• Nenhum resultado encontrado

Como consideração inicial neste fechamento do trabalho é relevante destacar que os resultados apontaram a boa qualidade das avaliações psicológicas realizadas pela equipe técnica do fórum de Ribeirão Preto, no sentido de selecionaram mulheres com preservado nível geral de saúde mental e adaptativo funcionamento psicodinâmico para adotarem crianças. Assim, a avaliação por meio de instrumentos padronizados confirmou as avaliações psicológicas prévias destas mesmas mulheres, realizadas em sua maioria apenas mediante entrevistas. Há que se pontuar que as pretendentes à adoção e as mães adotivas sinalizaram igualmente estas boas condições emocionais, esperadas para pessoas que acolheram ou deverão acolher crianças com histórico de rompimentos familiares e vitimizações de diversas ordens.

A partir da análise das variáveis dos instrumentos avaliativos utilizados, houve poucos indícios de confirmação das hipóteses teoricamente formuladas para mulheres inférteis à procura de adoção, com base na literatura científica na área. No grupo específico de pretendentes à adoção (G1) pode-se identificar, no Rorschach, maior frequência de respostas do tipo Dbl (espaço branco) e Bot (conteúdo botânico), maior tempo de latência médio, e mais respostas do tipo Hd (conteúdo parcial humano) no cartão IX, comparativamente aos demais grupos. No Desiderativo, por sua vez, observou-se apenas um indicador específico de G1, a saber: maior frequência de Idealização como defesa, comparativamente aos demais grupos. Na BFP, inexistiram indicadores que apontassem para maior angústia ou sofrimento psíquico em G1, em relação aos outros grupos.

Cumpre reiterar, neste momento, que referidas peculiaridades, sobretudo diante do amplo rol de variáveis analisadas, dificultam hipóteses interpretativas seguras. Diante da baixa frequência de variáveis com diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, pode-se considerar que parecem peculiaridades amostrais e casualidades, não exatamente marcas específicas das mulheres avaliadas. Dessa forma, pode-se considerar terem inexistido indicadores consistentes de maior angústia nas pretendentes à adoção (G1) comparativamente às mães adotivas (G2) e às mães biológicas (G3), sugerindo preservação de sua identidade e de sua feminilidade, conforme informações advindas deste trabalho.

Em complemento, há que se apontar que a utilização conjunta dos instrumentos de avaliação psicológica possibilitou a identificação de peculiaridades nos processos psicodinâmicos dos grupos de mulheres aqui avaliados, distintos quanto à sua condição frente à maternidade. Portanto, é possível afirmar que estes resultados demonstraram empiricamente

as vantagens da utilização conjunta e complementar de instrumentos de avaliação psicológica, já preconizada pela literatura científica da área, agora reiterada também como útil na atuação do psicólogo judiciário, frente a demandas pela adoção de crianças. Além disso, este trabalho apresenta achados empíricos da utilidade dos métodos projetivos de avaliação psicológica para a adequada compreensão das demandas e das necessidades de mulheres, sobretudo aquelas interessadas em adotar uma criança.

Faz-se relevante, nesse momento, apontar também os avanços ora obtidos em termos dos estudos psicométricos envolvendo o Questionário Desiderativo. Os positivos indicadores de fidedignidade, constatados por avaliação independente dos examinadores, reforçam a confiabilidade nas análises realizadas mediante esta proposição avaliativa de Nijamkin e Braude (2000), compilada e organizada por Guimarães, Pasian e Loureiro (2008).

Além disso, cabe destacar que a análise de conteúdo das respostas ao Desiderativo por examinadores experts possibilitou a inclusão, no protocolo de codificação deste instrumento, de cinco mecanismos de defesa, visando a padronizar e otimizar as classificações de respostas a esta técnica. Referido procedimento resultou em favoráveis indicadores de precisão também na avaliação destas defesas, algo que, em estudos anteriores, não havia sido possível, pela diversidade de experiências clínicas e repertório técnico para identificação de defesas de cada avaliador (Guimarães & Pasian, 2009).

Por último, há que reiterar os indicadores de validade encontrados para o Questionário Desiderativo na presente investigação, por meio da verificação empírica da associação significativa entre variáveis deste instrumento e do Método de Rorschach. Houve também associações estatisticamente significativas entre variáveis do Desiderativo e da Bateria Fatorial de Personalidade que reforçam a concepção de que estes instrumentos de avaliação examinam componentes específicos, porém relacionados, da personalidade. O conjunto destes achados vem contribuir para o alcance das condições mínimas exigidas pelo Conselho Federal de Psicologia para utilização de testes psicológicos no Brasil (SATEPSI), no que tange ao Questionário Desiderativo. A falta de estudos voltados ao exame das características psicométricas desse método projetivo de avaliação psicológica no contexto do Brasil instituiu esse objetivo secundário na presente investigação. Deste modo, no presente momento, coube apontar os avanços obtidos a partir de estudos anteriores realizados pela própria autora com este instrumento.

Cabe aqui ponderar também sobre as dificuldades para comparar os atuais resultados com outros estudos científicos na área. Há escassez de pesquisas voltadas especificamente para o exame de características de personalidade de mulheres envolvidas na adoção de

Considerações Finais | 171

crianças, sobretudo mediante a utilização de métodos padronizados de avaliação psicológica. Desse modo, o diálogo entre os achados da presente investigação com a literatura científica disponível foi limitado, tendendo a circunscrevê-los e interpretá-los a partir de suas respectivas premissas teórico-técnicas.

Quanto a limites encontrados neste trabalho faz-se necessário comentar, como primeiro aspecto, o número de participantes de cada grupo (n=20) e da amostra total (n=60). Embora quantitativamente limitada, a amostra foi criteriosamente selecionada, tendo em vista os objetivos do trabalho, de modo que correspondeu a estratégia possível para adequada execução desta pesquisa.

Outro elemento que pode ser apontado como limite do trabalho é seu delineamento transversal, que possibilitou apenas uma avaliação pontual destas mulheres. Sendo assim, não foi possível verificar, por exemplo, prováveis diferenças na avaliação psicológica das mulheres, ora pretendentes à adoção, após se tornarem mães adotivas. É possível conjecturar que a vivência concreta da maternidade adotiva possa suscitar modificações no funcionamento psicodinâmico destas mulheres, algo que somente seria possível avaliar em um estudo longitudinal, com avaliações repetidas em momentos diferentes de vida destas mesmas mulheres.

O fato das mulheres pretendentes à adoção já terem sido previamente aprovadas pelo Judiciário, estando em fila de espera para a chegada de seu filho adotivo, pode ter contribuído para a constatação de funcionamento psicodinâmico sem marcas específicas relacionadas à infertilidade. Ou seja, estas mulheres já estavam lidando com as questões da ausência de filhos e da impossibilidade de conceber uma criança há alguns anos, e no momento ao menos parte destas perdas já poderiam estar minimamente elaboradas, uma vez que seria apenas uma questão de tempo até se tornarem mães. Além disso, o fato de boas condições de saúde mental e suficiente elaboração da infertilidade serem um pré- requisito comum em avaliações psicológicas para a inserção no cadastro de pretendentes à adoção, exerceu provável influência sobre os resultados ora encontrados.

É possível conjecturar, assim, que os métodos avaliativos utilizados poderiam mais facilmente detectar sinais do sofrimento psíquico diante da impossibilidade de gerar filhos em momentos anteriores de sua vida, tais como durante as avaliações médicas ou tratamento para reprodução assistida, ou logo após a ocorrência de abortos espontâneos ou de infrutíferas tentativas de fertilização. Nestes momentos de sobrecarga de estressores no contexto geral de vida destas mulheres, eventuais (e teoricamente pressupostos) sinais de angústia e/ou sofrimento psíquico (detectáveis por métodos projetivos) poderiam emergir, possibilitando contraste em relação aos demais grupos avaliados.

Além disso, considerando-se a natureza quantitativa da presente avaliação, com foco na comparação de resultados médios de grupos nas variáveis de cada instrumento, fez com que as peculiaridades psicodinâmicas dos casos individuais fossem insuficientemente exploradas. É relevante ponderar que a realização de estudos de casos, delineados numa vertente avaliativa clínica, poderia examinar de modo minucioso características do funcionamento dinâmico da personalidade destas mulheres, revelando aspectos simbólicos e peculiaridades intrapsíquicas de maneira mais ilustrativa e aprofundada.

Diante destes argumentos, fica o estímulo a novas pesquisas científicas dentro desta temática, sobretudo com delineamentos longitudinais, bem como focalizando momentos distintos da vida destas mulheres que desejam ser mães e encontram obstáculos frente a este objetivo. Fica reforçada, ainda, a relevância de serem realizados estudos com enfoque clínico, que possibilitariam aprofundamento nas temáticas afetivas ligadas à infertilidade e à vivência da maternidade.

Por fim, é possível ponderar que a realização de investigações científicas envolvendo casos em que as adoções não foram bem-sucedidas poderiam fornecer relevantes informações para fundamentar o trabalho dos psicólogos judiciários. Entretanto, trata-se de temática que enseja questões éticas relevantes, dado a provável ansiedade que a retomada desses processos em uma investigação científica poderia disparar, gerando possível sofrimento psíquico nestas pessoas, sendo necessária uma avaliação entre riscos e benefícios inerentes a pesquisas com essa natureza retrospectiva.

Em suma, a partir dos objetivos propostos para o presente trabalho, é possível afirmar que os mesmos foram atingidos, mediante este percurso investigativo. Foi possível obter um panorama descritivo e comparativo das características de personalidade de mulheres inférteis, envolvidas em processos de adoção de crianças (em fila de espera ou com adoção efetivada), em relação a mães biológicas. Em complemento, o estudo evidenciou favoráveis indicadores de precisão e validade para o Questionário Desiderativo, sendo este um objetivo secundário da presente investigação.

Com isto, espera-se ter contribuído para o conhecimento científico que fundamenta ações de psicólogos judiciários no campo da adoção de crianças, bem como para o alcance de indicadores técnicos que possibilitem o uso futuro do Questionário Desiderativo por psicólogos brasileiros, de maneira cientificamente fundamentada. Referidas temáticas, pela complexidade de fatores envolvidos, merecem certamente a continuidade do investimento de pesquisadores na área, buscando garantir a adequada qualidade nos processos avaliativos em Psicologia.

Referências | 173