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3. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS NARRATIVAS JORNALÍSTICAS

4.2 Análise narrativa da cobertura jornalística

4.2.2 Histórico de violência

Zero Hora publicou a segunda notícia vinculada ao caso no dia 3 de janeiro, comprada

do Estadão Conteúdo10. Com o título “Mulher acusou seis vezes autor de chacina em

Campinas”, fica evidente um histórico de desavenças entre Isamara e Sidnei. Na linha de apoio, a possível explicação – divulgada pela fonte policial - do que teria levado o autor da chacina a matar 12 pessoas: “Segundo a polícia, decisão judicial que deu a guarda do filho a Isamara deixou Sidnei Ramis de Araújo consternado e foi o principal motivo para que ele cometesse o crime”. Novamente, a foto que mostra a retirada de um corpo do local do crime é utilizada para ilustrar a matéria.

A notícia começa revelando uma nova informação sobre uma das vítimas. Isamara era técnica em contabilidade. O primeiro parágrafo apresenta o histórico de boletins de ocorrência registrados pela vítima ao longo de dez anos (entre 2005 e 2015) contra Sidnei. As acusações eram dos crimes de ameaça e agressão. Isamara também denunciou Sidnei por abuso sexual contra o filho, João Vitor.

Após uma breve explicação do crime ocorrido na virada de ano, a matéria destaca que Isamara ganhou a guarda do filho após a denúncia feita à Justiça de abuso sexual, no início de 2012. A fonte policial afirma que “a decisão judicial deixou Araújo consternado e foi o

10 De acordo com Pedro Aguiar (2016), a utilização de agências de notícia é algo comum em diversos países. Na

maioria dos casos, esses veículos de comunicação realizam a função de input (abastecer sua própria imprensa nacional com cobertura internacional) e output (fornecer notícias nacionais, preferencialmente em inglês, para a mídia estrangeira). Entretanto, o autor destaca que a realidade das agências de notícias é diferente no Brasil. “As agências de notícias brasileiras com distribuição nacional sempre estiveram tradicionalmente associadas a conglomerados jornalísticos, em geral funcionando como seções comerciais para a venda de conteúdo de seus respectivos jornais diários a outros clientes de menor porte, longe das maiores metrópoles. As atuais principais são a Agência Estado, Folhapress e Agência O Globo, que atuam como ‘revendedoras’ de matérias e fotos já produzidas pelas equipes dos jornais carro-chefe de cada conglomerado. Antes, funcionando no mesmo modelo, foram importantes ainda a Agência Meridional e a Agência Jornal do Brasil” (AGUIAR, 2016, p. 56 apud MARQUES, 2005).

principal motivo para que ele cometesse o crime”. A notícia também revela um breve histórico de quatro boletins de ocorrência registrados.

No Natal daquele ano (2012), ela foi até a Delegacia da Mulher, em Campinas, e afirmou que foi ameaçada pelo ex-marido por telefone. Durante uma discussão, ele teria dito "vou te matar". A queixa seguinte foi em setembro de 2013. Segundo o boletim de ocorrência, Araújo estava brincando com o filho durante uma visita monitorada e empurrou a mulher, que caiu.

Em dezembro de 2014, a Polícia Militar foi chamada até um clube da cidade. Lá, Araújo foi flagrado descumprindo uma ordem judicial, que o proibia de se aproximar do filho fora dos dias de visita monitorada. O menino estava jogando futebol e o pai foi surpreendido na arquibancada por Isamara. Por último, em junho de 2015, foi feita a ameaça mais grave. Isamara disse à polícia que o ex-marido a ameaçou de morte: ele teria dito que "é melhor você ir conversar com o diabo, porque nem Deus vai te ajudar! Porque você e a vaca da sua mãe vão pagar!" (grifos nossos).

Ainda conforme a polícia, em nenhum dos casos Isamara solicitou as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. A matéria informa ainda que o 3º Distrito Policial de Campinas irá investigar o crime e as motivações que levaram aos assassinatos e ao suicídio do autor.

Os policiais apreenderam uma gravação com o assassino no local do crime. Nela, o atirador teria se justificado e pedido desculpas para amigos. O material, junto com dez explosivos e cápsulas de pistola 9 milímetros encontrados na casa foram encaminhados para a perícia.

O foco da investigação é descobrir quem vendeu a arma para Araújo. Nesta semana, estão previstos os primeiros depoimentos de testemunhas e parentes das vítimas e do atirador (grifos nossos).

O e-mail coletivo enviado pelo autor da chacina a amigos, explicando os motivos que o levaram a cometer o crime, volta a ser mencionado nesta segunda matéria, desta vez tendo trechos divulgados pelo ZH. Também é ressaltada a existência de um arquivo com áudios, gravados pelo atirador e anexados ao e-mail, nos quais Sidnei comenta o ódio que sente pela ex-esposa e a família dela. De acordo com o texto, a polícia não possuía ainda esses documentos.

Ele diz também que pretendia cometer o massacre na noite de Natal. "Eu tentei pegar a vadia no almoço do Natal e dia da minha visita, assim pegaria o máximo de vadias da família, mas, como não tenho prática, não consegui", disse o atirador (grifo nosso).

Com a inserção de um entretítulo, o texto apresenta as informações sobre o enterro das vítimas, ocorrido no dia 2 de janeiro, salientando a dor e a comoção das aproximadamente mil pessoas (parentes, amigos e curiosos) que acompanharam o velório e o cortejo. Os últimos

corpos sepultados foram de Isamara, do filho João Vitor e do irmão dela, Rafael Filier. O texto destaca também o sofrimento do pai de Isamara e Rafael, Jovair Filier, o qual a matéria destaca que precisou do auxílio de um carrinho elétrico para acompanhar o velório dos parentes, provavelmente em consequência do estado emocional de Jovair. De acordo com o texto, amigos da família revelaram à equipe de reportagem que dois anos antes de perder o casal de filhos e o neto, Jovair havia perdido a esposa. “— Ficou só — disse uma ex- empregada da família”.

Figura 3 - Divulgação do histórico de violêcia

Fonte: Zero Hora

A segunda matéria acrescenta mais elementos à trama inicial. É apresentado um motivo para que Sidnei tenha cometido a chacina, voltando a atenção para as denúncias feitas por Isamara, entre elas a de abuso sexual. Nada no texto é apresentado para confirmar as denúncias e acusações feitas por Isamara. A palavra da vítima é colocada ainda mais em desconfiança com a alegação da polícia de que ela não quis utilizar as medidas protetivas oferecidas pela Lei Maria Penha.

O texto apresenta trechos dos áudios gravados por Sidnei no qual ele demonstra o ódio por Isamara e os familiares dela, explicando as razões que o levaram a cometer o crime (o qual deveria ter ocorrido no Natal, ao invés do Ano Novo). A matéria divulga partes do conteúdo desses áudios, porém também afirma que a polícia ainda não possuía o material.

Com essa segunda matéria, pela primeira vez, somos instigados a refletir sobre o sofrimento da família de Isamara. Utilizando palavras como dor e comoção, apesar de curto, o relato sobre o velório das doze vítimas traz à tona a compaixão pelos que ficaram, personificados no pai de Isamara, agora só.

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