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I. INTRODUÇÃO

I.2. Adoção e Infertilidade: evidências da literatura científica

I.2.2. Evidências da literatura científica internacional

I.2.2.3. Sobre dinâmica familiar na adoção

A partir do levantamento da literatura científica internacional ora realizado foi possível identificar quatro artigos voltados ao estudo da dinâmica familiar em casos de

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adoção. Alguns abordaram o relacionamento conjugal, enquanto outros examinaram relações entre pais e filhos adotivos.

A dinâmica familiar e emocional e seus possíveis efeitos no relacionamento entre pais e filhos adotivos foi objeto do artigo de Callegari, Fusacchia e Re (2012). O estudo focalizou o período da adolescência, argumentando sobre mudanças inerentes a esta etapa, onde as alterações no desenvolvimento físico, social e psicológico exigem elaboração de diversas emoções e alterações no humor. Referido cenário cria desafios específicos para pais adotivos, que lidam com crianças que foram removidas de sua família biológica e podem trazer consigo marcas afetivas destas rupturas.

O referido artigo apresenta casos clínicos nos quais os filhos adotivos revivem dolorosas memórias de ausência de amor e afeto, bem como lidam com questões novas referentes à sexualidade, trazidas à baila pelo advento da puberdade. Como resultado, Callegari, Fusacchia e Re (2012) relataram que os pais adotivos podem vivenciar níveis elevados ou até mesmo insustentáveis de ansiedade, adotando atitude defensiva em relação aos filhos, chegando a pensar em removê-los para instituição de acolhimento por não conseguirem lidar com a situação. O trabalho destaca que estas situações de devolução de filhos adotivos adolescentes mostram-se ligadas às próprias experiências pessoais dos pais, as quais não foram devidamente consideradas e manejadas durante o estágio de procedimentos avaliativos para adoção. Os autores levantam questões sobre características de personalidade do casal adotante, tais como perfis narcisistas, os quais estariam ligados a sua decisão por adotar e que também, por outro lado, estariam relacionadas a este insucesso na adoção.

Numa perspectiva psicanalítica, este trabalho evidenciou, por casos clínicos, a necessidade dos futuros pais adotivos elaborarem suficientemente suas próprias questões pessoais, sobretudo emoções e fantasias que permeiam a infertilidade. Com isso, os autores afirmam que diminuiriam as chances de emergência das próprias fantasias infantis ou edípicas (comprometedoras do vínculo entre pais-adolescentes) ao encararem a adolescência dos filhos (Callegari, Fusacchia & Re, 2012).

Nesta mesma linha investigativa, Bejenaru e Roth (2012) focalizaram a típica família adotiva no contexto da Romênia, com o objetivo de explorar suas demandas específicas durante diferentes estágios do processo de adoção, bem como os recursos sociais e psicológicos usados pelos pais adotivos durante o processo de adaptação. Este estudo tomou como base a chamada “teoria do desenvolvimento familiar”, que descreve as mudanças que ocorrem dentro de uma família ao longo dos estágios de seu ciclo de vida, bem como as

respostas familiares de adaptação e ajustamento, ou seja, recursos do meio familiar para lidar com situações desafiadoras e estressantes.

Os autores destacaram que a adoção teria como função trazer a família para o escopo da normalidade, uma vez que a infertilidade a havia retirado deste curso. Segundo este trabalho, o diagnóstico da infertilidade, seguido por tratamentos e tentativas falhas de conceber, bem como a decisão por adotar, o processo da adoção em si e as incertezas e ansiedades que permeiam esta trajetória, associados às atitudes de familiares e amigos diante destes desafios, são elementos que afetam a família nos primeiros estágios de sua formação, e merecem a atenção de pesquisadores. Em sua perspectiva teórica, a adoção em si criaria nos pais uma série de dúvidas e incertezas acerca do estabelecimento do vínculo emocional com o filho, e sobre o que seria um comportamento adequado deles próprios, enquanto pais adotivos. Outros fatores geradores de estresse nestas famílias seriam a revelação para a criança de sua origem adotiva, bem como a curiosidade dos filhos sobre sua família biológica. Diante disso, segundo os autores, a ausência de adequado preparo e de acompanhamento destes pais poderia contribuir para acentuação do estresse e para o fracasso da adoção em si.

Bejenaru e Roth (2012) estudaram nove mães adotivas, com filhos de idade entre cinco meses e cinco anos, realizando entrevistas narrativas, examinadas qualitativamente por meio da análise de conteúdo temática. Dentre os resultados apontados, os autores ressaltaram que o afeto manifesto pelos filhos em relação aos pais adotivos é um dos principais recursos favoráveis ao estreitamento destas relações. Por outro lado, observaram evitação, por parte dos pais adotivos, em falar abertamente com os filhos sobre a adoção em si e sobre sua família biológica, com o objetivo de diminuir o estresse familiar, situação que pode gerar problemas futuros.

Já no trabalho de South, Foli e Lim (2013) foram explorados possíveis preditores da satisfação com o relacionamento conjugal em mães adotivas. Os autores argumentaram que os efeitos da transição para a parentalidade (em pais biológicos) já foram foco de muitos estudos, entretanto com menor investimento em pesquisas voltadas para este tema com pais adotivos. Os pesquisadores argumentam que o declínio na satisfação conjugal com a chegada do primeiro filho biológico é reconhecido na literatura científica da área, mas não se sabe ao certo qual o impacto da chegada do filho adotivo sobre o relacionamento conjugal, embora alguns estudos apontem para aumento de depressão e insatisfação conjugal também entre pais adotivos. Trata-se, segundo os autores, de relevante tema de pesquisa, uma vez que a qualidade do relacionamento conjugal tende a impactar a saúde mental e bem-estar dos filhos (South, Foli & Limm 2013).

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Neste contexto, avaliaram 251 mães que haviam adotado uma criança nos últimos 24 meses, recorrendo aos dados da forma reduzida do instrumento Dyadic Adjustment Scale (DAS-7). Esta escala focalizou especificamente alguns fatores de vulnerabilidade (envolvendo variáveis demográficas e de saúde mental), processo da adoção (entusiasmo e apoio do cônjuge, percebidos pela mãe) e estressores (tipo de adoção, etnia da criança adotada, se a criança possuía necessidades especiais, se havia histórico de infertilidade, entre outros aspectos). Os resultados apontaram como significativos preditores de satisfação com o relacionamento: maior status socioeconômico e maior apoio e entusiasmo do parceiro com a parentalidade adotiva. Já a infertilidade e os fatores relacionados com o processo da adoção em si tiveram menor influência sobre a satisfação das mães com seu relacionamento conjugal após a chegada do filho adotivo.

Um dos trabalhos ora identificados, desenvolvido na Itália (Pace et al., 2014), buscou estudar casais que buscavam a adoção, focalizando o apego ao parceiro como variável relevante para o sucesso do processo da adoção. Participaram da pesquisa 39 casais sem filhos e pretendentes à adoção, além de 39 casais como grupo de comparação, todos com idade entre 35 e 45 anos, avaliados por meio do Adult Attachment Interview (AAI) e Current Relationship

Interview (CRI). Houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos no que se

refere a índices de apego seguro ao parceiro, sendo que os futuros pais adotivos apresentaram maiores valores nessa variável comparativamente aos que não pretendiam adotar. No geral, os casais adotantes mostraram valorizar mais o apego nos relacionamentos, quando comparados aos não adotantes, elemento que foi considerado importante para uma adoção bem-sucedida.

Em síntese esses quatro estudos identificados no atual levantamento da literatura científica apontaram efeitos da adoção na dinâmica familiar. As perspectivas dos estudos foram diversas, porém depreende-se consenso sobre a interação entre relações interpessoais na família e seu impacto nos processos de adoção, reafirmando a necessidade de consideração destas variáveis nesse campo de investigação científica.