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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV: (páginas 135-139)

Como observamos, a Ficção Científica é um gênero que ainda demanda muito estudo, pesquisa e observação, a fim de que se possa aperfeiçoar seu entendimento e caracterizá-lo de forma mais delimitada. É necessário que deixemos de pensá-lo como apenas um subgênero, mas sim como um gênero autônomo, que traduz, como nenhum outro, a sociedade contemporânea, expondo nossos pensamentos, temores, reflexões e projeções futuras. Nenhum outro gênero, aliás, tem refletido de forma tão concreta a respeito do futuro da humanidade como a Ficção Científica. Essa reflexão se dá tanto em um âmbito mais externo, quando pensamos na questão da preservação do planeta e das consequências da intervenção humana no mundo, quanto em um âmbito interno, quando a literatura trata das questões psicológicas e das aflições e das ansiedades que a convivência com a tecnologia e com a inteligência artificial pode causar.

Segundo Sigmund Freud, na obra O mal-estar na civilização,

[...] o ego é contrastado por um ‘objeto’, sob a forma de algo que existe exteriormente que só é forçado a surgir através de uma ação especial [...] para o reconhecimento de um ‘exterior’, de um mundo externo – é proporcionado pelas frequentes, múltiplas e inevitáveis sensações de sofrimento e desprazer [...] Surge, então, uma tendência a isolar do ego tudo que pode tornar-se fonte de tal desprazer, a lançá-lo para fora e a criar um puro ego em busca de prazer, que sofre o confronto de um ‘exterior ‘estranho e ameaçador. (2012, p. 34)

Assim, através das palavras do psicanalista, compreendemos a existência de uma angústia humana em sua relação com o mundo, com objetos que sejam externos ao próprio eu. Vimos, através dos contos e do filme abordados nesse trabalho, que o objeto externo ao homem em questão é o robô. Esse robô, no entanto, é também algo que faz parte do próprio homem, uma vez que foi criado por ele e é, também, seu reflexo quase perfeito. Ao mesmo tempo, o robô é algo interno, que causa dependência e admiração no homem, e algo externo, levando a um sentimento de desprazer, por ser algo estranho e ameaçador.

Verificou-se que fatores históricos, como as guerras e grandes processos de industrialização, foram fundamentais para o surgimento da Ficção Científica como

gênero literário e que o meio em que esses textos foram publicados, as revistas ‘pulp’, possibilitaram discussões entre leitores, editores e autores. Esse fato possibilitou que esse tipo de texto se propagasse de forma bastante rápida e se desenvolvesse de forma constante, tendo assim passado, no intervalo de poucas décadas, por etapas diversas chamadas de Golden Age, New Wave e Cyberpunk. A Ficção Científica muda por consequência das transformações que ocorrem no mundo e molda-se conforme novas tecnologias surgem.

Vimos que Isaac Asimov, representante da Golden Age, apresentava uma visão mais otimista a respeito de como seria um futuro cercado por máquinas. Os robôs trariam benefícios e substituíram o homem em trabalhos que fossem arriscados, cansativos ou enfadonhos. O autor tinha, também, um olhar de que os seres artificiais não seriam capazes de herdar as falhas mais “perigosas” da natureza humana, como a capacidade de ferir um ser humano ou de cometer um assassinato. Desse modo, há em sua obra uma visão de que a maior ameaça à humanidade é o próprio homem, com sua violência, intolerância (retratada no conto “Robbie” e “Reason”), capacidade de manipulação (bem retratada pelas atitudes políticas mostradas em “Evidence”) e busca apenas por seus interesses próprios (conforme se pode observar nos três contos).

À medida que a Ficção Científica foi se desenvolvendo, a visão sobre o mundo foi se tornando cada vez mais pessimista: máquinas e seres humanos confrontam-se na

busca pelo domínio da sociedade. No filme analisado, Artificial Intelligence, a

perspectiva de um mundo em decadência, ocasionada, nesse caso, pelo derretimento das calotas polares, está presente de forma bastante clara. Porém, assim como em Asimov, a máquina é colocada ao lado do homem para destacar as falhas da natureza humana e não para enaltecê-lo ou alertar sobre qualquer perigo que a tecnologia possa trazer. Pelo contrário, os únicos seres capazes de demonstrar amor e cuidado ao próximo no filme são os robôs – David, por sua mãe, Gigolo Joe e o urso Ted, por David. O longa metragem é todo regido por um sentimento que deveria ser humano, mas notamos que o homem se tornou muito egoísta para possuí-lo.

Tanto na literatura de Ficção Científica, quanto no cinema, vemos, então, uma tendência a se realizar uma crítica social, a uma reflexão sobre valores, sobre ética, sobre a forma como o homem age no mundo. Muitas vezes não somos capazes de realizar esse tipo de reflexão se nos deparamos, apenas, com textos objetivos e demasiadamente realistas. Apenas para que entendamos isso de outra forma, levemos em conta que para uma criança entender certas ameaças ou para que ela possa refletir

sobre determinadas questões, utilizamo-nos de imagens, símbolos e metáforas, tão recorrentes na literatura infantil. A criança é representada nas narrativas literárias por outros seres, como animais, bonecos animados ou personagens antropomorfizados. A Ficção Científica utiliza desse mesmo recurso, a antropomorfização de um outro ser, como a máquina, para sensibilizar o leitor ou o espectador.

Será que essa identificação homem-máquina ocorre apenas na ficção? Fica claro que isso tem ocorrido de modo cada vez mais frequente no mundo real, quando lemos notícias sobre alguns fatos, como o ocorrido no dia 9 de setembro de 2015: um homem de 60 anos, no Japão, agrediu um robô, apelidado de Pepper, que prestava atendimento a uma loja de telefonia móvel, a Softbank. O robô foi desenvolvido para identificar emoções humanas e, até mesmo, consolar pessoas quando estão tristes.

Figura 27: Pepper

Fonte: <http://www.camacarinoticias.com.br/noticias/3/4454,homem-ce-preso-apcos-agredir-robco-que-era-funcioncario-de-uma-loja-no-japcao.html>

Essa história acabou com o homem sendo preso por destruir propriedade alheia e com o robô tendo várias partes de seu sistema interno danificado. Assim, tanto na ficção quanto na vida real deparamo-nos com atitudes inexplicáveis em relação à tecnologia que nos cerca. O homem sabia que a máquina não era um ser humano, mas nem por isso deixou de esperar do robô um comportamento mais adequado em relação às suas expectativas. A semelhança entre esse fato e as agressões e ameaças enfrentados pelos robôs nas narrativas estudadas são muito relevantes, pois constatamos, mais uma vez, a capacidade que esses textos têm de revelar fatos sobre nosso futuro e sobre nossos sentimentos e nossa essência.

Na ficção, a tecnologia não elimina o humano. Entretanto hoje, a questão do humano está cada vez mais associada à produção tecnocientífica. As novas tecnologias de comunicação e de informação, ao esmaecerem as fronteiras entre homens e máquinas, possibilitam a criação de seres artificiais ou híbridos (ciborgues) e mundos possíveis, modificando o conceito de humano e sua capacidade de intervenção no mundo.

Talvez, o maior pesadelo do mundo atual seja que todo o potencial tecnológico permaneça sob o domínio dos países ricos e das megacorporações. É preciso, pois, estar atento para que as experiências possíveis decorrentes de novas tecnologias não se restrinjam às pesquisas acadêmicas e que as histórias de ficção científica possam

sempre desvelar os temores do homem moderno em relação ao desenvolvimento da

tecnociência e as consequências que tal desenvolvimento poderá trazer à condição humana.

Sugerimos, a partir das questões levantadas nesse trabalho, uma contínua observação quanto aos temas tratados pela Ficção Científica, propondo estudos de outros textos, de outras questões apresentadas por eles, valorizando um gênero que é considerado irrelevante, por muitos, ou menos importante, por outros, mas que tem se apresentado como um importante meio para questionarmos a sociedade. Da mesma forma, deixa-se também um espaço para que pensemos para onde a ciência tende a levar o homem. A tecnologia se humanizará e nós nos tornaremos menos humanos? A narrativa sobre a aventura da humanidade não está concluída. Quem escreverá os

No documento OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV: (páginas 135-139)

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