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UMA HISTÓRIA GÓTICA DA FICÇÃO CIENTÍFICA

No documento OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV: (páginas 29-33)

Alguns acadêmicos e críticos literários indicam que a ficção científica tem suas raízes no Romance Gótico, descrito como o gênero que apresenta “a gloomy castle,

replete with dungeons, subterranean passages, and sliding panels”29 e, além disso,

“made bountiful use of ghosts, mysterious disappearances and other sensational and

supernatural occurrences...their principal aim was to evoke chilling terror” 30

(ABRAMS, 1985, p. 74, apud ROBERTS, 2006, p. 42).

Os aspectos do Romance Gótico que acarretaram na constituição da ficção científica são as combinações do imaginário e do sublime, associados ao modo de escrita romântica do século XIX (ROBERTS, 2006). Para alguns críticos literários, portanto, a ficção científica teria tido seu princípio com o romance Frankenstein, escrito em 1818, por Mary Shelley. Para eles, diferentemente dos textos do século XVII e XVIII que ficaram esquecidos no passado, a história de Frankenstein é conhecida por quase todos nós, mesmo por aqueles que não leram o texto, de fato, mas puderam ter contato com a narrativa através do cinema, da televisão ou de alguma outra mídia. Além disso, é inegável que a obra ainda continua dialogando com outros autores e outras narrativas ainda nos dias de hoje.

O que aproxima Frankenstein ao que conhecemos hoje como ficção científica é a temática do texto: um cientista que vai de encontro às leis da natureza e consegue dar

29 “um castelo sombrio, repleto de calabouços, passagens subterrâneas e painéis deslizantes” (tradução nossa).

30 “fez uso abundante de fantasmas, desaparecimentos misteriosos e outras ocorrências fantásticas e sobrenaturais...seu principal objetivo era causar calafrios de terror.” (tradução nossa)

vida a um ser construído a partir de cadáveres; a criatura, no entanto, cansada da solidão, volta-se contra o cientista e torna-se ameaçadora. Para o crítico Darko Suvin (1979), a obra apresenta, ainda, outro tema que se tornaria recorrente na ficção científica, o progresso atrelado à catástrofe.

A ficção científica, como gênero, porém, só começaria a ganhar mais força quando mais tarde, ainda no século XIX, autores como H. G. Wells e Júlio Verne inaugurariam suas publicações literárias. Estes são os dois escritores que mais se destacaram quando pensamos em aventuras que tratam de viagens a lugares longínquos, ambientes fantásticos, viagens no tempo e contatos alienígenas. Mas, a ficção científica estava presente também em textos de outros literatos deste mesmo século, como Edgar

Allan Poe, John Munro e Percy Greg. Em um texto chamado The Unparalleled

Adventure of One Hans Pfaall (1835), Poe narra a história de um homem que consegue ir à lua em um balão; como se nota, o enredo é bastante semelhante a outros textos publicados no século XVII e XVIII. Aliás, Júlio Verne admite que uma de suas histórias mais famosas, Da Terra à Lua (De la Terre a la Lune, 1865) é uma releitura da história de Poe.

Figura 3: Ilustração da narrativa de Edgar A. Poe, The UnparalleledAdventure of One Hans Pfaall (1835) Fonte: <http://www.davidsongalleries.com/artists/eichenberg/eichenberg.php> Acesso em 12 de nov. de

2013

Ainda assim, Verne e Wells são até hoje vistos como os mais famosos escritores de ficção científica, devido à qualidade e a popularidade de seus textos; foram eles que começaram a inserir a ficção científica na cultura popular e a dar as primeiras formas ao gênero. Adam Roberts (2005, p. 129) explica, porém, que não há um consenso entre os críticos com relação à qualidade da obra desses autores; alguns até mesmo dizem que os textos de Verne não podem ser considerados ficção científica (uma vez que no século XIX o termo Science Fiction ainda não havia sido cunhado e, além disso, ainda não

havia um conjunto estabelecido de textos e de leitores do gênero), apesar de o próprio Roberts discordar disso: para ele, a popularidade dos textos de Verne e as adaptações para o cinema de sua obra acabaram por garantir que a tecnologia fosse usada como um elemento central nessas narrativas.

Podemos dividir a vida literária de Júlio Verne (1828-1905) em três fases: a primeira, que vai de 1862 a 1886 é conhecida como período positivista, durante a qual

ele lançou muitas histórias de ficção científica, como Voyage au centre de la

Terre (Viagem ao centro da Terra, 1864), Autour de la Lune (À roda da lua, 1869) e Vingt mille lieus sous les mers (Vinte mil léguas submarinas, 1870). A segunda fase vai de 1886 até 1905, o ano de sua morte e ficou conhecida como o período pessimista de

Verne, pois o autor passa a explorar as ameaças da tecnologia, como em Sans Dessus

Dessous (traduzido para o inglês com dois títulos diferentes, Topsy-Turvey ou The Purchase of the North Pole, 1889). O livro narra a história da venda por leilão de uma região do Ártico e do Polo Norte. A venda é efetuada e os compradores são revelados

como sendo os mesmos que, vinte anos atrás (conforme é relatado na obra From the

Earth to the Moon) haviam viajado até a Lua em um canhão. Dessa vez, porém, a intenção é a de usar o canhão para remover a inclinação do eixo da Terra para que ele ficasse perpendicular à órbita do planeta – isso daria um fim às mudanças climáticas, às estações do ano e à alternância dia-noite. O fim maior de tudo isso, no entanto, era o de derreter o gelo do Polo Norte e, assim, extrair o carvão natural existente embaixo do gelo para vendê-lo. A história representa o medo do progresso e da intervenção que a tecnologia poderia trazer à ordem e ao funcionamento natural das coisas. Como veremos mais adiante, o medo da ciência tornar-se-á uma temática cada vez mais recorrente na ficção científica, principalmente no século XX.

Por fim, a terceira fase de Júlio Verne decorre entre 1905 e 1919, quando seu filho Michel Verne publica algumas obras do pai, após modificá-las e recuperá-las. Há muitas discussões a respeito dessas obras, pois após análises dos manuscritos originais, descobriu-se que Michel Verne chegou a reescrever completamente alguns livros e, sendo assim, elas não poderiam ser atribuídas à autoria de Júlio Verne. Alguns

exemplos de obra pertencentes a esta fase são: Le Volcan d’or (O vulcão de ouro,

1906), La chasse au météore (A caça ao meteoro, 1908), Le secret de Wilhelm Storitz

(O segredo de Wilhelm Storitz, 1910).

Isaac Asimov afirma que Júlio Verne teria sido o autor inaugural do gênero de ficção científica, pois o francês foi o primeiro a ganhar dinheiro com tais publicações.

Todavia, o crítico Patrick Parrinder (1980) diz que H. G. Wells (1866-1946) foi uma peça fundamental na construção do gênero “in the evolution of scientific romance into modern science fiction. His example has done as much to shape SF as any other single

literary influence”.31 (apud ROBERTS, 2006, p. 10) Isso porque Wells incluía em seus

textos vários temas que hoje reconhecemos como dos mais representativos da Ficção Científica, como encontros com alienígenas, mutações biológicas e cidades futurísticas. Wells começou sua carreira escrevendo artigos científicos – na maioria de ciência especulativa – para pequenos jornais ingleses. Sua produção bibliográfica durou até meados da década de 1940, porém, as obras mais grandiosas foram lançadas entre

1895 e 1905, como a The Time Machine (A Máquina do Tempo, 1895) The Island of

Doctor Moreau (A Ilha do Doutor Moreau, 1896), The Invisible Man (O Homem Invisível, 1897) e The War of the Worlds (Guerra dos Mundos, 1898). De acordo com Roberts (2005, p. 145) há uma temática constante nos textos do autor: ele sempre se baseia em um ambiente comum e contemporâneo, no qual um objeto estranho abre as portas para um novo mundo.

Essa fórmula é considera pelos críticos como sendo uma mistura de realismo com ficção científica, fazendo, ao mesmo tempo, uma representação da realidade naquele final de século e uma tentativa de fuga desse cotidiano, através de um dispositivo criado pela ciência. Essa interpretação é válida, mas ao mesmo tempo bastante simples, dado o grande número de temas que são tratados por essas histórias; além disso, algumas delas estão mais próximas da literatura fantástica do que da ficção científica, como The Invisible Man, uma vez que nesse caso a ênfase está no medo do desconhecido, simbolizado pela figura de um homem que passa a cometer crimes quando percebe que não pode ser mais ser visto, isto é, sem o olhar do outro, elimina-se a censura e consequentemente, perde-se o autocontrole. Mais do que uma crítica social, nesse caso, temos uma condenação da própria natureza humana e o medo do progresso científico.

Considera-se que Verne e Wells tenham sido, portanto, autores fundamentais na criação de narrativas que seriam chamadas de ficção científica, algumas décadas mais tarde e não há como ignorar a influência que estes autores tiveram nos temas, nas questões e nos enredos que seriam desenvolvidos posteriormente. Veremos, então, de que forma os autores do século XX transformaram e adequaram o gênero, de acordo

31 Seu exemplo foi tamanho que definiu as formas da Ficção Científica, assim como qualquer outra influência literária em particular. (tradução nossa)

com as exigências do mercado, do público-leitor, dos editores e das revistas em que publicavam seus textos, moldando a ficção científica nas formas como nós a conhecemos hoje.

No documento OS ROBÔS DE ISAAC ASIMOV: (páginas 29-33)

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