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A crescente pressão antrópica deletéria sobre os ecossistemas aquaticos dulcícolas pelo mundo é um fato. Podemos ver isso no aumento constante do número de empreendimentos de engenharia (barramentos, construções de usinas hidrelétricas, transposições de bacias) (L'vovich e White, 1990; Meybeck, 2003). Na contramão, pouco se tem avançado nas políticas de conservação da fauna associada (Reis, 2013). No Brasil, especificamente no Projeto de Transposição do rio São Francisco-PISF, esse problema era ainda maior devido a falta de conhecimento atualizado sobre a biota aquática associada. O presente estudo forneceu esta revisão e construiu uma linha de base sobre o atual conhecimento sobre os padrões de distribuição da ictiofauna.

A baixa similaridade da ictiofauna das bacias doadora e receptoras reforça a preocupação com a introdução de espécies não nativas nas últimas. O Ministério da Integração Nacional se comprometeu a construir medidas de contenção da fauna na bacia doadora, a fim de reduzir o risco de invasão nas bacias receptoras (Brasil, 2014d). Porém, o mesmo orgão já indicou que várias espécies já passaram pelos mecanismos de contenção (Brasil 2015). Neste contexto, uma forma de assegurar a manutenção das espécies nativas seria a criação ou ampliação de Unidades de Conservação-UCs, as quais tem exatamente esta finalidade. Porém, o que se observa é que essa forma de proteger a fauna tem recebido pouca atenção dos tomadores de decisão do Brasil, tendo em vista que as UCs representam percentual infimo da área da Caatinga (local de instalação do PISF) (Nascimento e Campos, 2011).

Porém, ao avaliarmos a efetividade das Unidades de Conservação, observamos que mesmo com toda a problemática envolvida (questões fundiárias não resolvidas, falta de contingente de pessoal, recursos restritos, sede muitas vezes ausente, plano de manejo na maioria das vezes inexistente) as UCs abrigam parcela significativa da ictiofauna das bacias a elas associadas (~30%). Assim, o aumento do percentual protegido, seja em ampliação ou criação de novas unidades, poderia auxiliar a proteção da ictiofauna da Caatinga. Entrentanto, no planejamento de novas UCs, algumas estratégias regionais para a conservação da ictiofauna devem ser tomadas, como priorizar os ambientes aquáticos e levar em consideração a diversidade de microhabitats, as áreas com maior riqueza de espécies e endemismo, como também observar as redes hidrográficas tentando abranger trechos de rios maiores, trechos

161 imediatamente a jusante de grandes reservatórios, respeitando o regime hídrico natural e mantendo pequenas liberações de água para que as espécies nativas continuem sobrevivendo.

A baixa similaridade faunística observada entre as bacias doadora e receptoras gerou a necessidade de se explorar o risco de invasão das espécies nas últimas. Os resultados indicaram que para ao menos 11 espécies, se chegarem no novo habitat, terão condições ambientais favoráveis ao seu estabelecimento e podem competir com as espécies nativas, por recursos disponíveis. Levando em consideração que a fauna nativa estará enfrentando uma mudança drástica no regime hídrico e terão baixa adaptabilidade às novas condições, é provavel que se iniciem os processos de homogeneização da fauna e extinções locais.

Além disso, recomenda-se que esforços e recursos sejam direcionados ao estudo de espécies com taxonomia confusa (inquirendae), ou que podem ser complexos de espécies, supostamente com ampla distribuição na região do empreendimento, para definir suas identidades taxonômicas através da utilização de taxonomia integrativa (morfologia, genética e nicho ecológico) (Padial et al., 2010). Por fim, espera-se que na definição futura de projetos como este, seja alcançada uma forte participação de todos os atores envolvidos e que a tomada de decisão seja fundamentada em estudos bem delineados e de maneira mais parcimoniosa.

Salienta-se ainda a importância da reavaliação das espécies ameaçadas de extinção do país, coordenadas pelo ICMBio com o apoio de mais de 400 pesquisadores (Brasil, 2014c). Essa lista é um dos primeiros passos para o desenvolvimento de políticas públicas de preservação da fauna ameaçada. Além disso, o maior aporte de investimento em pesquisas básicas realizado na Caatinga nas últimas décadas e o aporte de incentivos na formação de profissionais, como indicado por Langeani et al., (2009), possibilitou a ampliação do conhecimento sobre a fauna desta região (e. g. aumento das cotas de bolsas da CAPES e edital 13/2011 do CNPq/ICMBio). Esse projeto é fruto do crescimento desses investimentos. Ademais, o aumento do número de pesquisadores nos centros de pesquisa do Nordeste e a consolidação de novas coleções de peixes forneceram condições para a reavaliação das áreas prioritárias para conservação da fauna da Caatinga (Brasil, 2016).

Apesar do presente estudo ter acrescentado informações ao conhecimento sobre a ictiofauna das bacias envolvidas no PISF, ele não se propôs a ser um estudo definitivo, mas sim, uma linha de base para novos estudos na região. Mesmo com a extensa quantidade de localidades levantadas ainda existem bacias com acesso terrestre restrito e/ou baixa amostragem, como são os casos dos afluentes do rio São Francisco (trecho submédio) do Estado da Bahia e das cabeceiras de afluentes da bacia do rio Jaguaribe.

162 A presença de espécies possivelmente novas nas bacias estudadas (ex. Aspidoras sp.,

Corydoras sp. Hypostomus sp. Loricariichthys sp.) e a descrição recente de espécies (e. g. Parotocinclus seridoensis Ramos, Barros-Neto, Britski & Lima, 2013) revelam o conhecimento

ainda parcial sobre a ictiofauna da Caatinga. Diante do exposto, é importante que sejam produzidos estudos taxonômicos, sistemáticos e biogeográficos e que seja fomentada a consolidação e digitalização das coleções taxonômicas, no intuito de facilitar e estimular estudos abrangentes sobre a diversidade de peixes de água doce da Caatinga, antes da ocorrência de extinções locais ou permanentes de espécies.

5.1 Referências

Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Portaria n° 445, de 17 de Dezembro de 2014. Lista

Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçada de Extinção: Peixes e Invertebrados Aquáticos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2014c. p. 126-130.

Brasil. Ministério da Integração Nacional. Documentos técnicos. Disponível em: http://mi.gov.br/web/projeto-sao-francisco/documentos-tecnicos Acesso em: 12 de abril de 2014d.

Brasil. Ministério da Integração Nacional. Projeto São Francisco monitora peixes e

plânctons em bacias do Velho Chico. Disponível em: http://mi.gov.br/area-de-

imprensa/todas-as-noticias/-/asset_publisher/YEkzzDUSRvZi/content/projeto-sao-francisco- monitora-peixes-e-planctons-em-bacias-do-velho-chico?inheritRedirect=false Acesso em: 20 de julho de 2015.

Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Áreas Prioritárias - Mapas por Bioma. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-brasileira/áreas-prioritárias Acesso em: 30 de novembro de 2016.

Langeani, F.; Buckup, P. A.; Malabarba, L. R.; Py-Daniel, L. H. R.; Lucena, C. A. S.; Rosa, R. S.; Zuanon, J. A. S.; Lucena, Z. M. S.; Britto, M. R.; Oyakawa, O. T.; Gomes-Filho, G. Peixes de água doce. In: Rocha, R. M.; Boeger, W. A (Orgs.) Estado da arte e perspectivas para a

163 L'vovich, M. I.; White, G. F. Use and transformation of terrestrial water systems. In: Turner-II, B. L.; Clark, W. C.; Kates, R. W.; Richards, J. F.; Mathews, J. T.; Meyer, W. B. (Eds.) The

Earth as transformed by human action. Cambridge Cambridge, UK: University Press, 1990.

p. 235-252.

Meybeck, M. Global analysis of river systems: from Earth system controls to Anthropocene syndromes. Philosophical transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological

sciences 358(1440): 1935-1955, 2003.

Nascimento, J. L.; Campos, I. B. Atlas da fauna brasileira ameaçada de extinção em

unidades de conservação federais. Brasília, DF: Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade, 2011.

Padial, J. M.; Miralles, A.; De la Riva, I.; Vences, M. The integrative future of taxonomy.

Frontiers in zoology 7(1): 16, 2010.

Reis, R. E. Conserving the freshwater fishes of South America. International Zoo Yearbook 47(1): 65-70, 2013.

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