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“Continúa existiendo al servicio de las necesidades ajenas, como fuente y reserva del petróleo y el hierro, el cobre y la carne, las frutas y el café, las materias primas y los alimentos con destino a los países ricos que ganan consumiéndolos, mucho más de lo que América Latina gana produciéndolos”

Eduardo Galeano. Las venas abiertas de América Latina.

O ciclo recente de auge dos preços das commodities primárias, ao mesmo tempo em que pareceu significar um período de trégua aos desassossegos latino-americanos, representou mais um episódio exemplar dos ciclos de expansão das exportações impulsionadas pela especulação em commodities que caracteriza a história econômica do continente, na qual a exploração da abundância de riquezas naturais (ao lado da mão de obra barata) não deixou de ter um papel proeminente.

Em um mundo polarizado entre centro e periferia, independentemente dos países que compõem o centro, o ponto é que a América Latina nunca conseguiu romper a condição periférica e, assim, vem mantendo sua posição subordinada numa divisão internacional do trabalho que se reorganiza ao longo do tempo.

Isto porque, no período investigado, o que se evidenciou foi um reforço da especialização exportadora em commodities primárias (que representaram um terço da pauta exportadora em 2013), marcadas pelos preços voláteis e estabelecidos internacionalmente, e cujo controle das cadeias produtivas encontra-se nas mãos das grandes transnacionais – as quais, ademais, detêm o domínio da geração de progresso técnico (e das próprias possibilidades de inovação). Em contrapartida, notou-se um rápido incremento da importação, especialmente de manufaturados de maior intensidade tecnológica: em volume, as importações cresceram 114,7% de 2003 a 2013, enquanto as exportações expandiram 50,7% no mesmo período – o que indica mais dificuldades futuras no balanço comercial caso a tendência baixista observada após 2011seja mantida.

Na análise da pauta exportadora por país da região, verificou-se que, onze deles possuem uma pauta em que apenas cinco produtos representam mais de 45% do total exportado. E, mesmo em relação ao Brasil e México, as maiores e mais diversificadas economias da região,

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os cinco principais itens representaram um terço do montante total exportado. Aqui, cabe sublinhar dois pontos: primeiro, o caráter de “imutabilidade” das exportações latino-americanas (açúcar, algodão, café, cobre, petróleo, minério de ferro, carne bovina e farinha de peixe), para o qual Furtado115 chamou a atenção. O caso da dependência venezuelana em relação ao petróleo merece ser destacado, pois, em 2011, representou 96,5% do total das suas exportações (gerando um montante de US$88,1 bilhões) – sendo que, ao longo do período (2003-2013), a Venezuela expandiu o volume das suas importações em 272,5% frente a uma contração de 10,6% do volume exportado116. Consequentemente, qualquer tendência de reversão nos preços do petróleo terá impactos gravíssimos para a economia do país117.

E, segundo, o fato de que comércio mais intensivo em tecnologia, que se estabelece especialmente de forma intrarregional ou com o mercado estadunidense, atrela-se largamente a atividades de montagem – o que significa que ainda que se comercializem produtos intensivos em tecnologias, estes decorrem das etapas de baixa agregação de valor, como o ilustrado pelo caso do “complexo têxtil” estabelecido na América Central ou das grandes montadoras transnacionais do setor automobilístico que operam principalmente no Brasil e México.

No caso do comércio com a China, notou-se uma tendência à inserção externa fortemente concentrada e assimétrica, em valor e tipo de bens. O destaque às relações estabelecidas com a China é importante porque rebatem duplamente nas economias da região: pela concorrência ferrenha dos seus manufaturados a baixíssimos custos – tanto baseados na mão de obra barata quanto de bens intensivos em tecnologia –, com efeitos diretos na competitividade das indústrias latino-americanas; e pela forte demanda por produtos primários (de US$4,89 bilhões exportados em commodities primárias ao mercado chinês, em 2003, passaram a US$59,84 bilhões em 2011), situação que reforça uma especialização primário-exportadora no elo de menor agregação de valor da cadeia – e isto frente aos sinais de reorientação da estrutura produtiva chinesa que se volta mais ao consumo doméstico118.

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Furtado (1976).

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Dados da Tabela 3 do anexo.

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Isto posto que, desde a segunda metade de 2014, o preço do barril do petróleo (WTI) apresentou uma queda considerável: de US$107, em junho, alcançou US$44 no final de fevereiro de 2015, o valor mais baixo atingindo desde 2009. Para mais detalhes, ver reportagens publicadas no Valor Econômico: Alonso (2015) e Friedman (2015).

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O quadro esboçado ao final do período investigado corrobora o diagnóstico dos autores críticos à via das commodities primárias como o meio de retomada do desenvolvimento latino-americano. Tendo em vista somente a questão do comércio externo da região, parece muito pouco cabível que o desdobramento direto de uma estrutura especializada na exportação de bens intensivos em recursos naturais possa ser o meio de alcançar uma estrutura diversificada e intensiva em conhecimento e tecnologia, apenas com o fortalecimento institucional e a readequação das políticas micro e macroeconômicas – quando o que se observou foi o reforço da especialização.

Ao contrário do que alguns afirmaram119, é de fundamental importância “el qué se produce” tanto quanto “el cómo se produce”, pois, no que diz respeito à América Latina, os ganhos obtidos com a exportação de commodities primárias acabaram sinalizando para mais exploração dos recursos naturais120 e não para a via da incorporação de valor agregado e tecnologia a etapas superiores de tais cadeias produtivas – sem perder de vista que o dinamismo e o potencial de geração de valor dos produtos industriais (especialmente os de tecnologia de ponta) são incomparáveis com os vinculados aos recursos naturais121.

É por isso que, da forma como a região tem se inserido, o quadro aparentemente favorável de expansão dos preços das commodities, ao contrário de aproximá-la do rumo do

cambio estructural con igualdad, tende a aprofundar a sua fragilidade estrutural, ainda que

conjunturalmente apresente-se menos vulnerável122. E, como apontou Sampaio Jr. 123, tende a mascarar as transformações que põe em marcha o processo de reversão neocolonial e impõem à América Latina uma posição cada vez mais subordinada na divisão internacional do trabalho.

Para finalizar, a retomada da dependência engendrada em torno dos recursos naturais é o que justifica o resgate às principais contribuições de Raúl Prebisch e de Celso Furtado, já que, tal situação perpassa, em maior ou menor grau, diversos momentos da história latino-americana. E, dessa forma, algumas considerações levantadas por esses autores seguem vigentes – principalmente porque a condição do subdesenvolvimento manteve-se enraizada à realidade da

119 Ver Torre (2011, p.19).

120 Tendo em vista que há limites físicos à exploração desenfreada do meio ambiente e dos recursos naturais, com efeitos

deletérios às sociedades das futuras gerações.

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Principalmente em meio às revoluções tecnocientíficas em marcha (biotecnologia, nanotecnologia e TICs).

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Katz (2011).

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região. Por essa razão, sinaliza-se para a necessidade de superação da crise que tem perdurado no marco teórico do desenvolvimento crítico: afinal, não há como desatar o nó górdio do subdesenvolvimento periférico se não se atacam de frente os problemas estruturais que os atém a tal condição.

Assim, na contramão do pensamento que se tornou dominante, dentro e fora da ortodoxia, o debate em torno do desenvolvimento centralizado na (falsa) via das commodities deve ser reivindicado – e suas denúncias alardeadas – por aqueles que fazem jus à tradição da economia política originária latino-americana e vão além da exterioridade crítica. De uma ou de outra perspectiva teórica, esses pensadores críticos partilham da visão de que, para fugir da armadilha do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” (como o presenciado no ciclo recente de auge das commodities), cabe à América Latina (integrada) a árdua tarefa de promover “cambios estructurales” que decorram da desnaturalização e do enfrentamento da nossa histórica “dupla articulação”: dependência para fora e segregação para dentro.

As constatações obtidas no trabalho e os diversos elementos mencionados ao longo da exposição estimulam uma ampla agenda de pesquisas, que inclua, principalmente, a relação entre o padrão do comércio externo e a estrutura produtiva dos países da região – inclusive dos processos de desnacionalização e desindustrialização –, tendo em vista o poderio político, econômico e tecnológico daqueles que detêm o comando das cadeias globais de valor. Isso tudo contraposto à reorganização da divisão internacional do trabalho, que, supostamente, tenderá a relegar à América Latina um papel relativamente marginalizado no sistema capitalista mundial. E que, do ponto de vista interno, tenderá a aprofundar alguns problemas sociais típicos dos países subdesenvolvidos – como marginalidade, segregação, desigualdades extremas, heterogeneidade estrutural, inchaço urbano e pobreza rural.

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