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OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV:

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

KAREN STEPHANIE MELO

OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV:

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O HOMEM E A MÁQUINA NA LITERATURA E NO CINEMA DE FICÇÃO

CIENTÍFICA

São Paulo 2016

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KAREN STEPHANIE MELO

OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV:

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE O HOMEM E A MÁQUINA NA LITERATURA E NO CINEMA DE FICÇÃO

CIENTÍFICA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Letras.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Luiza Guarnieri Atik

São Paulo 2016

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M528r Melo, Karen Stephanie.

Os robôs e Isaac Asimov : uma análise das relações entre o homem e a máquina na literatura e no cinema de ficção científica / Karen Stephanie Melo – São Paulo , 2016.

146 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.

Orientador: Profa. Dra. Maria Luiza G. Atik Referência bibliográfica: p. 138-141

1. Asimov, Isaac. 2. Robôs. 3. Literatura de ficção científica. 4.

Cinema de ficção científica. 5. Inteligência artificial I. Título.

CDD 371.3352

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AGRADECIMENTOS

À professora Maria Luiza Guarnieri Atik, minha orientadora, pelo apoio, atenção e incentivo durante todo o trabalho.

Ao meu marido, Jônatas Amorim Henriques, por todo amor, pela compreensão, pelo companheirismo e por nossa filha, Sarah.

Às professoras Renata Phillipov e Vera Lúcia Harabagi Hanna, membros da minha banca de qualificação, que auxiliaram na continuidade desse trabalho com suas excelentes sugestões.

A todos os professores do curso de Doutorado em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie que fizeram parte da minha formação, passando não apenas conhecimentos intelectuais, mas também conhecimento de vida.

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Anything you dream is fiction, and anything you accomplish is science, the whole history of mankind is nothing but science fiction. (Ray Bradbury)

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RESUMO

A Ficção Científica é popularmente conhecida por filmes que, quase sempre, apresentam espaçonaves, viagens interplanetárias, cenários futurísticos e homens convivendo com tecnologias extremamente avançadas. No entanto, antes mesmo do cinema, a Ficção Científica é um gênero literário que teve sua origem no início do século XX, nos Estados Unidos, em revistas conhecidas como pulp fiction. Com isso, o gênero foi se desenvolvendo conforme os fãs das revistas emitiam suas opiniões sobre as narrativas e, também, se aventuravam em escrever suas próprias histórias. Um dos leitores dessas revistas tornou-se um grande autor do gênero e, com seus contos, levou os leitores a imaginarem como seria o mundo se existissem robôs tão inteligentes quanto os seres humanos. Esse autor, chamado Isaac Asimov, acabou por influenciar diversos outros escritores, diretores de cinema e produtores de séries de TV que viriam a criar outras narrativas bastante populares, como Star Wars, Star Trek, Terminator, 2001: Space Odyssey, entre outros. Assim como nos contos de Asimov, essas narrativas sempre colocam o homem diante da figura de um robô que ora é amigo e auxiliador, ora volta-se contra o ser humano. Diante disso, este trabalho propõe um estudo de três contos de Isaac Asimov, publicados em revistas pulp ao longo da década de 1940 e reunidas em coletânea em 1950 com o título de I, Robot (Eu, Robô) e do filme Artificial Intelligence, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 2001. A análise do corpus tem como propósito entender de que modo se estabelecem as relações entre o homem e a máquina e seus sentidos na Ficção Científica, tanto na literatura do início do século XX, quanto no cinema contemporâneo.

Palavras-chave: 1. Isaac Asimov; 2. Robôs; 3. Literatura de Ficção Científica; 4.

Cinema de Ficção Científica; 5. Inteligência Artificial

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ABSTRACT

Science Fiction is popularly known for movies that usually present spaceships, interplanetary travels, futuristic scenarios, and men living with highly advanced technology. However, even before the movies, Science Fiction is a literary genre originated in the beginning of the 20th century, in the United States, in magazines known as pulp fiction. With that, the genre started to develop itself, as magazine fans would give their opinion about the stories and, also, tried to write their own stories. One of these readers has become a great author of the genre and with his short stories he enabled readers to imagine how the world would be if there were robots so smart as human beings. This author, named Isaac Asimov, ended up influencing several other writers, movie directors and TV series producers who would create other very popular stories, such as Star Wars, Star Trek, Terminator, 2001: Space Odyssey, and others. As in Asimov’s short stories, these narratives will always put men before robots, which are sometimes friendly and helpful, and other times are mean and threatening to humans. In light of this, this paper proposes a study of three of Isaac Asimov’s short stories, published in pulp magazines in the 1940s and published as a compilation in the 1950s under the title of I, Robot, and of the movie Artificial Intelligence, directed by Steven Spielberg in 2001. The analysis of the corpus aims to comprehend how the relation between men and machine is established in Science Fiction and what this relation means, both in the 20th century literature and in the contemporary cinema.

Keywords: 1. Isaac Asimov; 2. Robots; 3. Science Ficition literature; 4. Science Fiction cinema; 5. Artificial Intelligence

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Capa de edição norte-americana de Somnium... 26

Figura 2 Edição de The Man in the Moone, de Francis Godwin……… 27

Figura 3 Ilustração da narrativa de Edgar A. Poe, “The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall” (1835)... 29 Figura 4 Capa de Astouding Science-fiction, Dezembro de 1939... 36

Figura 5 Capa de Amazing Stories, março de 1939... 36

Figura 6 Ilustração do conto “In the Abyss”, de H.G. Wells... 37

Figura 7 Ilustração do conto “The Purchase of the North Pole”, de Júlio Verne... 37 Figura 8 Capa do livro de uma das edições do livro I, Robot... 46

Figura 9 Ilustração de Ralph McQuarrie para o conto “Robbie”... 70

Figura 10 Capa de Astounding Science-Fiction, Abril de 1941... 72

Figura 11 Cena do filme de George Méliès 1……….. 108

Figura 12 Cena do filme de George Méliès 2………... 108

Figura 13 Cena do filme de George Méliès 3………... 108

Figura 14 Alice e Humpty-Dumpty... 116

Figura 15 Tweedledee e Tweedledum... 118

Figura 16 David com os pais... 119

Figura 17 David e suas cópias... 120

Figura 18 O nascimento de Vênus... 124

Figura 19 Cybertronics... 124

Figura 20 Programação... 125

Figura 21 A família de David... 126

Figura 22 Gigolo Joe e a lua... 127

Figura 23 A Fada Azul... 129

Figura 24 David e a Fada Azul... 129

Figura 25 Deus Ex-Machina... 130

Figura 26 Robôs do Futuro... 131

Figura 27 Pepper... 136

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 A FICÇÃO CIENTÍFICA: A CONSTRUÇÃO DE UM GÊNERO LITERÁRIO

15

1.1 A FICÇÃO CIENTÍFICA E OUTROS GÊNEROS 15

1.1.2 A Ficção Científica e o Fantástico 18

1.2 PROBLEMÁTICAS DA FICÇÃO CIENTÍFICA 21

1.3 UMA LONGA HISTÓRIA DA FICÇÃO CIENTÍFICA 29

1.4 UMA HISTÓRIA GÓTICA DA FICÇÃO 32

1.5 UMA HISTÓRIA RECENTE DA FICÇÃO CIENTÍFICA 34

2 OS ROBÔS E OS SERES ARTIFICIAIS 36

2.1 ISAAC ASIMOV 42

2.1.2 I, Robot: origem, importância e influências 46 2.1.3 A tecnologia, o medo e as leis da robótica 50

2.2 OS CONTOS DE I, ROBOT 53

2.2.1 “Robbie” 55

2.2.1.1 Um estranho companheiro de brincadeiras 56

2.2.1.2 Robbie, a Cinderela contemporânea 66

2.2.1.3 Glória, Robbie e a autoimagem 69

2.2.2 “Reason” 71

2.2.2.1 O robô Cutie, a filosofia, a existência e a criação 72

2.2.3 “Evidence” 90

2.2.3.1 Como diferenciar homens e robôs 92

3 O CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA 107

3.1 ARTIFICIAL INTELLIGENCE 114

3.1.1 O diálogo com os contos de fadas 115

3.1.2 O filme e suas imagens 124

3.1.3 Artificial Intelligence e Isaac Asimov 131

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 134

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 138

(10)

ANEXO A: UMA CRONOLOGIA DE EVENTOS E OBRAS IMPORTANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA FICÇÃO CIENTÍFICA

142

ANEXO B: FICHA CATALOGRÁFICA DO FILME 146

(11)

INTRODUÇÃO

O início do desenvolvimento dessa tese deu-se, em primeiro lugar, por um simples gosto pessoal e por curiosidade em aprender mais sobre o mundo científico e tecnológico, principalmente tendo em vista a forma como ambos têm se feito cada dia mais presentes na vida do ser humano. Ao lermos jornais científicos e entrevistas com teóricos famosos nessa área, percebemos um grande interesse por se especular e discutir o que será de nosso futuro diante de todo esse desenvolvimento tecnológico: degradação ambiental, guerras químicas e biológicas, a criação de um buraco negro artificial, a singularidade (teoria que busca possibilitar a imortalidade humana, ao transferir sua consciência a um computador), a sujeição do homem à inteligência artificial etc. Sobre este último tópico, o renomado físico Stephen Hawkings concedeu uma entrevista à rede BBC, em 2 de dezembro de 2014, alegando que "The development of full artificial intelligence could spell the end of the human race." 1 Assim, vemos que os temores relacionados à presença da inteligência artificial entre os humanos tende a render muitos debates e causar muitas inquietações, tanto entre as pessoas comuns, quanto no meio científico.

Aparentemente, a ciência tem provocado dúvidas no homem com relação ao futuro já há muitas décadas; isso pode ser observado de forma mais concreta no cinema e, em um primeiro momento, na literatura. Se hoje muitos temem a crescente falta de privacidade causada pela mídia, pela internet e pelas redes sociais, além da diminuição do real contato interpessoal, no século passado, o homem já demonstrava receio de perder seu lugar para a máquina, como bem retrata o filme Modern Times (Tempos Modernos, 1936) de Charles Chaplin. O filme mostra um personagem que luta para sobreviver à Grande Depressão que, na visão de Chaplin, é decorrente das facilidades criadas pela industrialização moderna.

Seria nossa sociedade diferente daquela em que Charles Chaplin viveu? Em uma breve e aleatória busca através do Google, incluindo a questão “will people be substituted by machines?” ou “seremos substituídos pelas máquinas?”, deparamo-nos com centenas de textos publicados em jornais, sites e revistas reconhecidos, como New York Daily News, The Guardian, Business Insider, dentre outros, com os seguintes

1 O desenvolvimento de uma inteligência artificial completa poderia significar o fim da raça humana.

(tradução nossa). Fonte: <http://www.bbc.com/news/technology-30290540>

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questionamentos e temas: “10 jobs that are being replaced by machines”, “What happens to society when robots replace workers?”, “Can machines take your job?”,

“Rise of the robots: what will the future of work look like?”. Como se pode perceber, passaram-se quase cem anos, mas o mundo contemporâneo ainda enfrenta –cada dia mais – a preocupação com a relevância que o homem comum tem e terá em uma sociedade cada vez mais tecnológica.

Surgiu, então, um interesse por pesquisar e observar de que forma nossa sociedade era compreendida por pessoas que viveram há cinquenta ou cem anos. Ou seja, o que eles puderam descobrir sobre o futuro que se tornaria realidade e o que estava completamente fora da realidade? Notou-se que um dos melhores meios para verificarmos isso é através da literatura, pois as obras literárias apresentam registros do pensamento de uma época, traduzindo-os por meio de metáforas que se apresentam de forma narrativa.

O texto literário que trata de especulações científicas é chamado de texto de Ficção Científica. Apesar de existirem inúmeros estudos, artigos e análises escritas a respeito da Ficção Científica que possibilitam a realização de pesquisas sobre o gênero, a busca por entender mais sobre a Ficção Científica revelou-se bastante trabalhosa, uma vez que quase não existem pesquisas sobre esse assunto no Brasil e poucos teóricos têm se dedicado a essa literatura com mais relevância no país. Sendo assim, foi necessária a procura por livros de autores, acadêmicos e pesquisadores de outras nacionalidades para podermos encontrar informações sobre a história e as características da Ficção Científica. Constatou-se que os teóricos mais dedicados a essa área pertencem a Universidades Norte-americanas, o que se deve ao fato de os Estados Unidos serem um dos maiores produtores da literatura e do cinema do gênero.

Entre os escritores de Ficção Científica destacam-se Robert Heinlein, Arthur C.

Clarke e Isaac Asimov, cujas obras e particularidades serão tratadas nesse trabalho. Este último merece ainda mais ênfase pela quantidade de obras, tanto literárias quanto didáticas, críticas, científicas, dentre outros gêneros, publicadas ao longo de sua vida:

acredita-se que mais de 450, no total.

Ao realizar uma busca por textos que representam a Ficção Científica de forma bastante característica e que possuam qualidades literárias, como conotação profunda, diálogos intertextuais, etc., a presente pesquisa encontrou no conjunto da obra de Isaac Asimov uma ampla série dedicada aos robôs e à forma como nos relacionamos com eles. Alguns desses textos foram selecionados, compilados e organizados pelo próprio

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autor para publicação em forma de coletânea no ano de 1950, dando origem a um livro chamado I, Robot. Em virtude da importância e da característica inovadora de sua obra no âmbito da Ficção Científica e da literatura como um todo, conforme veremos de forma mais detalhada ao longo desse trabalho, selecionamos alguns dos contos apresentados nessa coletânea para análise.

Além disso, através desse estudo, perceberemos que Asimov influenciou toda a produção de livros e filmes de Ficção Científica que foram concebidos após suas publicações. Ele inspirou diretamente, por exemplo, seriados famosos, como Star Trek (Jornada nas estrelas, 1966) e Lost in Space (Perdidos no espaço – 1965/1968). Na mesma época, o escritor Arthur C. Clarke, amigo de Asimov, pretendia utilizar as três leis da robótica2 na nave Discovery, do filme 2001: a space odissey, de 1968; Stanley Kubric, porém, vetou a ideia e preferiu designar à máquina um cérebro maligno3. Outro artista influenciado por Asimov é George Lucas, que molda seus principais robôs C3PO e R2D2 de acordo com os preceitos da robótica descritos pelo autor.

As perguntas que surgiram ao longo da pesquisa a respeito da Ficção Científica e da leitura dos textos de Isaac Asimov, devido aos temas tratados pelo livro, e que deverão ser respondidas ao longo deste trabalho são: como a ficção científica reflete o contexto histórico em que ela é produzida? O que o cinema herdou da literatura de Ficção Científica? Quais as semelhanças e diferenças entre a literatura produzida nos primórdios do gênero e os filmes produzidos atualmente?

Em um primeiro momento, acredita-se que a Ficção Científica tenha surgido como reflexo do rápido desenvolvimento tecnológico causado pela Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, pelos períodos das Grandes Guerras, que, dentre outras inúmeras coisas, possibilitou a comunicação via rádio e o desenvolvimento dos computadores4. Com isso, as máquinas passaram a se fazer presentes na vida cotidiana das pessoas, causando, com frequência, dúvidas e temores quanto à sua segurança e aos seus benefícios e malefícios. A literatura, portanto, passou a tratar desses temas, ao tentar prever como o futuro se transformaria caso essas máquinas se desenvolvessem cada vez mais, chegassem a ser autônomas, substituíssem

2 Leis que regulamentam o funcionamento dos robôs; tais leis foram criadas por Isaac Asimov e fazem parte de todos os textos escritos por ele que tratam sobre o tema do ser artificial.

3 Na década de 1960, Kubrick e outros intelectuais ainda tinham medo das máquinas, dos robôs e dos computadores. (CALIFE, 2004)

4 Os computadores começaram a ser desenvolvidos ao longo da Segunda Guerra Mundial, mas só foram utilizados pela primeira vez na Guerra Fria, a partir de 1946.

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o homem ou tentassem controlá-lo. A Guerra Fria também resultou, principalmente nos Estados Unidos, no temor de se ter a terra natal invadida e controlada pelo estrangeiro – no caso, pela União Soviética. Esse fato, somado ao início da corrida espacial, seria retratado no cinema através de histórias de alienígenas que tentam dominar a terra e destruir ou escravizar a humanidade.

Por outro lado, temos visto, ainda nos dias atuais, em que já nos encontramos no

“futuro” retratado por essa literatura originada e produzida no século XX, um aumento progressivo de filmes que são classificados como Ficção Científica. Acredita-se que estes filmes ainda se baseiem nas características criadas pelos autores literários do século passado, levando às telas dos cinemas, através de imagem, som e efeitos especiais, aquilo que era apenas narrado detalhadamente em livros. Porém, já possuímos avanços tecnológicos no século XXI que diferem daqueles com que nossos antepassados se deparavam: vivemos em uma era digital, na qual uma realidade virtual pode ser criada, robôs quase humanos podem ser construídos e, acima de tudo, a comunicação via celular e internet possibilita que tenhamos acesso a todo tipo de informação, ao mesmo tempo em que somos controlados pelas grandes indústrias de tecnologia da informação. O cinema de Ficção Científica atual retrata essa nova realidade e tenta prever como nosso futuro, a partir disso, poderá ser transformado.

Para comprovar as hipóteses apontadas aqui, é necessário que se realize um estudo tanto da literatura de Ficção Científica do século XX, quanto do cinema atual do gênero. Para isso, o presente trabalho dividiu-se em três capítulos:

Em primeiro lugar, propomos o desenvolvimento de uma análise da coletânea de três dos nove contos de I, Robot (Eu, robô, 1950), fazendo um estudo dialógico da obra com seu contexto de produção. Em seguida, selecionamos uma produção cinematográfica, Artificial Intelligence (2001), dirigido por Steven Spielberg e adaptado a partir do conto “Supertoys last all Summer long” (1969), do escritor inglês Brian Aldiss.

No primeiro capítulo, tratamos dos pressupostos teóricos em que as análises serão baseadas, estabelecendo critérios para definirmos certos aspectos fundamentais da Ficção Científica como gênero, traçando um panorama histórico de sua formação e tratando de alguns dos autores mais representativos. Para isso, discutimos aspectos apontados por alguns dos mais importantes autores e estudiosos do gênero, como Robert Heinlein(1907-1988) e Hugo Gernsbeck, do século XX, e Darko Suvin (1988), Adam Roberts (2006), James Gunn (2005), dentre outros, que são contemporâneos.

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Cada um desses autores traz aspectos importantes para a análise, permitindo, principalmente, o levantamento de reflexões e suposições sobre a Ficção Científica.

Nenhum desses autores, contudo, foi capaz de encerrar as discussões a respeito do que seria, de fato, a Ficção Científica como um todo. Sobram diversas arestas a serem recortadas, fatores históricos a serem levados em consideração e, acima de tudo, um estudo que leve em conta o desenvolvimento do gênero, através da literatura, da televisão, do cinema, dos quadrinhos, etc. Por isso, partiremos das principais ideias citadas pelos teóricos em uma tentativa de definir como, para o presente estudo, esse gênero deve ser compreendido.

No segundo capítulo, foram selecionados para análise três contos do livro I, Robot: “Robbie”, “Reason” e “Evidence”, que mostram, progressivamente, a evolução dos robôs, desde uma máquina que não é capaz de falar, no primeiro conto, até ela adquirir a capacidade de pensar, no segundo conto, e passar a ser praticamente indistinguível dos seres humanos, no terceiro conto. Nos demais contos do livro o autor narra sobre como outras características dos robôs (como a aquisição da capacidade de mentir e enganar e o desenvolvimento da autonomia) tornaram-se possíveis, mesmo dentro da limitada configuração das máquinas – ou talvez em função delas – desenvolvidas pelo homem. Assim, observaremos, também, de que modo, após a incorporação dessas características, se dá a “humanização” desses seres artificiais.

No terceiro capítulo, examinaremos o filme Artificial Intelligence, com o propósito de verificar de que forma a mídia cinematográfica contemporânea reinterpreta a Ficção Científica, buscando meios de adaptá-la a um novo público. Além disso, serão analisados aspectos do filme que, assim como nos contos de Isaac Asimov, levam em conta as semelhanças do robô com o homem, seu criador. Ou seja, como algo que criamos, na verdade, reflete aquilo que somos? Além disso, como nos comportaríamos diante de um ser tão parecido conosco, mas que não possui nossas fraquezas e debilidades? Em suma, por que a tecnologia nos faz sentir tão ameaçados, se somos nós mesmos que a criamos?

O quarto capítulo trará uma conclusão dos estudos propostos, verificando o que pôde ser respondido através da análise dos contos e do filme e deixando espaço para que novas pesquisas surjam no âmbito da Ficção Científica, um importante gênero contemporâneo, devido ao fato de que a sociedade atual está imersa, cada vez mais, em uma realidade tecnológica.

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1. FICÇÃO CIENTÍFICA: A CONSTRUÇÃO DE UM GÊNERO LITERÁRIO

1.1 A FICÇÃO CIENTÍFICA E OUTROS GÊNEROS

Antes de pensarmos sobre o que é a Ficção Científica (Science Fiction, em inglês), sugerimos uma reflexão, a qual foi proposta anteriormente por um dos mais conhecidos autores do gênero, Robert Heinlein, sobre o termo ficção. Para o dicionário Michaellis de língua portuguesa, uma obra de ficção é “aquela cujo enredo é criado pela imaginação do autor.” Do mesmo modo, o dicionário Caldas Aulete diz que a ficção é um “ramo de criação artística, literária, cinematográfica, teatral, etc. baseada em elementos imaginários.” Já no Oxford Dictionaries Online, encontramos a seguinte definição: “literature in the form of prose, especially novels, that describes imaginary events and people.” Como bem ressalta Heinlein, o que há em comum entre todas essas definições, e muitas outras apontadas pelo autor, é a palavra “imaginação”:

Fiction is storytelling about imaginary things and people. These imaginary tales are usually intended to entertain and sometimes do, they are sometimes intended to instruct and occasionally manage even that, but the only element common to all fiction is that all of it deals with imaginary elements […]. But if all fiction is imaginary, how is realistic fiction distinguished from fantasy?5

Complementando o último questionamento do autor, sobre como podemos distinguir a “ficção realista” da “fantasia”, podemos pensar também em como podemos distinguir a fantasia da Ficção Científica. Que tipo de características se fazem ausentes ou presentes em um texto para podermos enquadrá-lo dentro de um determinado gênero? Para Heinlein, chamamos de fantasy um texto cujos elementos e/ou acontecimentos “are not limited by the physical universe as we conceive it to be”6, ou

5 A ficção é uma narrativa sobre coisas e pessoas imaginárias. Esses contos imaginários são, frequentemente, feitos para o entretenimento e, as vezes, eles conseguem fazer isso, eles são, por vezes, feitos para instruir e, ocasionalmente, são capazes disso, mas o único elemento comum a toda ficção é que ela lida com elementos imaginários [...]. Mas se toda ficção é imaginária, como distinguir a ficção realista da fantasia? (Tradução nossa). Fonte: HEINLEIN, Robert. Science Fiction: its natures, faults and virtues.

Disponível em: http://www.loa.org/sciencefiction/biographies/heinlein_science.jsp

6 “não se limitam pelo universo físico como o concebemos” (Tradução nossa).

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seja “imaginary-and-not-possible”7. Por outro lado, a ficção realista contém elementos e/ou acontecimentos que são “imaginary-but-possible”8, isto é, “imaginary but could be real so far as we know the real universe”9. A Ficção Científica está mais próxima da ficção realista. Embora pareça paradoxal, a ficção científica procura retratar, de forma realista, tempos e espaços futuros que hoje diferem dos nossos, mas que poderão se

“presentificar”, pois antecipam, não raro, possíveis construções sociais, possíveis

“realidades” científicas e novas possibilidades tecnológicas. A Ficção Científica é uma grande especulação sobre o que poderá ocorrer frente a novas mudanças científicas ou tecnológicas.

Talvez se pudesse afirmar que a fantasia é algo que não pode ocorrer, mas que gostaríamos que acontecesse; enquanto a ficção científica é algo que pode ocorrer, num futuro próximo ou longínquo.

Desse modo, a Ficção Científica deve estar “pautada” na realidade e em suas possibilidades: não podemos dizer que um texto que narre sobre uma civilização de alienígenas vivendo na lua pertença ao gênero, pois, segundo nossos conhecimentos científicos em astronomia, isso não faz parte da realidade. Assim, qualquer autor que se aventure a escrever necessita ter tanto a habilidade literária quanto um conhecimento científico aprofundado no assunto. Não é por acaso que muitos dos mais famosos escritores do gênero são também engenheiros, bioquímicos, etc., conforme destacamos pela citação seguinte:

H. G. Wells had a degree in biology and kept up with Science all his life [...] Dr. E. E. Smith is a chemist, a chemical engineer, and a metallurgist […] Philip Wylie has a degree in physics, as has Don A.

Stuart […] John Taine is the pen name of one of the ten greatest living mathematicians. L. Sprague de Camp holds three technical degrees.

Lee Correy is a senior rocket engineer. […] Is it surprising that such men, writing fiction about what they know best, manage to be right rather often?10

7 “imaginário-e-não-possível” (Tradução nossa).

8 “imaginário-mas-possível” (Tradução nossa).

9 “imaginário mas poderia ser real de acordo com as leis do universo” (Tradução nossa).

10 H. G. Wells tinha formação em biologia e acompanhou os estudos científicos durante toda sua vida. Dr.

E. E. Smith é um químico, um engenheiro químico, e um metalúrgico [...] Philip Wylie tem formação em física, assim como Don A. Stuart [...] John Taine é o pseudônimo de um dos dez maiores matemáticos vivos. L. Sprague de Camp possui três diplomas técnicos. Lee Correy é um engenheiro de foguetes experiente. [...] É alguma surpresa que tais homens, ao escrever ficção sobre o que eles mais conhecem, consigam estar frequentemente corretos? (Tradução nossa). Fonte: HEINLEIN, Robert. Science Fiction:

its natures, faults and virtues. Disponível em:

http://www.loa.org/sciencefiction/biographies/heinlein_science.jsp

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Quando se diz, portanto, que a Ficção Científica, por vezes chamada de Ficção Especulativa11, é capaz de surpreendentemente predizer o futuro, antecipando invenções que surgiriam em anos posteriores à escrita de uma obra, comete-se o erro de se pensar que um autor do gênero desconhece a ciência de que ele trata.

Assim, podemos dizer, em um primeiro momento, que um texto deve ser chamado de Ficção Científica quando seu autor for capaz de unir imaginação e ciência.

A ciência, aliás, será um fator limitante para o desenvolvimento da narrativa, não podendo a história exceder os limites daquilo que admitimos ser cabível a ela.

No editorial da revista Amazing Stories, lançado em junho de 1926, Hugo Gernsback trata justamente das observações dos leitores quanto às possibilidades e impossibilidades científicas presentes nas histórias publicadas até então:

Often while Reading one or four modern scientificition tales, we want to explode at some highly ‘impossible’ plot concocted by some ingenious writer. And often we receive a letter from some reader who vents his opinion in no uncertain terms that such and such a thing

‘cannot be within the realms of possibility’. (p. 387)12

Com isso, percebemos que o compromisso do gênero com a ciência tornou-se uma demanda desde o início da constituição da Ficção Científica. O autor G. Peyton Wertenbaker13, em carta ao editor Hugo Gernsback na edição de julho de 1926 da revista Amazing Stories, expõe sua preocupação de que a Ficção Científica pudesse se tornar mais um artigo científico, resultante de pesquisas na área, do que puramente uma narrativa literária:

11 A terminologia Speculative Fiction (Ficção Especulativa) foi utilizada pela primeira vez em 1899, pelo crítico M. F. Egan, ao se referir à obra do autor Edward Bellamy, intitulada Looking Backward. Mais tarde, em 1947, Robert Heinlein definiu o termo como parte da ficção científica que extrapola os limites da ciência e da tecnologia conhecida até o momento da escrita de determinada narrativa. Em 1966, a autora de Ficção Científica Judith Merrill usou o termo para se referir a toda obra do gênero que mostra uma transformação social, sem dar muita ênfase à ciência e à tecnologia. Atualmente, o termo tem sido utilizado sem muitos critérios e não há definições formais para que se possa dizer que este é um gênero distinto da Ficção Científica, nem mesmo um subgênero. (THE ENCYCLOPEDIA OF SCIENCE FICTION ONLINE, Disponível em: http://www.sf-encyclopedia.com/entry/speculative_fiction)

12 Frequentemente, ao lermos um dentre quatro contos de Ficção Científica ficamos indignados diante de enredos “altamente” improváveis, criados por algum autor engenhoso. E com frequência recebemos uma carta de algum leitor querendo desabafar sua opinião de forma clara de que isso ou aquilo ‘não pode existir dentro do campo de possibilidades’. (Tradução nossa).

13 Autor e editor norte-americano de Ficção Científica, iniciou a carreira aos 15 anos de idade, com o conto “The man from the Atom”, em 1923.

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‘The danger that may lie before AMAZING STORIES is that of becoming too scientific and not sufficiently literary. […] It is hard to make an actual measure, of course, for the determination of the correct amount of science, but the aesthetic instinct can judge. I can only point out as a model the works of Mr. H. G.

Wells, who has instinctively recognized, in his stories, the correct proportions of fiction, fact, and science. This has been possible only because Mr. Wells is a literary artist above everything, rather than predominantly a scientist. […] Since he is an artist, he has given us the first truly beautiful work in this new field of literature’. (p. 291)14

Em resposta a Wertenbaker, Gernsback define que o texto ideal deveria conter setenta e cinco por cento de conteúdo literário e vinte e cinco por cento de conteúdo científico. Desse modo, tendo em vista a visão dos teóricos e autores citados, não é possível, então, assumirmos que a Ficção Científica seja um subgênero do Fantástico ou de qualquer outro gênero. É claro que não podemos pensar que a Ficção Científica seja um gênero “puro”, ou seja, que ele não tenha traços de romance, aventura, terror, mistérios, entre outros, assim como qualquer outro gênero literário. Porém, não há como confundir narrativas pertencentes a esse gênero com qualquer outro.

1.1.2 A Ficção Científica e o Fantástico

Apenas para tratarmos de forma mais precisa os questionamentos existentes entre as diferenças entre a Ficção Científica e o Fantástico, tratemos de algumas considerações feitas por teóricos, professores e críticos literários.

A autora norte-americana Miriam Allen de Ford (1888-1975), especialista em contos de mistério e ficção científica, definiu em poucas palavras a diferença entre a ficção científica e a literatura fantástica: “science fiction deals with improbable possibilities, fantasy, with plausible impossibilities” 15 (apud ALDISS; WINGROVE,

14 ‘O perigo que pode se estabelecer diante de AMAZING STORIES é de ela se tornar demasiadamente científica e não literária o bastante. [...] É difícil fazer uma medida ideal, é claro, para determinar a quantidade correta de ciência, mas o instinto estético pode servir de juízo. Eu posso apenas apontar como modelo os trabalhos do Sr. H. G. Wells, que reconheceu instintivamente, em suas histórias, as proporções corretas de ficção, fato, e ciência. Isso foi possível apenas porque o Sr. Wells é um artista literário acima de tudo, em vez de um cientista predominantemente. [...] Sendo artista, ele nos deu o primeiro verdadeiro e belo trabalho nesse novo campo literário’ (tradução nossa).

15 A ficção científica lida com possibilidades improváveis, a fantasia, com impossibilidades plausíveis.

(tradução nossa).

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2005, p. 164). Para Eric S. Rabkin, professor emérito em Língua e Literatura Inglesa na Universidade de Michigan, a ficção científica seria “the branch of the fantastic that makes its narrative world plausible against a background of science” 16 17. Quando observamos as definições dos especialistas, notamos que há uma aproximação entre o que consideramos literatura fantástica e o que chamamos de ficção científica e, muitas vezes, estes gêneros parecem andar juntos.

Conforme dissemos anteriormente, alguns teóricos literários da Ficção Científica discutem e analisam essas vertentes literárias e, até mesmo, afirmam que a ficção científica se trata de um subgênero do fantástico:

There followed decades of spirited debates on the formal characteristics of the genre, drawing the participation of both

‘mainstream’ theorists like Robert Scholes and Eric Rabkin and of practicing writers such as Joanna Russ and Damien Broderick. For the most part, these more formalist definitions fell into two broad camps:

those which focused in the interactions between text and reader that were peculiar to science fiction (such as Delany’s or Suvin’s or Carl Malmgren’s narratological approach in his 1991 Worlds Apart:

Narratology of Science Fiction) […] and those which focused on the differences between science fiction and other kinds of texts (such as Rabkin’s locating science fiction along a spectrum of works ranging from less to more fantastic, in the Fantastic in Literature, 1976 […] or Brian Attebery […] with groups of fantastic works defined more by their centres than by rigid perimeters in his Strategies of Fantasy, 1992 […])18 (SAWYER; WRIGHT, 2011, p. 44-45)

Ao pensarmos na história da literatura e traçarmos uma linha do tempo, desde os mitos gregos e das lendas antigas, até os textos escritos na Era da Razão, no século XVIII e chegarmos ao século XIX, com o movimento romântico, a literatura gótica e os contos de horror, atesta-se que a literatura fantástica e a ficção científica possuem as

16 Ramo do fantástico que faz seu mundo narrado plausível, pautado em um plano de fundo científico.

17 Fonte: Eric Rabkin – Defining Science Fiction < http://www-

personal.umich.edu/~esrabkin/ssf/definitionsrabkinB.html> Acesso em 20 de março de 2014.

18 Seguiram-se décadas de debates acesos sobre as características formais do gênero, atraindo a participação tanto de teóricos renomados, como Robert Scholes e Eric Rabkin, e de autores, como Joanna Russ e Damien Broderick. Para a maioria deles, estas definições mais formalistas se dividem em dois grandes grupos: aqueles que focam nas interações entre texto e leitor, que eram peculiares na ficção científica (tal como os textos de Delany, [Darko] Suvin ou Carl Malmgren, em sua abordagem narratológica na obra Worlds Apart: Narratology of Science Fiction, de 1991) e aqueles que focam nas diferenças entre ficção científica e outros textos (tal como na obra Fantastic in Literature, de 1976, em que Rabkin localiza a ficção científica ao longo de um espectro de obras mais ou menos fantásticas ou Brian Attebery [...] com seus grupos de obras fantásticas definidas mais pelos temas centrais do que pelas características periféricas, em Strategys of Fantasy, 1992.) (tradução nossa)

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mesmas origens, pois se baseiam em superstições culturais, influenciadas pelo folclore, pelas crenças em deuses e no sobrenatural.

Como exemplo, podemos citar a influência que estes gêneros literários receberam a partir do folclore judaico. Essa cultura possuía uma narrativa de tradição oral que contava a lenda de uma criatura chamada Golem. Este ser, criado a partir do barro e incapaz de falar, era feito para servir de escravo aos homens. Em algumas variações da história era necessário escrever a palavra Emet (verdade, em língua hebraica) para que o Golem ganhasse vida; do mesmo modo, ao apagar a letra “e”, lia- se a palavra Met (morto, em hebraico), que foi a forma encontrada para destruir a criatura. Acredita-se que essa lenda tenha sido um dos principais textos precursores de Frankenstein, de Mary Shelley, lançado no século XIX. Além disso, Frankenstein também possui influência explícita do mito de Prometeu – expresso no subtítulo da obra (Frankenstein ou o Prometeu moderno)

No século XVIII, Daniel Defoe escreveu histórias de viagens e aventuras, inspirado pelas grandes navegações do século XVI, e estabeleceu um intertexto com dois novos subgêneros, a fantasy adventure (Alice’s Adventures in Wonderland and Through the Looking Glass, de Lewis Carroll, 1865) e a science adventure (representada por diversas obras de Júlio Verne).

A Ficção Científica só ganhou contornos mais nítidos, todavia, no século XX, quando se cunhou o termo scientifiction e, no editorial de uma revista popular, chamada Amazing Stories, começou-se a pensar a respeito do que seria essa vertente literária.

Alguns dos editoriais dessa revista foram já citados nesse trabalho e pudemos observar como delineiam as características do gênero.

A origem da criação de textos caracterizados como Ficção Científica tem causado vários debates e discordâncias entre os críticos e estudiosos da área. Afirma-se que a produção de textos que seguem um viés científico estaria diretamente ligada ao contexto histórico de uma sociedade submetida a transformações tecnológicas constantes, como aquela do século XIX, em meio à Revolução Industrial. Os primeiros autores famosos do gênero seriam, portanto, o francês Júlio Verne e o inglês H. G.

Wells. No entanto, outros encontram temas típicos do texto de ficção científica – como a busca de novos mundos, viagens à lua e a criação de seres mecânicos - em narrativas de antigas civilizações. Pode-se citar como exemplo a narrativa grega do ano 170 d. C., escrita por Lucian de Samosata, na Síria e cujo título foi traduzido para o inglês como True History ou True Story (Alêthês Historia). A intenção do autor era realizar uma

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sátira de textos míticos, que consideravam seus relatos fantásticos como algo verdadeiro; True Story conta a história do herói Lucian que é levado por um forte vento até uma ilha misteriosa e, em seguida, é transportado por um redemoinho até a Lua.

Não podemos nos esquecer, também, do mito de Hefésto, divindade do fogo, dos metais e da metalurgia, que constrói para si um palácio de metal munido de servos mecânicos. O teórico de ficção científica Adam Roberts diz, ainda, que muitos estudiosos consideram a epopeia de Gilgamesh (escrita por volta de 2000 a. C.) como um texto de ficção científica. Diante disso, Roberts julga haver diferentes entendimentos da natureza da Ficção Cientifica:

Stress the relative youth of the mode and you are arguing that SF is a specific artistic response to a very particular set of historical and cultural phenomena; more specifically, you are suggesting that SF could only have arisen in a culture experiencing the Industrial Revolution, or one undergoing the metaphysical anxieties of what nineteenth-century philosopher Friedrich Nietzsche called ‘the Death of God’. Stress the antiquity of SF, on the other hand, and you are arguing instead that SF is a common factor across a wide range of different histories and cultures, that it speaks to something more durable, perhaps something fundamental in the human make-up, some human desire to imagine worlds other than the one we actually inhabit. (ROBERTS, 2006, p. 35-36)19

1.2 PROBLEMÁTICAS DA FICÇÃO CIENTÍFICA

Apesar de todas as considerações apresentadas até aqui, as definições da ficção científica como gênero ainda são discutidas, analisadas e reformuladas por teóricos contemporâneos, como Darko Suvin, James Gunn, Eric Rabkin e Paul Kincaid – destacamos que as teorias escritas pelos três primeiros servirão de base teórica para nossa pesquisa no presente trabalho.

19Se dermos ênfase à relativa juventude do estilo, estaremos argumentando que a FC é uma resposta artística específica para um conjunto muito particular de fenômenos históricos e culturais; mais especificamente, sugeriremos que a FC só poderia ter surgido em uma cultura sujeita à Revolução Industrial, ou em outra submetida às ansiedades metafísicas, chamadas pelo filósofo Friedrich Nietzsche, no século XIX, de “A morte de Deus”. Por outro lado, se dermos ênfase à antiguidade da FC, estaremos argumentando que ela é um fator comum em meio a uma alta gama de diferentes histórias e culturas, que ela se refere a algo mais duradouro, talvez um fator fundamental para a composição humana, um desejo humano de imaginar mundos diferentes daquele em que realmente habitamos.” (tradução nossa)

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James Gunn, por exemplo, no artigo intitulado “Toward a Definition of Science Fiction”, relata que em suas aulas para universitários tenta, junto aos seus alunos, encontrar definições mais apropriadas para esse tipo de texto: “by means of historical development, thematic analysis, comparison and contrast, and examples” 20 (GUNN, 2005, p. 6) O que o teórico considera mais problemático, no entanto, é que a ficção científica não é um gênero como os demais, conforme ele explica:

Unlinke the mistery, the western, the gothic, the love story, or the adventure story, to cite a few of the popular genres, science fiction has no typical action or place. Readers do not recognize it as they recognize other genres, because of some critical event (such as crime and its detection) or its setting (the mythical West during the period 1865-1900). As a consequence, science fiction can incorporate other genres: we can have a science-fiction mystery, a science-fiction western, a science-fiction gothic, a science-fiction love story, or most likely of all, a science-fiction adventure story.

The first step toward definition, then, must be the elimination of those aspects of the fiction that are not unique to science fiction - the aspects of the mystery, the western, the gothic, the love story, and the adventure story […] before we can begin to recognize what is left as being irreducibly science fiction […] 21 (2005, p. 6-7)

Assim como sua caracterização, a origem da literatura de Ficção Científica é, também, bastante controversa, os críticos e teóricos literários não conseguiram chegar, ainda, em um consenso para determinar com segurança quando e onde a Ficção Científica se iniciou. Apesar de muitos alegarem a existência de textos pertencentes a este gênero desde o século XVII, o termo science-fiction foi cunhado apenas na década de 1920, pelo editor norte-americano Hugo Gernsback em uma revista pulp. Os maiores autores do gênero surgiram a partir dessas publicações e ajudaram a moldar, a disseminar e a popularizar a Ficção Científica, fazendo com que esses textos pudessem ser publicados em livros, adaptados para séries de TV e para o cinema.

20 Por meio do desenvolvimento histórico, análise temática, comparação e contraste, e exemplos.

(tradução nossa)

21 Diferentemente das narrativas de mistério, de faroeste, góticas, de histórias de amor ou de aventura, para citar alguns dos gêneros populares, a ficção-científica não possui nenhuma ação ou espaço característicos. Os leitores não são capazes de distingui-la, como fazem com os outros gêneros, porque alguns dos eventos cruciais (como o crime e sua investigação) e sua ambientação (o oeste mítico do período entre 1865-1900). Como consequência, a ficção científica pode incorporar outros gêneros:

podemos ter uma ficção-científica de mistério, um faroeste de ficção científica, uma narrativa gótica de ficção-científica, uma história de amor de ficção científica, ou, o mais provável, uma aventura de ficção- científica. o primeiro passo para a definição, portanto, deve ser a eliminação desses aspectos da ficção que não são particulares à ficção-científica – os aspectos do mistério, do faroeste, do gótico, da história de amor e da história de aventura. [...] antes de começarmos a reconhecer o que restou como sendo, irredutivelmente, ficção-científica.

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O ápice da produção literária de Ficção Científica ocorreu entre as décadas de 1940 e 1960; o período ficou conhecido como a Era de Ouro e foi representada por autores importantes, como Isaac Asimov, A. E. Van Vogt, E. E. “Doc” Smith, Walter Miller e Arthur C. Clarke. Com o fim da Era de Ouro, após a década de 1960, a Ficção Científica passou a se expandir e se tornar gradativamente um gênero da mídia visual, ou seja, surgiu o interesse em se realizarem grandes produções cinematográficas, repletas de efeitos especiais, que tentavam criar, através de uma tecnologia gráfica, mundos que, nas décadas anteriores, estavam restritos ao imaginário dos leitores.

Adam Roberts alega que a transposição intermidiática, da literatura de Ficção Científica para o cinema, tem proporcionado uma maior popularidade a estes textos, fazendo com que eles se “aprofundem culturalmente” na sociedade de forma mais eficaz.

Com o fim da Era de Ouro, a Ficção Científica viveu, de 1960 a 1980, a chamada New Wave, durante a qual um grupo de escritores decidiu se colocar contra as convenções impostas pelo gênero até aquele momento; para eles, os “clichês”

determinados pelo formato da era anterior haviam se tornado maçantes, conforme explica James Graham Ballard22, na revista inglesa New Worlds23:

Science fiction should turn its back on space, on interstellar travel, extra-terrestrial life forms, galatic wars and the overlap of these ideas that spreads across the margins of nine-tenths of magazine s-f. […] I think science fiction must jettison its present narrative forms and plots.24 (BALLARD, apud ROBERTS, 2005, p. 231.)

A literatura da era New Wave mostrava um mundo apocalíptico ou pós- apocalíptico resultante de um desenvolvimento tecnológico e científico mal administrados pelo homem. Um dos autores mais reconhecidos desse período é Philip K. Dick, responsável pela obra Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968), cuja narrativa relata um mundo destruído pela guerra nuclear, quase inabitado, onde se passa a história de Rick Deckard, responsável por perseguir androides, banidos da Terra, que

22 James Graham Ballard foi um autor inglês de literatura de Ficção Científica da era New Wave.

23 Revista inglesa de Ficção Científica. Surgiu em 1936 e no final da década de 1960 começou a focar suas publicações em textos produzidos por autores New Wave.

24 A ficção científica deveria virar as costas para o espaço sideral, às viagens interestelares, às formas de vida extraterrestres, às guerras intergalácticas e à sobreposição dessas ideias que se espalham através das margens de nove em cada dez revistas de ficção científica. Eu acredito que a ficção científica deve descartar os atuais modelos e enredos narrativos. (tradução nossa)

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tentam retornar ao planeta. A obra tornou-se popular quando o diretor Ridley Scott a levou para o cinema em 1982, dando-lhe o título de Blade Runner.

A década de 1980 inaugurou um período denominado Cyberpunk, era da Ficção Científica que permanece até os dias atuais. A Enciclopédia de Ficção Científica25, explica que o movimento Cyberpunk tem como ideia central o conceito de Realidade Virtual e cita como exemplo a obra Neuromancer (1984), de William Gibson. A narrativa trata de uma realidade alternativa em que as máquinas dominam um ambiente que pode ser adentrado pelos homens através de um cyber espaço. Na década de 1990, o texto de Gibson inspira a criação da trilogia cinematográfica Matrix. O termo Cyberpunk nasce da mistura da palavra cibernética (cybernetics) com a palavra punk. A cibernética surgiu em 1948, com o matemático Norbert Wiener; a teoria de Wiener aproxima a comunicação e o controle de seres vivos e grupos sociais às máquinas eletrônicas. Em sua obra Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos (1968), o teórico afirma que, com relação à transmissão de informações, não há diferença entre o homem e a máquina.

The "cyber" part of the word relates to Cybernetics: to a future where industrial and political blocs may be global […] a future in which machine augmentations of the human body are commonplace, as are mind and body changes brought about by Drugs and biological engineering. Central to cyberpunk fictions is the concept of Virtual Reality […] the "punk" part of the word comes from the rock'n'roll terminology of the 1970s, "punk" meaning in this context young, streetwise, aggressive, alienated and offensive to the Establishment. 26

27

Como se pode perceber, o termo punk indica que o movimento busca uma quebra radical com a ordem social. As sociedades descritas por essas narrativas são distópicas e retratam acontecimentos que se passariam em um futuro próximo na Terra.

Nessas histórias, o homem se encontra em conflito com a Inteligência Artificial e com megacorporações tecnológicas. Nota-se, portanto, que o cinema de Ficção Científica

25 Disponível em: <http://www.sf-encyclopedia.com/entry/cyberpunk> Acesso 14 de janeiro de 2014.

26 Fonte: Enciclopédia de Ficção Científica. Disponível em <http://www.sf- encyclopedia.com/entry/cyberpunk> Acesso: 18 de janeiro de 2014.

27 O termo “cyber” está relacionado à cibernética: para um futuro em que blocos industriais e políticos podem ser globais [...] um futuro em que a incorporação da máquina aos corpos humanos será lugar comum, assim como as mudanças da mente e do corpo ocasionadas por drogas e pela engenharia genética. O conceito de Realidade Virtual é fator primordial na Ficção Científica [...] o termo “punk” vem da terminologia do Rock’n’Roll dos anos 1970, naquele contexto, “punk” significava ser jovem, urbano, agressivo, alienado e ofensivo diante das regras estabelecidas. [...] (tradução nossa)

(26)

está inserido no contexto de produção da Era Cyberpunk, ou seja, filmes que carregam de forma explícita as características do movimento, produzidos desde a década de 1980, como: a série Terminator (O Exterminador do Futuro), 12 Monkeys, (Os 12 Macacos), Robocop, The Fifth Element (O Quinto Elemento), Avatar, entre tantos outros.

1.3 UMA LONGA HISTÓRIA DA FICÇÃO CIENTÍFICA

Esta primeira parte do trabalho utiliza como apoio teórico duas obras escritas pelo pesquisador especialista em Ficção Científica, o inglês Adam Roberts, intituladas The History of Science Fiction e Science Fiction: the new critical idiom (2006). Roberts expõe as três diferentes versões que explicariam, historicamente, o advento da ficção científica como gênero: The Long History of Science Fiction; The Gothic History of Science Fiction; The Gernsbackian History of Science Fiction.

Em Science Fiction: the new critical idiom, Roberts apresenta duas diferentes abordagens para o estudo do gênero: a formalista e a estruturalista, baseando-se em premissas de alguns teóricos norte-americanos contemporâneos. Estes estudos contribuem para o entendimento que temos a respeito da caracterização do gênero nos dias atuais.

Adam Roberts não considera que quaisquer textos escritos antes do ano 1600 possam pertencer à literatura de ficção científica. Não porque o teórico desconsidere que já houvesse textos, em séculos muito anteriores ao XVII, que falassem sobre eventos mágicos e fantásticos, como aqueles previamente citados, ou outros que também discorrem sobre viagens à Lua, como a obra de Cícero O sonho de Cipião (Somnium Scipionis, 51 a. C) e a narrativa de Plutarco The Circle of the Moon (to kuklô tês selênês, 80 d. C), que falam sobre o sistema solar e o descreve como lugar habitado por almas de pessoas mortas. Roberts cita ainda o épico Orlando Furioso, escrito pelo poeta italiano Ludovico Ariosto, em 1516, o qual traz um relato sobre uma viagem à Lua feita nas costas de um hipogrifo.

Estas obras, porém, não poderiam ser consideradas como pertencentes ao gênero da ficção científica, pois elas foram escritas e concebidas em uma esfera puramente religiosa e geocêntrica: “[...] everything above the level of the Moon was incorruptible, eternal and godly.”28 (ROBERTS, p. 39). Foi apenas com o astrônomo polonês, Nicolau

28 “tudo acima do nível da Lua era incorruptível, eterno e divino.” (tradução nossa).

(27)

Copérnico (1473-1543), que essa visão se alterou e passamos a entender o sistema solar como algo mais materialista, partindo de um ponto de vista heliocêntrico.

Sendo assim, nessa perspectiva histórica, a primeira obra de ficção científica teria sido escrita pelo astrônomo alemão Johann Kepler (1571-1630), que, além de seus estudos científicos, escreveu um texto ficcional, chamado Somnium, sive Astronomia Lunaris. O livro começou a ser escrito como uma dissertação em que Kepler discorre sobre a teoria de Copérnico a respeito do movimento da Terra. A ideia original de Kepler era a de dizer que, assim como na Terra nós vemos a atividade lunar, habitantes da Lua também seriam capaz de observar os movimentos de nosso planeta. Cerca de 20 anos mais tarde, o autor decidiu transformar seu texto, inserindo elementos de ficção:

então, a narrativa passou a tratar da história de Tycho Brahe, um estudante que é transportado até a lua por bruxas. Alguns anos depois, Kepler ainda adicionou à obra algumas notas explicativas científicas, tentando justificar suas teorias e suposições por meio de suas observações e estudos. É importante destacar que tanto o astrônomo Carl Sagan quanto o autor Isaac Asimov consideram a obra de Kepler como a primeira pertencente ao gênero de ficção científica.

Figura 1 : Capa de edição norte-americana de Somnium

Disponível em: < https://www.goodreads.com/book/show/5984974-somnium>. Acesso em 12 de nov. de 2013.

A partir de então, outros autores do século XVII, inspirados pelas novas descobertas a respeito do funcionamento do sistema solar, começaram a publicar obras tratando de viagens à Lua e de descobertas de novos mundos; alguns exemplos mais relevantes são: O Homem na Lua (The man in the moon, 1638), de Francis Godwin (que

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escrevia sob o pseudônimo de Domingos Gonsales). O livro conta a história de um homem que consegue ir até a lua, transportado por gansos; História cômica dos estados e impérios da Lua, de Savinien de Cyrano de Bergerac, (editado em 1657), a história relata a viagem de um homem até a lua e a descoberta de criaturas estranhas que habitam aquele lugar; The Description Of A New World Called The Blazing World, de Margaret Cavendish (1666), obra que fala sobre a descoberta de um universo paralelo, cuja entrada se dá no Polo Norte.

Figura 2: Edição de The Man in the Moone, de Francis Godwin.

Disponível em: <http://astropt.org/blog/2009/11/24/romenos-vao-a-lua-de-balao/> Acesso em 12 de nov.

de 2013.

Dando continuidade ao gênero literário surgido no século XVII, as aventuras interplanetárias adentram o século XVIII e a temática se torna frequente na literatura europeia. Outros temas, como a visita de seres alienígenas à Terra e especulações sobre o futuro também ganham força. Podemos citar exemplos de autores famosos que escreviam de acordo com essas ideias, como Daniel Defoe (The Consolidator; or, Memoirs of Sundry Transactions from the World in the Moon, 1705), Jonathan Swift

(29)

(As viagens de Guliver, Gulliver’s travels, 1726 – é interessante observar a crítica à ciência que surge na terceira parte da narrativa, quando Guliver se encontra com cientistas vivendo “fora da realidade”, por terem passado muito tempo criando teorias sobre o cosmos).

Pode-se ir contra as afirmações de que a ficção científica tenha tido início no século XVII, com as obras apresentadas acima, pois para se confirmar o advento de um gênero é necessário que as obras iniciais sejam culturalmente significativas e, ainda hoje, influenciem outros autores. Assim, uma análise da ficção científica como fator cultural só poderia considerar textos “vivos” e este não é o caso da grande maioria das obras que expressam tal temática, escritas nos séculos XVII e XVIII.

1.4 UMA HISTÓRIA GÓTICA DA FICÇÃO CIENTÍFICA

Alguns acadêmicos e críticos literários indicam que a ficção científica tem suas raízes no Romance Gótico, descrito como o gênero que apresenta “a gloomy castle, replete with dungeons, subterranean passages, and sliding panels”29 e, além disso,

“made bountiful use of ghosts, mysterious disappearances and other sensational and supernatural occurrences...their principal aim was to evoke chilling terror” 30 (ABRAMS, 1985, p. 74, apud ROBERTS, 2006, p. 42).

Os aspectos do Romance Gótico que acarretaram na constituição da ficção científica são as combinações do imaginário e do sublime, associados ao modo de escrita romântica do século XIX (ROBERTS, 2006). Para alguns críticos literários, portanto, a ficção científica teria tido seu princípio com o romance Frankenstein, escrito em 1818, por Mary Shelley. Para eles, diferentemente dos textos do século XVII e XVIII que ficaram esquecidos no passado, a história de Frankenstein é conhecida por quase todos nós, mesmo por aqueles que não leram o texto, de fato, mas puderam ter contato com a narrativa através do cinema, da televisão ou de alguma outra mídia. Além disso, é inegável que a obra ainda continua dialogando com outros autores e outras narrativas ainda nos dias de hoje.

O que aproxima Frankenstein ao que conhecemos hoje como ficção científica é a temática do texto: um cientista que vai de encontro às leis da natureza e consegue dar

29 “um castelo sombrio, repleto de calabouços, passagens subterrâneas e painéis deslizantes” (tradução nossa).

30 “fez uso abundante de fantasmas, desaparecimentos misteriosos e outras ocorrências fantásticas e sobrenaturais...seu principal objetivo era causar calafrios de terror.” (tradução nossa)

(30)

vida a um ser construído a partir de cadáveres; a criatura, no entanto, cansada da solidão, volta-se contra o cientista e torna-se ameaçadora. Para o crítico Darko Suvin (1979), a obra apresenta, ainda, outro tema que se tornaria recorrente na ficção científica, o progresso atrelado à catástrofe.

A ficção científica, como gênero, porém, só começaria a ganhar mais força quando mais tarde, ainda no século XIX, autores como H. G. Wells e Júlio Verne inaugurariam suas publicações literárias. Estes são os dois escritores que mais se destacaram quando pensamos em aventuras que tratam de viagens a lugares longínquos, ambientes fantásticos, viagens no tempo e contatos alienígenas. Mas, a ficção científica estava presente também em textos de outros literatos deste mesmo século, como Edgar Allan Poe, John Munro e Percy Greg. Em um texto chamado The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall (1835), Poe narra a história de um homem que consegue ir à lua em um balão; como se nota, o enredo é bastante semelhante a outros textos publicados no século XVII e XVIII. Aliás, Júlio Verne admite que uma de suas histórias mais famosas, Da Terra à Lua (De la Terre a la Lune, 1865) é uma releitura da história de Poe.

Figura 3: Ilustração da narrativa de Edgar A. Poe, The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall (1835) Fonte: <http://www.davidsongalleries.com/artists/eichenberg/eichenberg.php> Acesso em 12 de nov. de

2013

Ainda assim, Verne e Wells são até hoje vistos como os mais famosos escritores de ficção científica, devido à qualidade e a popularidade de seus textos; foram eles que começaram a inserir a ficção científica na cultura popular e a dar as primeiras formas ao gênero. Adam Roberts (2005, p. 129) explica, porém, que não há um consenso entre os críticos com relação à qualidade da obra desses autores; alguns até mesmo dizem que os textos de Verne não podem ser considerados ficção científica (uma vez que no século XIX o termo Science Fiction ainda não havia sido cunhado e, além disso, ainda não

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