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O Jornalismo, assim como um reflexo da própria sociedade, está sempre em transformação. A forma como os profissionais fazem o Jornalismo também está mudando, se atualizando, enfim, evoluindo. Na análise da chacina em Campinas, o aspecto singular do crime chama a atenção. São muitas vítimas, muitas palavras, muito ódio. Foi positiva e necessária a realização de matérias que contextualizaram o tema, tocaram na ferida social que é o machismo, a violência e a morte de mulheres por questão de gênero.

Esse debate deve se estender a todos os casos. O termo feminicídio não pode ser substituído por palavras de “mais fácil” compreensão, mas sim introduzido na sociedade da forma mais completa possível. O Jornalismo, como fonte de informação e também de conhecimento, pode intermediar esse processo. A violência contra mulher não é algo excepcional, pelo contrário, está presente no cotidiano de muitas mães, filhas, namoradas, irmãs, entre outras. Abordar o feminicídio - e outros problemas sociais, de forma superficial, presa à singularidade dos casos isolados é uma prática corriqueira que necessita mudar o mais depressa possível. Ressalto que essa transformação não pode ser cobrada de um veículo de comunicação, mas do Jornalismo como um todo, de todas as engrenagens que compõem a máquina. Para isso, é preciso disposição de quem faz o Jornalismo ser o que ele é, os jornalistas.

Quem acredita que o Jornalismo não pode assumir um papel transformador na sociedade, não está ciente do alcance que a narrativa – uma das ferramentas de trabalho do jornalista – possui. Com esta monografia, percebo o quanto ela é importante para o entendimento e construção do mundo e da realidade que vivemos. Por meio da narrativa, em todas as suas formas, são criados os significados que constituem a nossa sociedade, para o bem ou para mal. A ela que recorremos para explicar algo extraordinário e devolver a normalidade ao nosso mundo e é a ela também que podemos recorrer na busca por igualdade de gênero.

Não se pode negar que a grande mídia já falhou diversas vezes em retratar as vítimas de feminicídio. Isamara foi mais uma delas. Mas existe quem consiga fazer diferente. A jornalista Nana Soares, por exemplo, no livro Feminicídio #InvisibilidadeMata, citado nesta monografia, retratou o crime em um dos capítulos da obra, dando a Isamara o papel de protagonista da história. A jornalista conseguiu romper o silêncio de familiares, amigos e vizinhos, e revelou alguns detalhes da noite dos assassinatos e da vítima que foi subestimada e

ignorada. Somente ao ler o texto de Soares – após tomar conhecimento de diversos outros textos sobre o caso em diferentes veículos de comunicação – percebi que Isamara era real e que tudo o que ela afirmava poderia sim ser verdadeiro. A narrativa conseguiu me fazer ver o outro lado da história, o qual foi silenciado em outras matérias. Senti empatia por Isamara, algo que não havia ocorrido antes. Falo dessa impressão para registrar o poder hermenêutico da narrativa, mencionado por Motta (2013), e do qual acreditava, no início deste trabalho, não ter resultados tão expressivos. Que engano maravilhoso!

O nome de Isamara está junto com o de Eloá, Luana, Laura, Gerciane, e tantas outras mulheres que tiveram suas vidas interrompidas de forma abrupta e a voz silenciada até mesmo na última oportunidade que tiveram de ter sua história contada. E nós ficamos, por enquanto, no papel de testemunha. Digo por enquanto, porque sei da capacidade do Jornalismo de produzir conhecimento e compreensões mais complexas sobre a realidade, que vão além do quem, o quê, quando, onde, como e por quê.

Vale lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo primeiro, destaca que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Para ser verdadeiramente melhor, a realidade deve ser boa para todos. Não é fácil transformá-la, diversas situações parecem tornar ainda mais impossível, mas nunca devemos enxergar isso como algo utópico, inalcançável.

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