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Sobre motivações para a maternidade (biológica e adotiva)

I. INTRODUÇÃO

I.2. Adoção e Infertilidade: evidências da literatura científica

I.2.2. Evidências da literatura científica internacional

I.2.2.1. Sobre motivações para a maternidade (biológica e adotiva)

Analisando-se os 21 trabalhos indicados pelo presente levantamento da literatura científica internacional, observou-se que quatro deles buscaram compreender motivações para a maternidade, principalmente adotiva, mas também biológica.

Numa abordagem generalista voltada à compreensão do nível de conhecimento de mulheres adultas, profissionais da saúde, acerca de fertilidade feminina e também de suas práticas pessoais envolvendo métodos contraceptivos, Mortensen, Hegaard, Andersen e Bentzen (2012) examinaram o tema do planejamento familiar envolvendo mulheres da Dinamarca. Os autores referiram, assim como já observado em outros estudos da área, queda nas taxas de natalidade, acompanhada de aumento da postergação da parentalidade nas últimas décadas. Referido fenômeno aumenta os riscos de infertilidade, bem como a probabilidade das pessoas constituírem famílias menores que as inicialmente desejadas, razão para sua pesquisa sobre planejamento familiar. Para este trabalho 863 mulheres entre 20 e 40 anos, profissionais da saúde, responderam a um questionário que abordava informações sobre formação familiar, importância e impacto da maternidade, conhecimento sobre fertilidade, fatores sócio demográficos e histórico reprodutivo.

Os resultados apontaram que a maioria das entrevistadas pretendia ter dois ou três filhos, considerando a maternidade elemento importante em seu planejamento de vida, sendo que apenas a minoria afirmava não desejar ter filhos. Em relação à idade com a qual planejavam ter filhos, cerca de metade tinha intenção de ter seu último filho após os 35 anos, idade na qual há natural declínio da fertilidade feminina.

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Para estas mulheres, os requisitos relatados para formar uma família foram: estar num relacionamento estável, ter completado os estudos, favorável situação financeira, ter emprego e mantê-lo mesmo tendo filhos, acesso a creche pública, a possibilidade de viajar (Mortensen et al., 2012). Diante destes dados, os autores concluem que a maioria das entrevistadas, apesar de serem profissionais de saúde, subestimava o impacto da idade no declínio da fertilidade, ou superestimava as taxas de sucesso de técnicas de reprodução assistida, ao pensar sobre seu próprio planejamento familiar. Os autores apontaram ser necessário maior divulgação realista acerca dos riscos e possibilidades contraceptivas após os 35 anos, como forma de otimizar o planejamento familiar de mulheres na contemporaneidade.

O estudo de Klevan (2012), por sua vez, focalizou a questão racial dentro do rol de motivações envolvendo adoções de crianças. Referido trabalho informou que, no contexto da adoção de crianças nos Estados Unidos, a maioria das adoções inter-raciais envolve pais brancos adotando crianças não brancas. Seu estudo utilizou análise qualitativa para avançar no conhecimento teórico acerca de como os pais adotivos fazem escolhas raciais no momento da adoção. O objetivo primário deste trabalho era compreender como pais adotivos interpretavam retrospectivamente suas trajetórias envolvendo a construção de suas famílias, focalizando diferentes aspectos, dentre eles a infertilidade e a questão racial.

A metodologia utilizada neste trabalho envolveu o instrumento “Life Story Interview”, na qual a pessoa entrevistada é solicitada a pensar sobre sua vida como um livro ou romance, descrevendo os capítulos, cenas chave e pontos altos e baixos (Klevan, 2012). Os participantes foram 15 casais heterossexuais que adotaram uma criança após vivenciarem situação de infertilidade, sendo individualmente entrevistados. O autor concluiu que as trajetórias individuais dos participantes foram decisivas para sua decisão em adotar crianças, destacando a variável racial e dando pouca ênfase à infertilidade como foco de análise, ao menos neste trabalho em específico.

Apesar da infertilidade se encontrar presente na maioria dos casos de busca pela adoção, Bègue (2013) buscou conhecer o perfil e as expectativas inconscientes de pais adotivos sem problemas de fertilidade. Segundo os pesquisadores, na França, a adoção internacional corresponde a 80% das adoções realizadas no país, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Itália no que se refere ao acolhimento, mediante adoção, de crianças de outros países. Nesse contexto, apenas a minoria das adoções envolvem crianças nascidas na própria França.

Nesta realidade, Bègue (2013) procurou compreender motivações de casais que já têm filhos e que buscam a adoção. Participaram do estudo 52 casais que tinham tanto filhos

biológicos quanto adotivos, sem histórico de dificuldades para engravidar. Foram realizadas entrevistas individuais semidirigidas, o teste projetivo Desenho da Árvore, seguido do desenho da árvore genealógica de cada família. Seus achados apontaram que as mulheres foram as principais responsáveis pelo surgimento e pela alimentação do planejamento da adoção. Os casais estudados apresentavam características bastante peculiares, tais como: tinham mais filhos biológicos, mais anos de escolaridade e eram participantes ativos de associações de solidariedade, sindicatos ou religiosas.

A partir do método projetivo, os autores ressaltaram ter observado que, nestes casais, tanto homens como mulheres apresentaram sinais de afastamento em relação à realidade, indicadores sugestivos de feridas narcísicas, de desejo de se tranquilizar, de necessidade de apoio, sinais de dependência e insegurança (Bègue, 2013). Já com relação às entrevistas, emergiram elementos como forte valor altruísta, projeto de família numerosa, bem como o desejo de se doar a uma causa nobre.

Além disso, os casais estudados por Bègue (2013) tinham relevantes marcas de tristeza em suas histórias de vida, relacionadas a perdas ocorridas pelo casal ou mesmo durante a infância e adolescência de ambos. As expectativas inconscientes envolvendo a adoção pareceram relacionadas a: reparar a injustiça da perda vivida pelo casal e pela criança adotada, e ainda “pagar um débito” inconsciente pessoal ou transgeracional.

Dentro desta temática das expectativas em relação à maternidade, Wasinski (2015) analisou motivações para adotar no contexto de experiências de vida de casais sem filhos. O autor destacou que a fertilidade é vista, na sociedade ocidental contemporânea, como virtude naturalmente dada a todos os que alcançam a maturidade sexual. Assim, para a maioria, caberia à pessoa decidir se quer ou não procriar. No entanto, os participantes de seu estudo não tiveram esta possibilidade de escolha, situação que geraria desconforto emocional, bem como dificuldades sociais advindas do constrangimento de não corresponder à expectativa social de formarem uma família biologicamente concebida, gerando o que ele chama de tabu social da adoção. Neste contexto, muitas vezes, a adoção tenderia a ser vivenciada como confirmação social de seu fracasso em procriar, gerando profundo desconforto psicológico.

Seu estudo envolveu entrevistas do tipo narrativas biográficas, nas quais os futuros pais adotivos tinham a oportunidade de falar sobre pensamentos e sentimentos acerca de sua experiência diante da ausência de filhos e da busca pela adoção. Participaram da pesquisa casais inférteis que concluíram procedimentos para inscrição como pretendentes à adoção na Polônia. Os achados apontaram como motivo central para a adoção nestes casais sem filhos: dar amor a uma criança não nascida deles próprios, forte desejo de ter filhos, completar a

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família (vista como incompleta sem filhos), oferecer vida melhor para uma criança abandonada, garantir a continuidade e a transmissão dos modelos e valores familiares (Wasinski, 2015).

Nota-se, desse modo, que o tema dos motivos que levam à busca pela adoção perpassa diferentes trabalhos científicos contemporâneos, pautados por variadas estratégias técnicas. No entanto, os artigos foram unânimes em apontar a relevância do exercício da maternidade (biológica e adotiva), com determinantes psíquicos e sociais nem sempre conscientes.