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A Igreja Católica: “Pela necessidade que a gente tinha nós aprendemos rápido”.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 55-60)

CAPÍTULO 3: POSIÇÕES INSTITUCIONAIS SOBRE A LUTA PELA TERRA NO ACRE

3.3. A Igreja Católica: “Pela necessidade que a gente tinha nós aprendemos rápido”.

A respeito da participação da Igreja Católica junto à luta dos trabalhadores rurais, Sabá Marinho expõe que:

Essa luta começou também das Comunidades Eclesiais de Base, movimento da Igreja. Eu era monitor da Igreja, vinha pra dentro da Igreja discutia junto. Então, teve alguns incentivos das pessoas mais sabido, que tinha mais letra para passar pra gente. E agente pela necessidade que nós tinha a gente aprendeu rápido. Aprendeu rápido pela necessidade que a gente tinha. 77

Sabá menciona as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, criadas no Acre em 1973, como sua escola. Local aonde aprendeu noções básicas de planejamento e liderança, função que exercitava nos trabalhos de monitor das CEBs em sua comunidade localizada no seringal Nazaré. Função que lhe permitiu além de outros conhecimentos, a prática de falar em público,

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um recurso importante que depois foi usado nos trabalhos de coordenação e planejamento dos Empates.

Da mesma maneira que Sabá Marinho, várias outras lideranças do movimento de resistência dos seringueiros, que se destacaram, principalmente, nos Sindicatos e na articulação dos Empates, tiveram funções de monitor nas CEBS. Nesse sentido as CEBs destacaram-se como escolas primárias na formação de lideranças seringueiras.

A igreja que começou acolher essa população desde a época da ditadura, a gente não podia se reunir, a igreja abria as portas pra gente, a gente se reunia dentro da igreja, escondido, sabe? Então eu acho que isso foi de fundamental importância. Eu nunca vou esquecer, sabe? Essa acolhida, sabe? Da igreja. Apesar de discordar, de algumas de suas linhas de atuação, sabe? 78

No processo de resistência esboçado pelos seringueiros e posseiros acreanos contra os fazendeiros a partir de meados da década de 1970, vamos observar que algumas entidades tiveram papel decisivo para a consolidação desse feito. Nesse sentido a Igreja Católica destacou-se como sendo uma das primeiras a oferecer ajuda aos trabalhadores rurais expropriados no campo.

De acordo com Sobrinho (1992, p.119) a primeira ação da Igreja Católica, junto aos Trabalhadores Rurais acreanos, ocorreu em agosto de 1963, quando foi fundada a Cooperativa Nossa Senhora da Conceição, localizada no seringal Belo Jardim. Para este autor a iniciativa do associativismo rural promovido nesse primeiro momento pela Igreja, era uma forma de conquistar o controle do movimento social no campo, fazendo oposição ao trabalho de

mobilização realizado pelas Ligas Camponesas79.

Mesmo que os propósitos na época fossem outros, essa primeira iniciativa serviu para sinalizar para os trabalhadores rurais a possibilidade de se organizarem e lutarem por melhores condições de vida. Seja através de Associações, Sindicatos ou Partidos Políticos, o importante é que através dessas formas de organizações, os trabalhadores rurais foram aprendendo a potencializar, cada vez mais, a sua capacidade de resistência.

No entanto, a atuação da Igreja Católica no Acre a partir da década de 1970, não se deu de forma homogenia, revelando uma contradição na sua maneira de agir dentro de suas próprias estruturas. Dividida em duas Prelazias, a do Acre e Purus, com sede em Rio Branco, e a do Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul, a Igreja se posicionou de maneira diferente em

78 NASCIMENTO, Osmarino Amâncio [2007]. Depoimento oral cedida ao autor.

79 Sobre este assunto ler: SOBRINHO, Pedro Vicente Costa. Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental:

Contribuição a Historia social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo: Cortez: Rio Branco, AC: Universidade Federal do Acre, 1992. p. 110-119.

relação aos conflitos por terra no Acre. Posição que era definida pela linha teórica adotada por cada uma de suas Prelazias, no final do século XX.

A Prelazia do Acre e Purus, que tinha como área de atuação os municípios acreanos de Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri, Brasiléia e o município amazonense, Boca do Acre, passou a partir da década de 1970 a se orientar com a ala mais progressista do clero na América Latina.

Enquanto que a Prelazia do Juruá, com sede em Cruzeiro do Sul, que compreendia os demais municípios acreanos, era identificada com a linha mais conservadora da igreja, limitando-se assim ao trabalho estritamente religioso. Ao posicionar-se dessa forma, esta prelazia identificava-se mais com a ideologia da classe dominante do que com as massas de excluídos.

Portanto, a parte da Igreja Católica que vai se destacar distintivamente ao lado dos trabalhadores rurais na luta pela posse da terra contra os fazendeiros é a Prelazia do Acre e Purus. Liderada inicialmente pelo Bispo D. Giocondo Maria Grothi, esta ala da igreja passa orientar suas ações fundamentadas na Teologia da Libertação. Com a morte de D. Giocondo em 1971, vítima de um acidente aéreo ocorrido próximo ao município de Sena Madureira, assume a direção desta Prelazia o Bispo D. Moacyr Grechi, que também faz opção pela mesma linha de orientação já adotada por D. Giocondo.

Para Cavalcante (2002, p. 70), “no Brasil a ação católica progressista, fundamentada na teologia da libertação, foi desenvolvida pelas Comunidades Eclesiais de Base atuando junto aos pobres e excluídos da sociedade”. No Acre, apesar das CEBs ter se iniciado na zona urbana em 1973, foi na zona rural que este projeto se tornou expressivo, encontrando uma boa aceitação, principalmente, entre os seringueiros e posseiros.

As CEBs reuniam no interior dos seringais, principalmente, nos finais de semana, grupos de aproximadamente 12 pessoas que, além da realização das práticas religiosas, ministradas por um padre ou monitor, os quais discutiam também a respeito de problemas do cotidiano e procuravam medidas para resolvê-los. Por esse motivo muitos Empates foram planejados e discutidos nos encontros das CEBs.

Na opinião de Calaça (1993, p. 232) a reação organizada dos seringueiros só foi possível devido ao trabalho realizado pela Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base, os quais eram esclarecidos sobre seus direitos enquanto posseiros. Por essa razão, vamos observar que muitos padres, que tinham suas paróquias subordinadas a Prelazia Acre e

Purus, passaram a ter participação importante no tocante, não só ao trabalho de evangelização, mais principalmente de conscientização das massas camponesas.

Na região de Sena Madureira, o padre que mais se destacou nesse sentido foi o padre Paulino Baldazari, enquanto que em Xapuri, o padre Cláudio Avallone, foi um dos mais citados nas entrevistas.

Dessa maneira, foi por meio dos trabalhos desenvolvidos nas CEBs que muitos trabalhadores rurais foram adquirindo consciência que a ação coletiva e organizada era a forma mais eficaz para reivindicarem os seus direitos sobre a terra.

Na compreensão de Paula (1991, p. 69) foi através das Comunidades Eclesiais de

Base, que a igreja passa a defender a idéia da resistência na terra pelos posseiros, constituindo-se, naquele momento, no único canal de expressão desses trabalhadores.

O primeiro trabalho desenvolvido pela Igreja que chamou a atenção dos paulistas e pessoas ligados ao agronegócio foi sem dúvida o Catecismo da Terra, elaborado em 1973:

1º) O que é o INCRA? É o instituto Nacional DE Colonização e Reforma Agrária; sua principal missão é proteger os trabalhadores da terra. O principal interesse desse órgão é a fixação do homem a terra. 2º) Qual é a lei que garante a fixação do homem a terra? –A lei que garante a fixação do homem a terra é a lei 4.504 do Estatuto da Terra de 1964, assinado pelo presidente Castelo Branco. 3º) O que diz a lei 4.504 do Estatuto da terra? –A lei 4.504 do Estatuto da Terra garante o a posse da terra (módulo), a quem nela morar habitualmente depois de 1 (um) ano e 1 (um) dia, dedicando-se a cultura efetiva da terra. 4º) Que significa o modulo da terra? – Um módulo da terra é a área que uma família pode usar convencionalmente para seu sustento. Como base, o modulo parte de 50 hectares, aumentando conforme o tipo de utilização e capacidade braçal da família. 5º) O que pode fazer para garantir seu direito a posse da terra? – A melhor garantia do direito á posse da terra é não sair da terra onde você trabalha. Mesmo se lhe oferecerem indenização. 6º) O que fazer em casos de conflitos e em razão de vendas de terra? – em casos de conflitos, sugerimos 3 atitudes: a) conservar a calma e não brigar com os compradores; b) não se deixar intimidar por ninguém, pois você não pode ser jogado fora de sua terra enquanto você não quiser; c) se for necessário, você deve recorrer as autoridades competentes; ao próprio INCRA, na sede, em Rio Branco; a um Juiz Federal; a Polícia Militar ou a 4º Companhia de Fronteira (COSTA, 2001, apud, CAVALCANTE, 2002, p. 44-45).

Este documento, a partir de uma linguagem acessível, traduzia para os seringueiros e posseiros os seus direitos legais, dando orientações básicas de como proceder, caso fosse alvos de pressões praticadas, principalmente, por jagunços para que saíssem da terra e aceitassem acordos desfavoráveis com os fazendeiros.

No entender de Costa Sobrinho (1992), “este documento representou um punhado de areia nos olhos dos paulistas”, revelando de fato o posicionamento de parte da Igreja Católica junto aos trabalhadores rurais acreanos durante essa fase.

Tamanha foi à importância que representou este documento para a resistência dos seringueiros e posseiros, que o Padre Paulino Baldazari, da Paróquia de Sena Madureira,

recomendou a muitos que não sabiam ler, para fixarem esse documento na parede de suas casas e, quando chegasse o paulista, mostrasse para ele, dizendo que havia uma lei que protegia o seringueiro. (PAULA, 1991, p. 73).

Portanto, foi através dos trabalhos realizados, principalmente, nas CEBs, que a Igreja Católica ajudou a propiciar um ambiente favorável para que os seringueiros iniciassem, de forma mais elaborada, o seu processo de resistência contra os fazendeiros, manifestado de forma mais intensa através dos Empates.

No entanto, queremos ressaltar que, nesse processo de consolidação da resistência seringueira, a Igreja Católica não se limitou apenas aos trabalhos realizado nas CEBs. Embora consideremos este o mais importante, outros trabalhos também foram realizados, dentre eles o da Comissão Pastoral da Terra - CPT, criada em 1975. Por meio desta comissão, foram realizadas, e levadas ao conhecimento público, uma série de denúncias de violência praticada contra seringueiros e outras categorias de trabalhadores rurais.

Porém, devido aos nossos objetivos com essa pesquisa, não nos detivemos a uma análise mais detalhada sobre essa participação, mas esperamos ter explicitado aqui a destacada importância que teve parte da Igreja Católica no processo de construção da resistência dos trabalhadores rurais acreanos durante este processo.

No documento CARLOS JERÔNIMO DE SOUZA (páginas 55-60)