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Contribuição ao debate crítico sobre o papel das commodities primárias no desenvolvimento latino-americano (2003-2013)

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TATIANA FERREIRA HENRIQUES

Contribuição ao debate crítico sobre o papel das commodities primárias no

desenvolvimento latino-americano (2003-2013)

Campinas

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

TATIANA FERREIRA HENRIQUES

Contribuição ao debate crítico sobre o papel das commodities

primárias no desenvolvimento latino-americano (2003-2013)

Prof. Dr. Plínio Soares de Arruda Sampaio Junior – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA TATIANA FERREIRA HENRIQUES E ORIENTADA PELO PROF. DR. PLÍNIO SOARES DE ARRUDA SAMPAIO JUNIOR.

CAMPINAS 2015

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TATIANA FERREIRA HENRIQUES

Contribuição ao debate crítico sobre o papel das commodities primárias no

desenvolvimento latino-americano (2003-2013)

Defendida em 27/02/2015

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A Mariângela e Quintino, Lucas e Gustavo, pela inquietude e conforto, pelas traquinagens e risos!

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AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Plínio de Arruda Sampaio Jr., que prontamente se dispôs a ajudar-me com as primeiras leituras e reflexões sobre a complexidade histórica, social, cultural, econômica e política que é a América Latina. Agradeço, não apenas pela dedicação no árduo processo da investigação, mas também por seu inestimável papel na minha formação como cidadã, economista e mestra crítica.

Aos professores Celio Hiratuka, Fernando Macedo, Bruno de Conti, João Paulo Hadler e Daniel Feldmann, por aceitarem gentilmente os convites para o exame de qualificação e defesa do mestrado. As observações, sugestões e apontamentos foram e serão essenciais à qualidade deste trabalho e do debate subjacente.

Aos funcionários e professores do Instituto de Economia, pelos ensinamentos e apoio em todos esses oito anos de UNICAMP. Aos professores Juan Bacic, Eugenia Leone e Lilian Maluf, por compartilharem suas experiências de docência nas nossas atividades de PED.

Aos amigos bibliotecários, por deixarem muito mais leve o nosso dia-a-dia do estudo: Alexandra Andrade, Clayton Moreira, Danilo Negreti, Kelly Duarte, Maria Teodora Albertini, Mirian Clavico e Tabata Ponce.

Aos companheiros do Grupo de Estudos "Florestan Fernandes" (GEFF): Artur Monte Cardoso, Gustavo Zullo, Fernando Henrique, Henrique Braga, Joana Salém, Leandro Pereira, Marcelo Durante, Melissa Oliveira, Rebeca Bertoni, Sarah Franciscangelis e Stella Okumura, fundamentais nas discussões e reflexões da pesquisa.

A los compañeros de clase “latinoamericanos”, com os quais compartilhei três meses de Escola de Verão da CEPAL (em pleno inverno chileno) e com os quais aprendi muito, em tão pouco tempo: Adriana González, Adriana Viteri, Ana Abeliansky, Andi Mdna, Asier Bm, Audrey Delsuc, Aya Cod, Danilo Spinola, Diana Salazar, Eugenia Quirolo, Fátima González, Laura Carla, José Miguel Natera, Kyeong-a Park, Luciana Tsukada, Marco Cópolla, Mariana Sandoval, Matthias Knepper, Maya Leone, Patrick Fontaine, Pedro Navarrete, Renier Estevez, Sara Oh, Sara Tonini e Tina Hotha.

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Aos amigos e parceiros de trabalho, Maurício Espósito e Jaime León, pela paciência, solidariedade, sugestões, leituras e risadas, imprescindíveis à concretude desta dissertação.

Aos queridos amigos de infância, de escola, de graduação, de mestrado, de viagens, de dança, de corrida, de amigo de amigos e de amigos da vida: Alana Paiva, Alexandre Brabo, Álvaro Jim, Ana Paula Pegoraro, Andressa Lopes, Ângela Moreira, Anna Lígia Pozzetti, Aparecido Alves, Camila Veneo, Carlos Rodrigues, Eric Krahembuhl, Estela Carossini, Flávio Ribeiro, Francisco Siedler, Franco Villalta, Gian Romano, Ingrid Battaglin, Jean Perez, João Henrique Aduan, Juliana Oliveira, Júlio César Ferreira, Larissa Milaré, Lídia Brochier, Lucas Andrietta, Luciana Siedler, Luma Ramos, Marília Bassetti, Melissa Pereira, Murilo Medeiros, Nicholas Blikstad, Patrícia Nascimento, Raphael Machado, Thaís Lima, Theo Lubliner, Ulisses Rubio, Victor Young e Vinícius Figueiredo.

Às minhas famílias “sorocabana”, “campo-grandense”, “douradense” e “anastaciana”. À minha mãe Mariângela, ao meu pai Quintino e aos meus irmãos Lucas e Gustavo, pelo amor partilhado, pelo apoio incondicional e, cada qual do seu jeito, por me ensinarem o prazer da leitura, o valor do debate, a emoção da batalha e a alegria das artes.

E, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de estudos concedida para a realização do mestrado.

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“Soy... Soy lo que dejaron Soy toda la sobra de lo que se robaron Un pueblo escondido en la cima Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima Soy una fábrica de humo Mano de obra campesina para tu consumo Frente de frío en el medio del verano El amor en los tiempos del cólera, ¡mi hermano! Soy el sol que nace y el día que muere Con los mejores atardeceres Soy el desarrollo en carne viva Un discurso político sin saliva Las caras más bonitas que he conocido Soy la fotografía de un desaparecido La sangre dentro de tus venas Soy un pedazo de tierra que vale la pena Una canasta con frijoles, soy Maradona contra Inglaterra Anotándote dos goles Soy lo que sostiene mi bandera La espina dorsal del planeta, es mi cordillera Soy lo que me enseñó mi padre El que no quiere a su patria, no quiere a su madre Soy América Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina ¡Oye!”

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo estudar o significado do ciclo recente (2003-2013) de expansão de preços das commodities primárias para a América Latina e Caribe, no que diz respeito à inserção comercial externa, tendo em vista os marcos teóricos do (sub)desenvolvimento. Para isso, de um lado, são resgatadas algumas das principais contribuições do pensamento crítico originário latino-americano, especialmente de Raúl Prebisch e Celso Furtado; e, de outro lado, são apontados elementos concretos para qualificar o debate teórico recente acerca da centralidade dos recursos naturais ao desenvolvimento da região: a visão atual da CEPAL sintetizada no paradigma do cambio estructural frente às críticas do reforço da dependência primário-exportadora e do subdesenvolvimento. As evidências empíricas foram obtidas a partir de dados de comércio (SIGCI - CEPAL e UN Comtrade) da região com o mundo e com os seus principais parceiros: Estados Unidos, União Europeia, Mercosul, Japão e, com destaque, a China. De forma generalizada, o que se notou nas economias latino-americanas foi um reforço da especialização exportadora em torno de (algumas poucas) commodities primárias e um rápido incremento da importação de manufaturados de maior intensidade tecnológica. E, especialmente no caso do comércio com a China, uma tendência à inserção externa fortemente concentrada e assimétrica, em valor e tipos de bens. Isto é, um quadro que impõe à América Latina uma posição cada vez mais subordinada na divisão internacional do trabalho e que tende a afastá-la ainda mais dos rumos da superação do subdesenvolvimento: ao invés do caminho ao

cambio estructural, um aprofundamento do processo de reversão neocolonial em marcha.

Palavras-chave: Produtos primários; Comércio exterior; Desenvolvimento - América Latina;

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ABSTRACT

The present dissertation aims to investigate the implications of the recent primary commodities’ price expansion cycle (2003-2013) for Latin America and the Caribbean. This study set out to understand how this cycle affected the external trade insertion of the region given the theoretical framework of (under)development. In order to reach the results, in one hand, some of the main contributions to the critical debate in Latin America are recovered, especially Raúl Prebisch and Celso Furtado. In the other hand, concrete evidences are provided to support the theoretical debate on the centrality of natural resources for the regional development: ECLAC’s current view synthetized within the “structural change” paradigm in contrast to criticism against the strengthening of the primary-export dependence and underdevelopment. Empirical evidences were obtained through foreign trade data analysis (SIGCI - ECLAC and UN Comtrade) of the region with its most important trade partners: United States of America, European Union, Mercosur, Japan and most notably China. The findings suggest that overall Latin-American economies enhanced their export specialization around (few) primary commodities in face to a rapid increase in the import levels of higher technology-intensive manufactured goods. Furthermore, especially regarding trade with China, there is a clear tendency to a highly concentrated and asymmetric external insertion in value and sorts of goods. This setting imposes an increasingly subordinated position to Latin America in the context of the international division of labor, and tends to push the region further away from overcoming its underdevelopment. Instead of directing towards the “structural change” there is a deepening of the neo colonial reversion under way.

Keywords: Primary commodities; Foreign trade; Development - Latin America; Structural

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LISTA DE FIGURAS

Gráfico 1 - AL e C: Índice de preços mensais do total dos produtos básicos (jan/2003 -

dez/2013)... 62

Gráfico 2 - AL e C: Índices de preços mensais por tipo de produtos básicos (jan/2003 - dez/2013)... 63

Gráfico 3 - Evolução dos preços mensais de produtos básicos selecionados I.I. (jan/2003 - dez/2013)... 65

Gráfico 4 - Evolução dos preços mensais de produtos básicos selecionados II. e III. (jan/2003 - dez/2013)... 65

Gráfico 5 - AL e C (19): Índices do comércio exterior, f.o.b. (2003 - 2013)... 66

Gráfico 6 - AL e C (19): Índices de volume do comércio exterior, f.o.b. (2003 - 2013)... 67

Gráfico 7 - AL e C (19): Índice da relação dos termos de troca, f.o.b. (2003 - 2013)... 68

Gráfico 8 - AL e C (19): Destino das exportações - 2003... 71

Gráfico 9 - AL e C (19): Destino das exportações - 2011... 71

Gráfico 10 - Mercosul (4): Destino das exportações - 2003... 71

Gráfico 11 - Mercosul (4): Destino das exportações - 2011... 71

Gráfico 12 - México: Destino das exportações - 2003... 72

Gráfico 13 - México: Destino das exportações - 2011... 72

Gráfico 14 - AL e C (19): Origem das importações - 2003... 72

Gráfico 15 - AL e C (19): Origem das importações - 2011... 72

Gráfico 16 - Mercosul (4): Origem das importações - 2003... 73

Gráfico 17 - Mercosul (4): Origem das importações - 2011... 73

Gráfico 18 - México: Origem das importações - 2003... 73

Gráfico 19 - México: Origem das importações - 2011... 73

Gráfico 20 - AL e C (19): Principais destinos das exportações por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013) - Mundo, AL e C e Mercosul... 75

Gráfico 21 - AL e C (19): Principais destinos das exportações por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013) - EUA, UE e China... 76

Gráfico 22 - AL e C (19): Principais origens das importações por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013) - Mundo e Mercosul... 78

Gráfico 23 - AL e C (19): Principais origens das importações por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013) - EUA, UE e China... 79

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xviii

Gráfico 24 - AL e C (18): Evolução das exportações totais por grupos de produtos (2003-2013)... 81 Gráfico 25 - AL e C (18): Saldo comercial por intensidade tecnológica (2003-2013)... 82

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xix

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Índices de preços médios anuais dos produtos básicos... 117

Tabela 2 - AL e C: Índices do poder de compra das exportações de bens, f.o.b... 118

Tabela 3 - AL e C: Índices de volume do comércio exterior... 119

Tabela 4 - AL e C: Índices das relações dos preços de troca, f.o.b... 120

Tabela 5 - AL e C (19): Principais destinos das exportações... 122

Tabela 6 - Mercosul (4): Principais destinos das exportações... 122

Tabela 7 - México: Principais destinos das exportações... 122

Tabela 8 - AL e C (19): Principais origens das importações... 123

Tabela 9 - Mercosul (4): Principais origens das importações... 123

Tabela 10 - México: Principais origens das importações... 123

Tabela 11 - AL e C (19): Comércio de bens com o mundo por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 124

Tabela 12 - AL e C (19) x AL e C (19): Comércio de bens por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 125

Tabela 13 - AL e C (19): Comércio de bens com o Mercosul (4) por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 126

Tabela 14 - AL e C (19): Comércio de bens com EUA por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 127

Tabela 15 - AL e C (19): Comércio de bens com a UE (27) por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 128

Tabela 16 - AL e C (19): Comércio de bens com a China por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 129

Tabela 17 - Mercosul (4): Comércio de bens com o mundo por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 130

Tabela 18 - México: Comércio de bens com o mundo por intensidade tecnológica (2003, 2011 e 2013)... 131

Tabela 19 - AL e C (18): Evolução das exportações totais por grupos de produtos (2003-2013)... 83

Tabela 20 - AL e C (18): Saldo comercial por intensidade tecnológica (2003-2013)... 83

Tabela 21 - Os 10 principais produtos exportados em 2003 e 2011: AL e C (19) x Mundo... 84

Tabela 22 - Os 10 principais produtos intercambiados em 2013: AL e C (19) x Mundo... 85

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xx

Tabela 24 - Os 10 principais produtos intercambiados em 2013: AL e C (19) x Mercosul (4).... 88

Tabela 25 - Os 10 principais produtos intercambiados em 2013: AL e C (19) x EUA... 89

Tabela 26 - Os 10 principais produtos intercambiados em 2013: AL e C (19) x UE (27)... 90

Tabela 27 - Os 10 principais produtos intercambiados em 2013: AL e C (19) x China... 91

Tabela 28 - Os principais produtos exportados por países da AL e C(19) em 2013... 92

Tabela 29 - Os principais produtos exportados por países da AL e C(19) em 2003... 95

Tabela 30 - AL e C (19): Principais destinos das exportações de produtos primários... 98

Tabela 31 - AL e C (19): Principais destinos das exportações de manufaturas intensivas em recursos naturais... 99

Tabela 32 - EUA e China: Principais origens das importações por tipo de produtos em 2011... 100

Tabela 33 - China: Exportações totais para países da AL e C (19) em 2013... 101

Tabela 34 - China: Importações totais provenientes de países da AL e C (19) em 2013... 101

Tabela 35 - Os principais produtos exportados para a China em 2013 - países selecionados... 102

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xxi

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADM - Archer Daniels Midland

ALC / AL e C - América Latina e Caribe

ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM - Banco Mundial CAN - Grupo Andino

CEPAL - Comissão Econômica para América Latina e o Caribe CUCI - Classificação Uniforme do Comércio Internacional DIT - Divisão Internacional do Trabalho

EIA - United States Energy Information Administration EUA - Estados Unidos

FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FOB - Free on board

FMI - Fundo Monetário Internacional GHI - Global Harvest Initiative GHG - Gases do efeito estufa

IED - Investimento Estrangeiro Direto

IICA - Inter-American Institute for Cooperation on Agriculture INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MCCA - Mercado Comum Centro-Americano Mercosul - Mercado Comum do Sul

NAFTA - Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PIB - Produto Interno Bruto

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Pymes - Pequenas e médias empresas

Pymex - Pequenas e médias empresas exportadoras RR.NN. - Recursos naturais

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xxii

TICs - Tecnologias de informação e comunicações UE - União Europeia

UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento WTI - West Texas Intermediate

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xxiii SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1 1. A PERSPECTIVA HISTÓRICO-ESTRUTURAL DO (SUB)DESENVOLVIMENTO LATINO-AMERICANO ... 7

1.1. O contexto histórico ... 7 1.2. O diagnóstico da CEPAL e as contribuições de Prebisch e Furtado ... 11 1.2.1. As principais contribuições de Prebisch ... 11 1.2.1.1. O sistema centro-periferia ... 14 1.2.1.2. A deterioração dos termos de troca ... 17 1.2.1.3. Dos desequilíbrios sucessivos ao estrangulamento externo ... 21 1.2.1.4. O comércio intrarregional ... 22 1.2.2. As principais contribuições de Celso Furtado: subdesenvolvimento e modernização ... 24 1.2.2.1. O sistema econômico regional ... 30 1.3. Considerações finais: os rumos do desenvolvimento... 32

2. A CENTRALIDADE DAS COMMODITIES PARA O DESENVOLVIMENTO LATINO-AMERICANO NO SÉCULO XXI ... 35

2.1. O contexto histórico ... 35 2.2. Os argumentos favoráveis: rumo ao cambio estructural ... 37 2.2.1. O fim dos “falsos dilemas”: a) desenvolvimento baseado no mercado interno x externo e b) “maldição dos recursos naturais” ... 42 2.2.2. O incremento da complexidade: TICs, biotecnologia e nanotecnologia ... 44 2.2.3. A grande tarefa: região como provedora de alimentos ao mundo ... 46 2.3. Os argumentos contrários à dependência de commodities primárias ... 48

(24)

xxiv

3. CARACTERÍSTICAS DO CICLO RECENTE (2003-2013) DE EXPANSÃO DE

COMMODITIES E A INSERÇÃO EXTERNA DA REGIÃO... 59

3.1. O auge dos preços dos produtos básicos e os termos de troca ... 60 3.2. A inserção comercial externa da região no ciclo recente ... 68 3.2.1. As relações com os principais parceiros comerciais ... 70 3.2.1.1. O comércio com os principais parceiros: exportações e importações por intensidade tecnológica ... 75 3.2.2. Evolução do saldo comercial e das exportações ... 80 3.2.3. Os principais produtos intercambiados ... 84 3.2.4. Os recursos naturais latino-americanos frente às demandas dos EUA e China .. 97 3.2.4.1. A China e a América Latina ... 100 3.3. Principais conclusões ... 103

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 107 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 111 ANEXOS ... 117

(25)

1

INTRODUÇÃO

O século XXI inaugurou-se aparentemente como uma fase de “trégua” para a América Latina e Caribe, após duas décadas de graves tensões sociais e econômicas. Países que não se encontravam no centro do capitalismo ganharam relevo no cenário internacional, o que trouxe à tona novos atores, cenários e oportunidades abertas à região. O próprio crescimento da economia mundial possibilitou uma forte retomada – em preços e em quantidade – de produtos nos quais os países da região especializavam-se. Além disso, a irrupção da crise internacional em 2008 reforçou tal tendência altista até 2011 pelo incentivo à especulação em commodities no mercado financeiro.

Em meio a esse contexto, as commodities primárias voltaram à centralidade do debate crítico defendidas por uns como a saída para o imprescindível cambio estructural – e a solução para o problema da segurança alimentar global num futuro próximo – e denunciada por outros como um reforço à inserção periférica no sistema capitalista e à dependência político-econômica da região.

A presente dissertação estuda o significado do ciclo recente de expansão de preços das commodities primárias para a América Latina e Caribe, no que diz respeito à inserção comercial externa, considerando os marcos das teorias do (sub)desenvolvimento. Tendo como referencial teórico o pensamento originário latino-americano, especialmente de Raúl Prebisch e Celso Furtado, o trabalho procurará sistematizar o comportamento do comércio internacional de bens da região no período de 2003 a 2013. O objetivo último é contribuir para a qualificação do debate teórico recente acerca da centralidade dos recursos naturais no desenvolvimento latino-americano – especialmente se se considera a ampla crise que se estende ao âmbito teórico do desenvolvimento, na qual os problemas estruturais deixaram de ser tocados pela grande maioria dos economistas e, consequentemente, suas proposições teóricas aparecem com alcance limitado ou incompatíveis com a realidade do subdesenvolvimento periférico1.

Vale mencionar que o estudo da América Latina como um todo, ainda que suas partes apresentem especificidades próprias, justifica-se pela existência de problemas históricos comuns

1

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2

a esses países: originados a partir da colonização europeia e relacionados com a forma de inserção periférica no sistema capitalista mundial. Segundo Furtado (1976), estes surgiram do seu passado colonial, e se, num primeiro momento, desembocaram em fragmentação regional, em um segundo momento, com a crise da divisão internacional do trabalho no início do século XX, abriram o caminho à formação de uma consciência latino-americana.

É isto que fundamenta a ênfase da análise na totalidade e no conjunto, mesmo com tamanhas dissimilitudes entre os países do continente. Tal observação não exclui a relevância dos estudos das partes, mas salienta a importância da compreensão dos diversos traços que se revelam comuns ao movimento geral da história latino-americana: a colonização, o processo emancipatório, a incorporação periférica na divisão internacional do trabalho, a industrialização por substituição de importações, os regimes ditatoriais militares, a crise da dívida nos anos 1980, a adoção das politicas neoliberais na década subsequente e a própria forma como esses países interatuaram com o recente ciclo de expansão dos preços dos produtos primários e a com a crise financeira internacional.

Assim, a princípios do século XXI, as questões que permaneceram como traços estruturais, colocadas desde a Segunda Guerra Mundial, revelam a premente necessidade de superação do subdesenvolvimento – desígnio de certa forma partilhado por todos os latino-americanos2.

Em síntese: América Latina deixou de ser uma expressão geográfica para transformar-se em realidade histórica como decorrência da ruptura do quadro tradicional de divisão internacional do trabalho, dos problemas criados por uma industrialização tardia e da evolução de suas relações com os Estado Unidos, que, ao se transformarem em potência hegemônica mundial, conceberam para a região um estatuto próprio envolvendo um controle mais direto e ostensivo, e ao mesmo tempo requerendo crescente cooperação entre os países dessa área (FURTADO, 2007, p. 32).

Esta dissertação divide-se em três capítulos, além da introdução e das considerações finais, e um anexo3. No primeiro capítulo são apresentadas as contribuições de Prebisch e Furtado (imbrincadas no diagnóstico cepalino). A partir de uma breve revisão bibliográfica, procuramos

2 Com diversas controvérsias, Cuba apresenta-se como uma exceção, pois teve muito dos principais “traços do

subdesenvolvimento” resolvidos após a Revolução.

3

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3

indicar as questões levantadas pelos autores que seguem atuais4 e revelar a profundidade dessas análises interpretativas, especialmente quando se tem em conta a contraposição com a visão presente da própria CEPAL, instituição que se consagrara originalmente como crítica à realidade latino-americana – e que será objeto de estudo do segundo capítulo.

Das contribuições de Prebisch, serão destacadas as relações estabelecidas no sistema centro e periferia, as tendências à deterioração dos termos de troca e ao desequilíbrio externo e a importância da integração via comércio regional. E, em relação ao Furtado, serão salientadas a concepção da condição do subdesenvolvimento, a dessimetria entre a acumulação interna e a demanda pautada pela modernização e a ideia de sistema econômico regional. Notar-se-á que a questão da especialização primário-exportadora perpassa todos os pontos levantados. Ademais, a divisão dos autores em duas seções é feita para facilitar a exposição, já que ambos têm a mesma preocupação (o subdesenvolvimento latino-americano na periferia do capitalismo) e utilizam-se do mesmo método analítico (histórico-estrutural).

No segundo capítulo é realizada uma sintética contextualização histórica precedente à exposição teórica. Neste, serão apresentados os elementos que permeiam o debate crítico recente5 sobre a centralidade das commodities primárias para o desenvolvimento latino-americano. De um lado, o paradigma do cambio estructural con igualdad defendido pela CEPAL, que ressalta a possibilidade de aproveitar o auge das commodities e o cenário externo favorável para que a região, com um Estado ativo, instituições fortalecidas e políticas micro e macroeconômicas adequadas, consiga transitar de uma estrutura produtiva relativamente especializada (tanto internamente quanto do ponto de vista do comércio externo) para uma diversificada e intensiva em conhecimentos e tecnologia.

Com relação direta aos recursos naturais latino-americanos, ressalta-se também a visão difundida por alguns órgãos internacionais que sinalizam para a importância da região na questão da segurança alimentar mundial futura – como o indicado no elucidativo relatório publicado pelo BID & GHI: O próximo celeiro global: como a América Latina pode alimentar o

mundo6.

4

Sem a intenção de incorrer no risco de fazer extrapolações diretas de tais interpretações teóricas de uma realidade determinada historicamente no tempo e espaço à situação presente da região.

5

No sentido de que não serão contempladas na discussão do trabalho as visões ortodoxas do debate.

6

(28)

4

Em contraposição, na segunda parte do capítulo, são enumerados diversos pontos levantados por autores7 críticos à posição da CEPAL e à defesa da via das commodities – mesmo que apenas numa primeira etapa – como a solução para a retomada do desenvolvimento latino-americano. Assim, serão mencionadas brevemente as questões da vulnerabilidade externa, do ritmo de incorporação do progresso técnico, da forte volatilidade dos preços dos bens primários, da aproximação comercial com a China, da intensificação da exploração dos recursos naturais, da apropriação do excedente no setor primário e da soberania alimentar.

Por fim, no terceiro capítulo, é feita a caracterização do ciclo recente de expansão das

commodities e o panorama da inserção comercial externa8 da região no período estudado. Vale destacar que o recorte temporal (2003-2013) justifica-se pelo impulso de ascensão dos preços primários a partir de 2003 e o fato de que, no decorrer da pesquisa, grande parte dos dados estarem disponibilizados apenas até 2013. Em algumas seções, notar-se-ão comparações diretas entre os anos de 2003 e 2011, por este ter sido o ano auge dos preços de várias commodities primárias, os quais apresentaram uma tendência à queda desde então.

Para as evidências de preços, termos de troca, índices de comércio exterior (volume e poder de compra) foram utilizados os dados da CEPALstat. Já na segunda parte, a partir de dados obtidos pelo SIGCI - CEPAL e UN Comtrade serão apresentados os quadros do comércio externo da região com o mundo, internamente e com os seus principais parceiros: Estados Unidos, União Europeia, Mercosul, Japão e China, tanto em valor, quanto em intensidade tecnológica9 e principais produtos intercambiados. Além disso, indicar-se-ão: a evolução dos saldos comerciais e das exportações totais ao longo do período; o comércio em torno dos bens vinculados aos recursos naturais latino-americanos e o recente papel da China na região.

Ao longo da exposição serão acrescentadas informações (obtidas nos próprios relatórios da CEPAL, que realizam um diagnóstico do quadro latino-americano em diversas áreas

7

Entre eles: Alexis Saludjian, Cláudio Katz, Fernando Mattos, Guilherme Delgado, Marcelo Carcanholo, Maristella Svampa, Nildo Ouriques, Osvaldo Martínez, Plínio Sampaio Jr., Ricardo Carneiro, Wilson Cano.

8

Não coube ao âmbito desta pesquisa analisar o quadro das estruturas produtivas dos países da região, mas sublinhamos a importância de tal investigação como complemento fundamental ao estudo da inserção comercial externa e dos impactos da expansão dos preços das commodities primárias.

9

Classificados em: I. produtos primários, II. manufaturas intensivas em recursos naturais, III. manufaturas de baixa intensidade tecnológica, IV. manufaturas de média intensidade tecnológica, V. manufaturas de alta intensidade tecnológica e VI. outros – conforme a metodologia proposta por Lall (2000).

(29)

5

de pesquisa), complementares ao escopo deste trabalho, para qualificar e, de certa forma, problematizar os dados encontrados – e que apontam para uma agenda de pesquisa futura.

A hipótese subjacente da investigação é que o cenário que se apresentou como aparentemente favorável para a América Latina no início do século XXI tem significado o reforço da inserção subordinada do continente na divisão internacional do trabalho.

(30)
(31)

7

1.

A

PERSPECTIVA

HISTÓRICO-ESTRUTURAL

DO

(SUB)DESENVOLVIMENTO LATINO-AMERICANO

1.1. O contexto histórico

A fase que se inaugurou com a 1ª Guerra Mundial assinalou importantes mudanças nas tendências de longo prazo da economia mundial, consolidadas, definitivamente, com a crise de 1929. O sistema de divisão internacional do trabalho (DIT), estabelecido no século precedente sob hegemonia da Inglaterra e fruto da Revolução Industrial, reduziu sua importância e a demanda mundial por produtos primários perdeu dinamismo, pelas transformações das estruturas dos países industrializados (Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, França, Japão). Até então, a evolução das relações comerciais internacionais dava-se em torno do crescente intercâmbio entre os países, marcado pela exportação de produtos agrícolas e minerais por parte dos latino-americanos, mas também pela formação de polos de comando que dominavam os fluxos financeiros, as transferências internacionais de capitais, o financiamento dos estoques estratégicos de bens exportáveis e seus preços (FURTADO, 1976).

A extensão e profundidade da Depressão dos anos 1930 revelaram a priori seus aspectos conjunturais, em detrimento dos fatores estruturais, isto é, do fato de que a magnitude da crise refletia aquelas grandes modificações na economia internacional. Por ter sido, dentre as regiões subdesenvolvidas, a que mais se integrou à divisão internacional do trabalho, todo o sistema monetário dos países latino-americanos estava vinculado ao comércio externo, fazendo com que a crise tomasse uma proporção catastrófica na região. A capacidade para importar declinou consideravelmente como reflexo da deterioração dos termos de troca10 – muito mais do que pela queda no quantum exportado. Além da contração da demanda internacional por produtos primários, observou-se uma onda de protecionismo generalizado: principalmente nos EUA, mas também em outros países, como na Inglaterra, após décadas de defesa do livre-cambismo. Pela dependência do setor público com as arrecadações fiscais do comércio externo e pelo aumento do

10 “Tendência já observada no período anterior, e que se acentuaria a partir de 1913. À inelasticidade a curto prazo da oferta de

produtos primários de origem agrícola e à rigidez das estruturas dos países especializados na exportação desses produtos viria somar-se a própria evolução da tecnologia como fator responsável por essa tendência depressiva dos preços das matérias-primas nos mercados internacionais. O nitrato sintético substituiria progressivamente o salitre chileno, a partir da Primeira Guerra Mundial; as fibras e a borracha sintéticas viriam em seguida; a maior eficiência na utilização industrial dos produtos minerais atuaria no mesmo sentido” (FURTADO, 1976, p.104).

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custo financeiro da dívida pública externa11, quase todos os países (com exceção da Argentina) suspenderam o serviço da dívida por um determinado tempo, o que trouxe mais obstáculos para conseguir os financiamentos internacionais necessários à importação de bens de consumo e de capital. Ainda, a desorganização do sistema monetário internacional fundamentado no padrão-ouro reforçou a fuga de capitais da periferia para o centro (FURTADO, 1978; 1980).

Ademais, a crise de 1929 marcou um ponto de inflexão no desenvolvimento industrial, pois, até esse momento, os estímulos pró-indústria12 refletiam o movimento de expansão das exportações, para que, em seguida, o processo de industrialização fosse impulsionado pelas tensões estruturais do setor exportador em declínio – exceto pela Venezuela, Peru e os países da América Central, cujas exportações experimentaram um forte crescimento no mesmo período. Dessa forma, a contração e a baixa rentabilidade do setor exportador ocasionaram dois tipos de reações: o mais significativo foi o processo de industrialização por substituição de importações, e, em menor escala, o retorno à agricultura de subsistência e ao artesanato (FURTADO, 1976). Vale destacar que, nos países que ainda apresentavam um baixo grau de industrialização na década de 195013, foram tomadas medidas de incentivo às atividades industriais independentemente do comportamento do setor exportador14.

A intensificação do intercâmbio de manufaturados entre os países industrializados no pós-guerra desembocou em um forte crescimento do comércio internacional e o agravamento da deterioração dos termos de troca nas economias latino-americanas. Dessa forma, segundo Furtado (1976), a própria permanência de estruturas produtivas tradicionais na região resultava em perdas

11

A dívida externa desses países cresceu substancialmente no decorrer do século XIX, resultado das guerras de consolidação dos Estados Nacionais, de investimentos em infraestrutura (portos e estradas de ferro) e especulações do aparelho do Estado pelos grupos dominantes (FURTADO, 1976).

12

Principalmente de bens de consumo corrente e de materiais de construção. “O crescimento da produção industrial assume essencialmente a forma de adição de novas unidades de produção, similares às preexistentes, mediante a importação de equipamentos. Não se trata de formação de um sistema de produção industrial, mediante sua crescente diversificação (...). Assim, não existe diferença essencial entre a expansão industrial dessa primeira fase e o crescimento da agricultura de exportação” (FURTADO, 1976, p.186).

13

“A Venezuela da primeira metade dos anos 1950 constitui o último exemplo de país latino-americano em que o PIB cresce fortemente sem que nele aumente a participação do setor industrial. Em realidade, o setor industrial estava em expansão também nesse país, mas tão fortes eram os investimentos no setor petrolífero, cujos insumos eram nessa época totalmente importados, que a estrutura do sistema produtivo se manteve sem alterações perceptíveis” (FURTADO, 1976, p. 226).

14 “A experiência dos anos 60 demonstrou que não é fácil conciliar nesses países o processo de industrialização com uma redução

do coeficiente de exportação abaixo de níveis relativamente elevados, dado o considerável custo em divisas (insumos patenteados, royalties, assistência técnica, remessa de dividendos) da atividade industrial. (...) se se tem em conta o controle estrangeiro dos investimentos industriais, o qual implica elevado conteúdo de insumos importados, e as dimensões dos mercados nacionais respectivos, depreende-se que a industrialização substitutiva de importações possui eficácia relativamente menor, como fator de transformação das estruturas, nos países em que ela somente se implantou a partir dos anos 50” (FURTADO, 1976, p.231).

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reiteradas de posição no comércio mundial. Além disso, as transformações ocasionadas pela descentralização da atividade industrial a nível global, sob o controle de grandes empresas, significou, para a América Latina, um progressivo controle das atividades manufatureiras regionais por empresas sediadas nos países centrais, principalmente nos Estados Unidos15.

A penetração dos conglomerados norte-americanos nas indústrias manufatureiras da América Latina é fenômeno posterior à grande depressão dos anos trinta. É a partir da segunda guerra mundial que essa penetração alcança grande intensidade, particularmente naqueles países, como o Brasil, que já haviam passado por uma primeira fase de desenvolvimento industrial. Como a penetração se fez por toda a parte, independentemente do grau de desenvolvimento industrial já alcançado, interrompeu-se, de maneira geral, a formação de uma classe de empresários com nítido sentido nacional. (...) Das fortes posições financeiras que ocupam, os conglomerados estenderam rapidamente o seu controle sobre os setores manufatureiros mais dinâmicos (FURTADO, 1968, p.131).

Entre meados da década de 1950 até os primeiros anos da de 1970, os países desenvolvidos vivenciaram um período de excepcional crescimento e transformação, com a incorporação do “sistema industrial americano” nas economias da Europa Ocidental e do Japão. Logo, observou-se uma confluência de interesses, pois, tanto os capitais desses países tinham o desejo de conquistar e prolongar suas posições no mundo, inclusive na periferia, quanto os latino-americanos viam neles o meio de prosseguir seus processos de industrialização, pela implantação de setores de maior complexidade tecnológica16 (CANO, 2000).

A concentração do poder econômico no centro favoreceu às grandes corporações com capacidade de ação global, que deslocaram parte da atividade industrial à periferia e logo se empenharam em reabrir estas economias, por meio da diversificação das suas exportações (FURTADO, 1980). Já no fim dos anos 1960 iniciou-se uma tendência de mudanças, marcada

15

“As pressões norte-americanas na década de 1950 aumentaram: no início, por sua necessidade de unificar a América Latina em torno de si, diante do conflito da Coreia; no fim, porque, à medida que se esgotava o Plano Marshall, os mercados latino-americanos protegidos se tornavam uma necessidade maior para os EUA” (CANO, 2000, p.21).

16

“Mais que isso: neste momento, a luta pela industrialização na América Latina passou a constituir uma bandeira progressista em todos os países. Mas é progressista em termos, visto que a urbanização e a industrialização constituíam a via principal de amortecimento (até o início da década de 1960) das tensões sociais geradas pelo crescente êxodo rural na região. Se, de um lado, esse êxodo representava, para o migrante, a oportunidade de obter melhor emprego, de outro, significava a tentativa de fugir ao completo abandono social em que vivia no campo. Para as elites isso também evitava, de forma permanente, o enfrentamento da questão agrária e da exclusão social” (Cano, 2000, p.21). Exceto, no caso do México, pelo extenso programa de reforma agrária levada a cabo por Lázaro Cárdenas.

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pela expansão das exportações de manufaturas originadas na América Latina17, seguida da forte recuperação dos preços relativos dos produtos básicos. Por outro lado,

As crescentes dificuldades e obstáculos para a continuidade do processo de industrialização (inflação, finanças públicas, balanço de pagamentos e financiamento) fizeram crescer ainda mais o movimento contestatório latino-americano, ao mesmo tempo que, em vários países, as forças repressoras jogaram grande parte dele na clandestinidade e na luta de guerrilhas. Mesmo no Chile, a esquerda que estava no poder via eleições também foi golpeada pela repressão. Apoiada descaradamente pelos EUA, essa repressão venceu principalmente mediante golpes militares e “eleições indiretas” (CANO, 2000, p. 24).

À exceção de alguns países, as maiores economias da região utilizaram-se largamente da elevada liquidez internacional dos anos 1970 para bancar parte dos seus “projetos nacionais” (infraestrutura, indústria pesada, petróleo, agroindústria), modificando suas estruturas produtivas e pautas exportadoras em direção a bens mais intensivos em tecnologia. Com a forte elevação da taxa de juros dos Estados Unidos em 1979, os países latino-americanos, altamente endividados, viveram, num primeiro momento, uma séria recessão, seguida, pelas “políticas de ajustes propostas e negociadas” para a região, de graves consequências nas décadas subsequentes (CANO, 2000).

Se, a “década perdida” dos anos 1980, significou, do ponto de vista concreto, uma enorme transferência de recursos líquidos ao exterior, interrupção dos projetos de industrialização, descontrole inflacionário, desvalorizações das moedas, expansão da dívida pública, aumento do desemprego e da informalização e piora na distribuição de renda; do ponto de vista teórico, significou uma inflexão definitiva nos marcos do pensamento crítico latino-americano – e uma crise nas teorias do (sub)desenvolvimento que se estende até os dias de hoje18.

17 Explicada pelos diversos incentivos criados nos países centrais para o aumento da oferta e pela estratégia de integração

internacional das grandes empresas. Além disso, observou-se uma expansão do comércio intrarregional por meio do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e do Grupo Andino (CAN) (FURTADO, 1976).

18

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11

1.2. O diagnóstico da CEPAL e as contribuições de Prebisch e Furtado

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) surge19 em 1948 com o intuito de discutir e propor políticas de ação para os países da região, a partir da centralização de um pensamento crítico original. Em contraposição à visão criada no centro e transplantada para a periferia, que defendia que os países latino-americanos encontravam-se numa situação de atraso frente às principais potências “maduras” do capitalismo, esses intelectuais procuraram elaborar um corpo teórico próprio, que colocasse em primeiro plano a investigação da complexidade do subdesenvolvimento latino-americano.

Neste trabalho, ainda que partilhem do mesmo método analítico (histórico-estrutural) e da mesma preocupação (o subdesenvolvimento latino-americano na periferia do capitalismo), o capítulo é dividido para enfatizar alguns elementos das principais reflexões de Raúl Prebisch, de um lado, e de Celso Furtado, do outro, com o objetivo de facilitar a exposição de certas contribuições fundamentais.

De Prebisch, além da síntese introdutória, destaca-se a visão de oposição entre centro e periferia, as tendências à deterioração dos termos de troca e ao desequilíbrio externo e a importância da integração via comércio regional. De Furtado, a concepção da condição do subdesenvolvimento, a dessimetria entre a acumulação interna e a demanda pautada pela modernização e a relevância de um sistema econômico regional. Com diversos pontos convergentes, revela-se, em ambos os autores, a especialização primário-exportadora como um traço que se mantém, em maior ou menor grau, no decorrer da história latino-americana. Sem deixar de perder de vista que, em última instância, a finalidade da economia política cepalina era conseguir solucionar os entraves que impossibilitavam a compatibilização entre capitalismo, democracia e soberania nacional nos diversos países da América Latina.

1.2.1. As principais contribuições de Prebisch

Desde suas primeiras contribuições à frente da CEPAL, Raúl Prebisch defendeu a importância da apreensão da realidade e da história, para, assim, discutir as especificidades e

19 Estabelecida pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. E, segundo Furtado, “instituída em 1948 contra forte

oposição dos Estados Unidos. Instalando sua sede em Santiago do Chile, em aberto contraste com os órgãos pan-americanos situados em Washington, a CEPAL viria a desempenhar papel de relevo na formação da nova consciência latino-americana” (FURTADO, 1976, p. 32).

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12

problemas próprios de determinada região. Da forma como eram abordados, estes apenas eram aprofundados na vã tentativa de tentar ajustar uma teoria a uma realidade muito distante daquela na qual foi concebida. Afinal,

(...) uma das maiores falhas da teoria econômica geral, quando contemplada da periferia, é o seu falso sentido de universalidade. (...) Não se deve confundir o conhecimento reflexivo do que nos é alheio com a sujeição mental às ideias alheias, da qual muito lentamente estamos aprendendo a nos libertar (PREBISCH, 1949, p.149).

Para Gurrieri (2011), no programa20 inicial do Prebisch (o “manifesto latino-americano21”), já se notava que as ideias propostas deveriam ser utilizadas como instrumentos de ação, isto é, assimiladas ou abandonadas segundo a capacidade que possuíam para explicar e, em seguida, transformar tal realidade.

O primeiro passo foi refutar a justificativa da teoria clássica da divisão internacional do trabalho, baseada nas vantagens comparativas de David Ricardo, na qual os frutos do progresso técnico tenderiam a ser distribuídos igualmente entre os países que se especializavam naquilo que tinham superioridade relativa, de acordo com a suas dotações de recursos22. No entanto, as evidências empíricas revelaram uma considerável desigualdade nos níveis médios de produtividade do trabalho – ademais da renda – entre os países que voltaram seus esforços à industrialização e aqueles que se concentraram na produção e exportação de produtos primários.

Por outro lado, constatou-se que os países integraram-se num conjunto de relações internacionais do tipo “centro-periferia”, formado historicamente pelo processo de geração e difusão do progresso técnico no sistema capitalista mundial. Dessa forma, a “vasta e heterogênea periferia” não apenas se ligava aos “grandes centros industriais” em função dos seus recursos naturais, como respondiam às suas necessidades e interesses.

20

A expressão programa é utilizada, pois, segundo Gurrieri, “a proposta de Prebisch, além de impulsionar o conhecimento científico, propiciou a criação e a consolidação de instituições que permitiram o crescimento e a difusão de suas ideias, desempenhando o papel de aríetes que derrubaram muralhas para conhecer e transformar a realidade” (GURRIERI, 2011, p.15).

21

Expressão tal como Albert Hirschman nomeou o ensaio de 1949: El desarrollo económico de la América Latina y sus principales problemas, escrito como introdução a Estudio económico de la América Latina 1948 (GURRIERI, 2011).

22

Assim explicou Furtado: “para que um país alcance a utilização ótima de seus fatores de produção, deverá produzir de preferência aquelas mercadorias cuja elaboração requer de forma mais intensiva os fatores que são mais abundantes. (...) Em todos os países que participam do intercâmbio, os preços relativos dos fatores abundantes tenderiam a aumentar e a baixar os dos fatores raros, donde se deduz que o comércio exterior traria consigo uma tendência à igualização das remunerações de fatores. Compreende-se, portanto, que a teoria tradicional do comércio internacional haja levado à formulação de uma dupla tese otimista: o intercâmbio externo seria um fator de transmissão de um impulso dinâmico, e poria em marcha mecanismos tendentes à igualização das remunerações dos fatores nos distintos países. Em outras palavras: o desenvolvimento tenderia a propagar-se e as diferenças de níveis de renda entre países, a reduzir-se” (FURTADO, 1967, p.234-235).

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13

Essa inserção não só é insuficiente para equiparar o nível de renda da periferia ao dos centros, mas também impõe à estrutura produtiva periférica dois traços negativos – heterogeneidade estrutural e especialização – como consequência da lenta e irregular penetração do progresso técnico. De tudo isso decorrem três desigualdades principais entre centros e periferias: na posição e na função que ocupam dentro do sistema, em suas estruturas produtivas e em seus níveis médios de produtividade e de renda (GURRIERI, 2011, p.21).

Ainda, a comprovação de que os preços relativos evoluíam de modo adverso aos produtos primários, em comparação com os preços dos bens industrializados, revelou que além dos países centrais serem capazes de reter os frutos dos seus incrementos de produtividade – muito superiores pelo seu potencial técnico-científico e pelo grau de acumulação de capital –, estes também se apropriavam de uma parcela dos frutos do progresso técnico originados na periferia.

Ademais, tal quadro fundamentava o persistente desajuste entre as necessidades de importação da periferia e a demanda dos centros por produtos primários. O processo de acumulação e crescimento da renda impunha uma crescente procura por bens de capital e de consumo incompatíveis com a capacidade para importar desses países – que, do ponto de vista comercial, resultava da relação entre o quantum exportado e o nível de preços dados internacionalmente –, desembocando em recorrentes problemas de “estrangulamento externo” (GURRIERI, 2011).

Havia, ainda, que enfrentar outra questão relevante, fruto da transformação estrutural pela qual passou a economia mundial e que refletia diretamente nas possibilidades abertas à periferia: a mudança do centro dinâmico principal da Inglaterra para os Estados Unidos23. Até então, os países periféricos funcionavam como um complemento à economia britânica, sendo os efeitos cíclicos transmitidos via balanço de pagamentos: as fases crescentes do centro implicavam fortes expansões das suas importações e, consequentemente, em superávits comerciais na periferia, que compensariam os déficits externos dos períodos de depressão. Com a ascensão dos

23

Este ponto é fundamental para entender os percalços e as possibilidades postas às economias primário-exportadoras latino-americanas à época. “Durante todo o século que se encerra com a Primeira Guerra Mundial, o comércio mundial de matérias-primas se expandiu com rapidez. Deveu-se isto ao fato de que o desenvolvimento da Inglaterra se fez com uma abertura progressiva de sua economia: seu coeficiente de comércio exterior aumentou de 8,5 por cento, no decênio 1820-1830, para 30 por cento no primeiro decênio do século XX. Graças a esse impulso recebido do principal centro industrial da época, o comércio mundial de produtos primários aumentou com mais rapidez, durante o período referido, do que o produto dos países que dele participavam. Seria essa, entretanto, uma situação particular, cuja explicação estava nas características do desenvolvimento econômico da Inglaterra, país de recursos naturais próprios limitados e centro de um grande império herdado da época mercantilista. Ora, os Estados Unidos, cuja importância relativa na formação do produto mundial seria crescente, apresentariam tendência inversa: seu coeficiente de comércio exterior declinaria de 9,2 para 4,1 por centro entre 1919 e 1959, sendo mais acentuado ainda o declínio da participação das matérias-primas em suas importações” (FURTADO, 1967, p.235).

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14

EUA, que, além de produzirem diversos produtos primários, caracterizavam-se pelo mercado relativamente fechado24, houve uma tendência à diminuição do coeficiente de importações com crescente concentração das reservas mundiais de ouro no centro, cujos efeitos seriam sentidos especialmente nas fases de auge do ciclo. Nestas, tendo em vista o baixo coeficiente, a transmissão da expansão para a periferia não era imediata, mas dava-se lentamente, prolongando o déficit comercial por um extenso período de tempo – uma das causas para a tendência aos desequilíbrios crônicos no balanço comercial da região (RODRÍGUEZ, 1981).

O déficit externo, continuamente reiterado, induz, de forma repetida, à adoção de medidas restritivas das importações, o que por sua vez, dá origem a estímulos para que se substituam as importações pela produção interna de bens manufaturados. (...) o caráter mais fechado da economia do novo centro cíclico principal se reflete em um desenvolvimento periférico também mais fechado, segundo um modelo indistintamente denominado industrialização, substituição de importações ou desenvolvimento para dentro (RODRÍGUEZ, 1981, p.44).

Assim, a visão crítica do desenvolvimento “para fora” (ou primário exportador) – que marcara as economias latino-americanas até então – justificou a imprescindibilidade de uma política deliberada de industrialização da região25, já que esta não ocorreria espontaneamente sob o livre jogo das forças de mercado e era fundamental para a superação da condição periférica26.

1.2.1.1. O sistema centro-periferia

A divisão do mundo entre países centrais e periféricos é resultado de um processo histórico, pela forma como o progresso técnico difundiu-se no capitalismo global a partir da 1ª Revolução Industrial. No primeiro momento, coube à periferia produzir e exportar alimentos,

24

“Ainda que pareça paradoxal, a produtividade maior contribuiu para que esse país, após alcançar a etapa da maturidade econômica, não apenas prosseguisse com a sua política protecionista, mas também a acentuasse. (...) Ao se estenderem para as indústrias de menor progresso os salários mais altos resultantes da grande produtividade das indústrias avançadas, as primeiras perdem sua posição favorável na concorrência com as indústrias estrangeiras que pagam salários menores. Pode-se ter uma ideia do significado desse fator considerando-se que os salários dos Estados Unidos são hoje duas vezes ou duas vezes e meia mais altos que os da Grã-Bretanha. (...) apesar do grande aperfeiçoamento da técnica agrícola, foi necessário proteger a agricultura para defender alguns de seus ramos de atividade, cuja importância derivava de seus rendimentos relativamente altos em comparação com os dos concorrentes estrangeiros” (PREBISCH, 1949, p.111).

25

“Daí o significado fundamental da industrialização para os países novos [latino-americanos]. Ela não constitui um fim em si mesmo, mas o único meio de que dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o nível de vida das massas” (PREBISCH, 1949, p.96).

26

Em prefácio à obra de Rodríguez (1981), Prebisch afirmou: “A ideia de que a tendência do capitalismo em expandir-se mundialmente traria consigo, de maneira espontânea, o desenvolvimento da periferia foi um mito. A CEPAL tratou de demonstrá-lo, de provar que não houve tal tendência espontânea à industrialização latino-americana. Esta última foi, pelo contrário, um ato deliberado nosso, uma resposta às crises dos centros (duas grandes guerras mundiais e, entre elas, a grande depressão)” (RODRÍGUEZ, 1981, p.8).

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15

fundamentais à forte expansão dos países centrais, então produtores e exportadores de mercadorias industrializadas – delimitando, assim, funções específicas na divisão internacional do trabalho. Dessa forma, o dinamismo da periferia era fortemente dependente dos impulsos originários do centro, e, por essa razão, na fase de “desenvolvimento para fora”, somente o setor primário-exportador e certas atividades diretamente relacionadas eram contempladas com avanços técnicos e maior produtividade do trabalho.

Assim, ao contrário do que ocorreu nos países centrais, a estrutura produtiva da periferia desenvolveu-se de forma heterogênea e especializada. Isto é, marcada pela coexistência de (poucos) setores modernos de atividade econômica com (muitos) outros de grande atraso tecnológico, resultando em diferentes níveis de produtividade. E, especializada, pelo esforço de acumulação no setor exportador, de alguns bens primários, enquanto que a maior parte do incremento e diversificação da demanda por bens e serviços eram satisfeitas por meio de importações.

Existe uma tendência entre os dois polos do sistema centro-periferia, e que esta é inerente à sua própria dinâmica. Argumenta-se, em síntese, que, por um lado, a desigualdade estrutural e, por outro, a diferenciação entre produtividades e rendas médias atuam uma sobre a outra e se reforçam reciprocamente. (...) tais tendências continuam sendo inerentes à dinâmica do sistema, mesmo durante a fase em que a industrialização passa a constituir o eixo do processo do desenvolvimento e apesar das significativas mudanças estruturais que ela traz consigo (RODRÍGUEZ, 1981, p.43).

Isto é, mesmo com os avanços das estruturas produtivas a atividades mais complexas na periferia, a tendência ao desenvolvimento desigual dos dois polos reproduzia-se conforme o sistema progredia, por suas especificidades constituídas historicamente.

Ademais, segundo Gurrieri (2011), havia várias desvantagens postas à periferia, decorrentes da influência dos centros industrializados, que reforçavam, a posteriori, as diferenças originárias entre os dois polos. Em primeiro lugar, os tipos de tecnologia criada nos centros, em função de suas necessidades, e propagados às economias da região. Conforme os primeiros industrializaram-se, o progresso técnico evoluiu de acordo com o grau alcançado no centro em termos de acumulação de capital, tamanho de mercado e capacitação da força de trabalho. Logo, a incorporação pela periferia era obstaculizada pelo descompasso entre a alta densidade de capital e a grande escala da tecnologia moderna, de um lado, e, do outro, os parâmetros internos de acumulação, mercado e abundância relativa de mão de obra.

(40)

16

E, segundo, os padrões de consumo difundidos pelos países centrais eram incompatíveis com o nível de renda média da população latino-americana, restringindo-se apenas ao alcance de uma parcela ínfima da sociedade – o qual, por sua vez, tornava-se um entrave ao próprio processo de acumulação na periferia. Diferentemente do ocorrido no centro, não houve um processo gradual de compatibilização da acumulação de capital com as modalidades de consumo, que permitisse a apropriação dos frutos do progresso na estrutura social como um todo27.

Um último aspecto importante são as relações de poder que permeiam os dois polos. À medida que o centro expandia seu poder tecnológico, econômico e político, este era acompanhado de ideologias, ideias e manifestações culturais que se propagavam e irradiavam-se28 aos países da periferia – e, concomitantemente, fortaleciam a hegemonia econômica, política e estratégica da superpotência estadunidense na região29 (PREBISCH, 1981). Inclusive, as empresas transnacionais cumpriram um papel considerável neste processo, pois, graças às superioridades tecnológicas e financeiras, estas adquiriram forte influência no funcionamento interno das economias periféricas. De fato, “se supone que estas corporaciones internacionalizan la producción. Pero sobre todo han generado la internacionalización del consumo, es decir, han dado mayor impulso a la sociedad privilegiada de consumo” (PREBISCH, 1983, p. 1095).

Já livre das “obrigações práticas30”, Prebisch (1981) aprofunda e radicaliza sua

interpretação crítica a respeito das (poucas) opções abertas à região. De um lado, pelo caráter essencialmente centrípeto, absorvente e dominante do capitalismo no centro, o que significa que este se desenvolve aproveitando o que a periferia tem para oferecer, sem o intuito de desenvolvê-la. E, de outro, porque as contradições internas são graves e dificilmente contornáveis:

27

“La especificidad no está tanto en la imitación del consumo de los centros, que es en rigor un fenómeno planetario, sino en las dimensiones que este fenómeno adquiere en la periferia, gracias a la flagrante desigualdad distributiva. En otros términos, la especificidad atañe al carácter privilegiado de la imitación” (PREBISCH, 1981, p.212).

28

Prebisch (1981), ao discorrer sobre a dependência cultural da periferia, faz uma distinção de sentido importante entre propagação e irradiação. Enquanto a primeira é um fenômeno deliberado por parte do centro, a segunda é dada de forma espontânea – ainda que, em muitos casos, essas duas formas combinem-se inextricavelmente.

29

Em defesa dos seus interesses, os centros valem-se das mais diversas estratégias de ação: “Concesiones comerciales, recursos financieros, sea por cauces bilaterales o multilaterales, ayuda militar, ciertos medios de influir manifiesta o encubiertamente sobre la opinión pública y los gobiernos y, eventualmente, medidas punitivas que terminan a veces con el empleo de la fuerza. Los centros, especialmente la superpotencia capitalista, emplean esas distintas formas de acción y persuasión de tal manera que los países periféricos, en muy diversos grados, se encuentran sometidos a decisiones tomadas en aquéllos o se ven constreñidos a tomar decisiones que de otro modo no tomarían, o a dejar de tomarlas, aunque se trate de decisiones que convienen a sus intereses” (PREBISCH, 1981, p.203).

30

Após ocupar os cargos de Secretário Executivo da CEPAL (1949-1963) e Secretário Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) (1964-1969), assumiu a direção da Revista da CEPAL (1976-1986).

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17

“prosperidad, y a veces opulencia, en un extremo; persistente pobreza en el otro. Es un sistema excluyente” (PREBISCH, 1981, p.14).

Por más que se piense, las reglas del juego del capitalismo periférico no permiten atacar sus dos grandes fallas. Ni su sentido excluyente, que sólo podría corregirse con una más intensa acumulación de capital a expensas de los estratos privilegiados y de los ingresos que se transfieren a los centros, ni su sentido conflictivo que se acentúa cada vez más en el juego irrestricto de relaciones de poder (PREBISCH, 1981, p.45).

1.2.1.2. A deterioração dos termos de troca

A tese da deterioração dos termos de troca é “expressão de uma tendência a longo prazo, inerente ao intercâmbio de bens primários de exportação da periferia por bens industriais exportados pelos centros” (RODRÍGUEZ, 1981, p.39), que pode ser traduzida pela perda de poder de compra dos produtos primários de exportação em relação aos industrializados, em um determinado período de tempo. O pressuposto central da tese é o de que o ritmo de crescimento da produtividade é mais intenso nos centros do que nos países periféricos latino-americanos, sendo que nestes, a velocidade de incorporação do progresso técnico é mais acelerada nas atividades primário-exportadoras – caracterizadas pela heterogeneidade das suas estruturas produtivas.

A partir de um estudo realizado pelas Nações Unidas, Prebisch (1949) observou que, entre os anos de 1870 até a 2ª Guerra Mundial, a relação de preços entre bens industrializados e primários desenvolveu-se de forma desfavorável a estes últimos, e, assim, aos países latino-americanos, em evidente contraste com o resultado previsto pela teoria clássica. Como os ganhos de produtividade na atividade industrial eram maiores, relativamente, aos do setor primário, esperar-se-iam que as reduções nos preços acompanhassem o movimento: maior produtividade, menor custo e, logo, menor preço. No entanto, os preços não se reduziram com o progresso técnico porque o aumento da produtividade foi acompanhado da elevação mais que proporcional da renda dos empresários e dos fatores produtivos nos centros – explicada pela existência de sindicatos, organizações operárias e direitos trabalhistas em mercados de trabalho mais

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