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3 CAPÍTULO II: EFETIVIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PARA

3.1 Introdução

O Brasil abrange diversos biomas e ecossistemas com imensa diversidade de espécies (Drummond et al., 2010). Estimativas mostram que o país possui aproximadamente 13% da biota mundial (Lewinsohn e Prado, 2005) e abriga a ictiofauna de água doce de maior riqueza da região Neotropical (55% das espécies, Reis et al., 2003) e do mundo (Nogueira et al., 2010). Porém, intervenções antrópicas têm causado diversos impactos ambientais nos ecossistemas brasileiros, ameaçando cada vez mais a sua diversidade biológica (Agostinho et al., 2005). Na mesma perspectiva, os ambientes aquáticos continentais estão entre os mais ameaçados do planeta, em virtude da acelerada degradação do habitat, eutrofização e introdução de espécies exóticas (Lévêque et al., 2005).

Como medida para assegurar a preservação e a persistência dos variados ecossistemas globais e sua biota, foram criadas Unidades de Conservação (UCs) (Cabral e Brito, 2013). Estas, têm como estratégia a manutenção e proteção dos recursos naturais. Contudo, no Brasil, o seu estabelecimento tem priorizado a fauna e flora terrestres, quando na maioria dos casos não leva em consideração a rede hidrográfica, aspecto de extrema importância, visto que grande parte da biodiversidade pode ser observada nos ambientes aquáticos continentais (Agostinho et al., 2005). Mesmo com todas essas informações, dificilmente as UCs brasileiras foram planejadas de forma efetiva e eficiente para conservação de seus corpos hídricos, não possibilitando a preservação adequada da biota a eles associada e dos serviços prestados por esses ecossistemas (Drummond et al., 2010).

A partir da década de 1930, o Brasil iniciou a criação e implantação das primeiras UCs, que atualmente abrangem 9,1% do território nacional (Cabral e Brito, 2013, Drummond et al., 2010). Essas estão classificadas em duas categorias: Proteção Integral (PI) e de Uso Sustentável (US). Aquelas buscam preservar a natureza permitindo apenas o uso indireto dos recursos naturais e estas são menos restritivas e possibilitam a utilização dos recursos de forma controlada (WWF-Brasil, 2008).

Mesmo com áreas protegidas, essas regiões muitas vezes com grande biodiversidade e elevado endemismo, são constantemente ameaçadas pela ação antrópica (Leal et al., 2005). Na Caatinga, único ecossistema exclusivamente brasileiro (Drummond et al., 2010), existem 28 Unidades de Conservação (13 de PI, sendo quatro Estações Ecológicas/ESEC, uma Reserva Biológica/REBio, sete Parques nacionais/PARNA e um Monumento Natural/MONA e 15 de US, das quais, três são Áreas de Proteção Ambiental/APA, duas Áreas de Relevante Interesse

90 Ecológico/ARIE, seis Florestas Nacionais/FLONA e quatro Reservas Particulares do Patrimônio Natural/RPPN), sendo que a maioria delas enfrenta problemas como situação fundiária não ou mal resolvida e falta de verbas para seu funcionamento e manutenção (Tabarelli e Silva, 2003). Assim, a implementação e a gestão das UCs na Caatinga têm sido executadas de forma insatisfatória para atingir os objetivos conservacionistas a que se propõem. Fato que pode ser observado pela ausência de planos de manejo na maioria das UCs localizadas neste bioma (Tabarelli e Silva, 2003).

A criação de UCs representativas é uma atividade complexa, pois geralmente envolve conflitos de interesses entre os setores ambiental, econômico e social, o que torna difícil identificar e determinar quais áreas são mais indicadas para implementação de novas ou expansão de Unidades de Conservação já existentes (Santos e Tabarelli, 2003). No Brasil, a maioria das UCs não foi estabelecida com base em dados puramente científicos e muitas vezes foram delineadas em locais sem interesses sociais, econômicos ou políticos (Santos e Tabarelli, 2003). Logo, é provável que os planos de manejo, quando existentes, tenham deixado de beneficiar algumas espécies ou grupos taxonômicos presentes nessas áreas. Além dos benefícios ambientais (conservação da riqueza de espécies), a conservação da Caatinga é importante, pois nesta região vivem milhões de pessoas em condições de vida inadequadas que geralmente resulta no uso equivocado dos recursos naturais (Santos e Tabarelli, 2003).

Esse bioma, onde predomina o clima semiárido, pode se tornar um dos mais ameaçados do país (Castelletti et al., 2000), pois já apresenta cerca de 15% de suas áreas desertificadas (Drummond et al., 2010) e 62% delas susceptíveis ao mesmo processo (Hauff, 2010). Por isso, é de extrema importância a proteção efetiva de sua biodiversidade. Além disso, apresenta cerca de 240 espécies e elevado nível de endemismo com aproximadamente 57% de espécies supostamente exclusivas das bacias deste bioma (Rosa et al., 2003; Tabarelli e Silva, 2003). Porém, a fauna de peixes nesse bioma foi por muito tempo negligenciada e muitas vezes era considerada como uma parcela empobrecida da riqueza presente na Amazônia e Mata Atlântica (Rosa et al., 2003).

O conhecimento sobre a diversidade e conservação da ictiofauna da Caatinga ainda é incipiente e com poucos trabalhos abrangentes (Rosa et al., 2003; 2004), o que dificulta a atribuição de quais espécies são endêmicas e ameaçadas de extinção (Langeani et al., 2009). Porém, esse argumento sozinho não é suficiente para garantir prioridade quando se trata da conservação da biodiversidade e discussões de políticas públicas de ordenamento territorial no país (Tabarelli e Silva, 2003).

91 A Caatinga vem sofrendo com o aumento das modificações antrópicas e degradação ambiental, devido ao rápido desenvolvimento de atividades produtivas (Silva et al., 2013). A população que vive neste bioma utiliza os recursos naturais para subsistência, na realização de atividades como a agricultura, pecuária e aquicultura, além de comercializar exemplares da fauna e flora, tanto de espécies nativas quanto exóticas (Silva et al., 2009). A aquicultura tem sido incentivada (sobretudo, com a utilização de espécies alóctones e exóticas) pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) desde a época da criação dos primeiros açudes públicos no Nordeste do Brasil (Brasil, 2004). No entanto, a introdução de espécies exóticas pode resultar em impactos ambientais significativos, como a extinção de espécies nativas e resultar na mudança da estrutura das comunidades e riqueza local, ameaçando diretamente a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos (Agostinho et al., 2005; Lévêque et

al., 2005).

Assim como em outras regiões semiáridas, a escassez de água geralmente resulta na modificação dos corpos d’água através da construção de barragens, canalização ou conexão artificial entre drenagens. Os impactos provenientes dessas atividades variam, podendo ser mais significativos em determinados ecossistemas, como nos ambientes aquáticos continentais (Sanchez, 2006). Além dos impactos diretos nos ecossistemas aquáticos continentais, a supressão da vegetação ripária, aumenta a incidência do sol e pode promover o assoreamento. No caso específico das bacias hidrográficas da Caatinga, um grande empreendimento em fase de conclusão (Projeto de Integração do rio São Francisco-PISF, popularmente conhecido como Projeto de Transposição do rio São Francisco) e que envolve a construção de dois grandes canais e estações de bombeamento, resultará na transposição de águas do rio São Francisco para os principais rios temporários do Nordeste do Brasil (Jaguaribe, Apodi-Mossoró, Piranhas-Açu, Paraíba do Norte), cujos grupos mais afetados devem ser os da biota aquática, dos quais os peixes é o mais conhecido (Brasil, 2004). Além de modificar o regime sazonal das drenagens receptoras, esse tipo de projeto também pode alterar a composição da fauna aquática, inclusive pelo aporte de espécies advindas da drenagem doadora. Os efeitos da conexão entre bacias sobre a ictiofauna ainda são pouco conhecidos (Moreira-Filho e Buckup, 2005). Porém, dentre os efeitos negativos mais prováveis está a homogeneização da biota aquática (Vitule e Pozenato, 2012). Essa situação se torna mais preocupante visto que apenas 4% da Caatinga está protegida por Unidades de Conservação (Drummond et al., 2010).

Diante desse contexto, o presente estudo visou verificar a efetividade de três UCs Federais (ESEC da Aiuaba, ESEC do Seridó e PARNA do Catimbau, localizadas no bioma

92 Caatinga), na conservação da ictiofauna, comparando-as com a riqueza de espécies dos trechos das drenagens que irão receber as águas da transposição do rio São Francisco, (porção alta das bacias dos rios Jaguaribe e Piranhas-Açu e trecho submédio da bacia do rio São Francisco). Além disso, também indicar áreas de relevante interesse para conservação da ictiofauna desse bioma que em breve sofrerá drásticas mudanças no regime hídrico decorrentes do PISF.

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