muitos nem se quer tiveram a resposta do Estado como deveria, prendendo e condenando os envolvidos nesses crimes. O que revela a face oculta do Estado Brasileiro da época, apoiando aqueles que os praticavam. Casos como esses que ocorreram no Acre, durante as décadas de 1970 e 80, ainda continuam ocorrendo em outras regiões do país, principalmente em áreas mais atingidas pelo agronegócio e pelo comércio ilegal de madeira, a exemplo do Sul de Lábrea – AM, Rondônia, Mato Grosso e o Pará.

Nessas regiões, lideranças comunitárias e camponesas ainda continuam sendo assassinadas por denunciar os vários casos de ilegalidade que praticam seus algozes contra os trabalhadores rurais e o meio ambiente. O que dizer do recente assassinato do líder comunitário Adelino Ramos (Dinho), ocorrido em maio desse ano (2011), em Vista Alegre do Abunã, Distrito de Porto Velho-RO, quando vendia seus produtos agrícolas no comércio local.

Segundo consta no inquérito que apura o caso, os pistoleiros chegaram numa motocicleta e atiram contra a vítima. Crime que ocorreu a luz do dia e diante de várias testemunhas. A vítima ainda teve chance de dizer, agonizando os seus últimos suspiros, o

nome de seu executor, enquanto morria nos braços de sua esposa. Dinho era um dos

sobreviventes da tragédia que ocorreu contra trabalhadores rurais em Corumbiara em 1995.

Porém, desta vez não teve chance alguma de defesa.65

E a motivação para todos esses crimes, quase sempre são as mesmas: denunciar as ações criminosas de muitos fazendeiros e madeireiros contra os trabalhadores rurais e o meio ambiente. Assassinando esses que identificam como Cabeças, esperam, seus algozes, acabar com a capacidade de resistência dos trabalhadores rurais que teimam em se levantarem contra aqueles que querem usufruir exclusivamente dos meios de produção, principalmente a terra.

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3.2. Empate: A atuação da CONTAG e dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 43-50)