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6 AVALIAÇÃO DA PREVALÊNCIA DE PARASITAS DE TRANS MISSÃO FECO-ORAL EM CRIANÇAS USUÁRIAS DO SISTEMA DE

P Cisternas Outras Fontes

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a importância de difundir os sistemas alternativos de abastecimento de água, principalmente em regiões carentes de água de boa qualidade. Muitas famílias residentes em locais de escassez hídrica lidam diariamente com processo fastidioso de busca de água para o consumo domiciliar e ainda são reféns dos efeitos da sazonalidade, deparando-se com manan- ciais que ficam secos durante grande parte do ano. A iniciativa do P1MC, além daquelas feitas por ONGs e outras parcerias, de construir sistemas de captação de água de chuva para famí- lias que convivem com escassez hídrica busca amenizar a dificuldade do acesso à água para populações rurais em regiões semiáridas no País. A satisfação das famílias beneficiadas pode ser comprovada nesta pesquisa, pois quando questionadas se a cisterna melhorou a qualidade de vida da família, a quase totalidade (99,1%) respondeu positivamente; 98,0% dos chefes dos domicílios entrevistados no estudo de Luna (2011) também relataram que houve melhoria geral da qualidade de saúde da família.

Entretanto, apesar da satisfação geral das famílias beneficiadas, em termos de qualidade microbiológica da água constatou-se, em vários estudos citados no Capítulo 8, assim como nas amostras avaliadas na pesquisa, que não houve melhorias significativas, pois as concen- trações de E. coli das amostras coletadas entre as famílias beneficiadas pelo sistema de cap- tação de água de chuva foram semelhantes às de amostras de outras fontes alternativas de água utilizadas no meio rural. A motivação para a realização da pesquisa surgiu da consta- tação de que há uma vasta literatura de avaliação da qualidade da água de chuva armazenada em cisternas, porém há poucos estudos epidemiológicos, principalmente em nível nacional, que fizessem a associação entre o consumo da água de chuva e seus efeitos na saúde.

A pesquisa foi então delineada para verificar a influência do sistema de captação de água de chuva em cisternas, como alternativa de fonte de abastecimento de água para consumo huma- no, na saúde da população selecionada para a amostra. A amostra foi restringida a crianças menores de 60 meses, pois essa é considerada a faixa etária mais suscetível a problemas de saúde decorrentes da falta e, ou, inadequação da água para consumo, assim como das práticas de higiene e condições socioambientais em que estão inseridas. A comparação dos resultados entre os dois grupos (cisternas e outras fontes) utilizados na pesquisa foi importante para iden- tificar como as diferentes alternativas de abastecimento de água podem influenciar e, ou, afetar a saúde da população.

consumo de fontes de abastecimento de água de qualidade que não atendem aos padrões mínimos microbiológicos foi capaz de reduzir os casos de diarreia e de parasitoses intestinais nas crianças residentes na área rural. Reportando-se aos objetivos propostos, pode-se conside- rar, de acordo com os resultados da pesquisa, que:

1) A diarreia avaliada por período de 72 horas anteriores à data da entrevista apresentou baixa prevalência tanto na totalidade (5%) quanto em cada grupo (3,6% no grupo cisternas e 6,0% no grupo outras fontes). A razão de chances evidencia que o sistema de captação de água de chuva haja como fator de proteção para a diarreia (OR = 0,56), porém a diferença não foi significativa em nível de 5% (p = 0,135).

2) A diarreia avaliada por meio de calendários no período de 90 dias apresentou prevalência total de 23,3%, sendo de 16,9% no grupo cisternas e 29,8% no grupo outras fontes; a dife- rença entre os grupos esteve próxima de ser significativa, considerando o nível de 5% (p = 0,066). A razão de chances para a diarreia avaliada por 90 dias indica que o sistema de captação de água de chuva poderia ser considerado fator de proteção para a diarreia (OR = 0,34), no entanto a diferença não foi significativa em nível de 5%.

3) Quanto à prevalência dos parasitas de transmissão feco-oral, a prevalência da amostra total foi de 25%, enquanto para o grupo cisternas foi de 14,0% e para o grupo outras fontes de 19,4%. Avaliando pela razão de chances, o sistema de captação de água de chuva também poderia ser considerado fator de proteção (OR = 0,62), porém a diferença não foi significa- tiva a p < 0,05.

4) A Giardia apresentou prevalência de 7,8% na amostra total, 4,8% para o grupo cisternas e 10,9% para o grupo outras fontes. Pela razão de chances, o sistema de captação de água de chuva foi fator de proteção para a ocorrência de Giardia (OR = 0,48); a diferença entre os grupos foi significativa (p = 0,039). O resultado indicou redução de 55% na prevalência de

Giardia nas crianças expostas, comparadas às não expostas.

De modo geral, o sistema de captação de água de chuva em cisternas apresentou potencial efeito benéfico na saúde das crianças apenas para o desfecho “giardíase em crianças com idade até 60 meses”, único indicador avaliado no qual foi constatada a diferença estatística- mente significativa.

Dos indicadores adotados para verificar o efeito do sistema de captação de água de chuva na saúde, a diarreia é o que tem sido mais adotado em estudos que buscam correlacionar o

impacto de intervenções no saneamento sobre a saúde (HELLER, 1997), porém apresenta problemas na confiabilidade da informação obtida, por estar sujeito à interpretação individual da definição da doença quando resultante de questionamento por inquérito (COSTA et al., 2005). Quando são usados indicadores como os parasitas intestinais, a confiabilidade nos resultados pode ser maior, desde que a análise do material seja feita por profissional capaci- tado, que domine a técnica empregada; a limitação dos parasitas intestinais como indicadores está relacionada apenas à logística de campo, pela necessidade de coleta de material fecal (AZEVEDO, 2003), e aos falso-negativos – criança que não expele os parasitas ou as formas parasitárias (ovos, cistos ou oocistos) nas fezes no momento da coleta.

Apesar dos cuidados quando da elaboração do protocolo de entrevista, a variável diarreia avaliada por 72 horas pode estar sujeita à interferência do viés de memória, mesmo não tendo sido longo o período a ser recordado. Por ser uma doença aguda e, às vezes, de curta duração, a mesma variável também pode sofrer interferência do viés de prevalência, se no período questionado a criança que estava doente anteriormente já ter sido curada (TEIXEIRA, 2003). Portanto, a prevalência de diarreia, quando avaliada por 72 horas, pode ter sido baixa pelo curto período de acompanhamento da morbidade.

Já prevendo as limitações da avaliação da diarreia por meio da informação retrospectiva, optou-se por trabalhar também a variável diarreia por meio de calendários mensais. A impor- tância do procedimento foi explicada várias vezes no momento da entrevista e foi também solicitado aos agentes comunitários de saúde do Programa Saúde da Família que reforçassem a explicação quando fossem buscar as folhas dos meses findados e para entrega dos próximos meses. De qualquer modo, essa forma de obtenção da informação pode ter apresentado vieses na anotação, também pela influência da memória – esquecimento na hora de marcar os episó- dios que, porventura, ocorreram no período. Portanto, dentre os resultados, há chance da exis- tência de falso-negativos.

Houve também perda de informação: das 664 crianças, a perda total dos calendários (a não devolução de nenhuma das folhas) foi de 30%, sendo destes, 48,6% do total de crianças do grupo cisternas e 51,4% do grupo outras fontes. Mesmo entre as crianças com dados sobre episódios, há casos em que a família deixou de devolver uma ou duas das três folhas entre- gues, o que implica que a informação de episódios de diarreia correspondeu a apenas um ou dois meses de observação nesses casos. Para que os calendários fornecessem informações mais confiáveis, seria necessário que o monitoramento domiciliar acontecesse em período

nhando os calendários adequadamente. Entretanto, a área rural de ambos os municípios possuem domicílios bem dispersos, localizados algumas vezes em regiões de difícil acesso, o que dificultou as visitas às famílias em períodos inferiores a um mês.

Retornando ao escopo da pesquisa, que é o de discutir o efeito do sistema de captação de água de chuva na saúde das crianças, verificou-se que este foi capaz de reduzir significativamente a presença de Giardia nas fezes das crianças, porém não resultou em mudanças significativas para a diarreia e para parasitas de transmissão feco-oral.

Os resultados podem ser explicados tendo em vista que os indicadores utilizados não estão relacionados apenas ao abastecimento de água, podendo ter influência de outros fatores ligados ao saneamento básico e à higiene pessoal e alimentar. Briscoe (1984) apud Heller; Briscoe (1987) defende que a intervenção em apenas uma via de transmissão de doenças com múltiplas causas pode gerar redução muito inferior ao que era esperado (Tabela 9.1).

Tabela 9.1 – Simulação do efeito da eliminação de diferentes vias de transmissão sobre a

incidência da enfermidade Vias de Exposição Organismos que Continuam Transmitindo (%) Casos que Continuam Ocorrendo (%) (1) Vias A + B + C 100 100

(2) Eliminação unicamente da via A 30 74

(3) Eliminação da via B, mantendo a via A 72 93

(4) Eliminação da via B, após a eliminação da

via A 2 15

Fonte: Briscoe (1987).

Seguindo o que foi exposto por Briscoe (1987), intervenções no abastecimento de água e no esgotamento sanitário são “necessárias mas não suficientes”, ou seja, melhorias isoladas podem não proporcionar mudanças significativas no quadro de doenças relacionadas ao saneamento, como as infectoparasitárias, se outras vias de transmissão também não forem eliminadas. De acordo com Esrey et al. (1991), o esgotamento sanitário adequado e o forne- cimento de água em quantidade que permita a higiene pessoal e domiciliar podem propor- cionar maior incremento na saúde do que apenas a melhoria na qualidade da água. A Tabela 9.2 apresenta reduções porcentuais na diarreia de acordo com o tipo de intervenção ligada ao saneamento ou à higiene.

Tabela 9.2 – Redução porcentual esperada na diarreia relacionada a intervenções no

abastecimento de água e, ou, no esgotamento sanitário e na higiene

Intervenção Redução Mediana (%)

Quantidade de água 20

Qualidade da água 15

Qualidade e quantidade da água 17

Esgotamento sanitário 36

Abastecimento de água e esgotamento sanitário 30

Higiene 33

Fonte: ESREY et al. (1991).

Segundo a Tabela 9.2, as intervenções no abastecimento de água, tanto em quantidade quanto em qualidade, ou ambos simultaneamente, apresentariam as menores reduções porcentuais na diarreia. A maior redução seria causada pela melhoria no esgotamento sanitário, seguida de intervenções na higiene, sendo essa a de mais difícil intervenção, considerando que as pessoas já têm noção dos hábitos higiênicos corretos, mas não os realizam rotineiramente (CURTIS; CAIRNCROSS, 2003).

Por outro lado, Clasen et al. (2007) verificaram, em estudo de meta-análise com a revisão sistemática de 42 ensaios controlados, que intervenções visando à melhoria na qualidade microbiológica da água são efetivas na redução da ocorrência de diarreia, tanto em adultos quando em crianças, destacando a importância das intervenções em nível domiciliar, classifi- cando-as como mais efetivas do que aquelas realizadas nas fontes de abastecimento na dimi- nuição de casos de diarreia.

A proposta do sistema de captação de água de chuva é a de ser uma fonte alternativa de abastecimento que forneça água de melhor qualidade e em maior quantidade. No entanto, o sistema de captação de água de chuva apresenta limitações para ser considerado opção definitiva de abastecimento de água, tendo em vista, porque supre apenas parte das necessidades hídricas da população residente em áreas rurais do semiárido: beber, cozinhar e escovar os dentes. Como a utilização da água de chuva armazenada nas cisternas para fins além do estabelecido é desencorajada, muitos moradores continuam adotando água de outras fontes para banho, lavagem de utensílios de cozinha, roupas e do ambiente doméstico, ativi- dades nas quais ainda persiste o risco de transmissão de doenças de veiculação hídrica. Luna (2011) ainda ressalta a insegurança que o sistema oferece por estar exposto às secas cíclicas, quando o período pluviométrico é tardio e, ou, curto, o que traz o risco de não encher as cis- ternas com a precipitação total do período; nesta situação, as famílias voltam a recorrer às

outras fontes adotadas anteriormente ao recebimento do sistema de captação de água de chuva.

Diferentemente de Luna (2011), Pádua (2006) já considera que o sistema de captação de água de chuva não deve ser tratado como fonte emergencial e destinado apenas à população de baixa renda. Em muitos locais, o sistema pode ser a única forma de abastecimento de água disponível por longo período, tendo em vista que muitos mananciais podem permanecer secos durante grande parte do ano. Considerando o uso prolongado da água, esta deve atender aos preceitos estabelecidos pelo padrão de potabilidade, para não por em risco a saúde da família.

Esta pesquisa vem reforçar a discussão acerca das necessidades de serviços de saneamento para a população de áreas rurais alocadas, principalmente, em regiões semiáridas do Brasil, ressaltando-se que a precariedade desses serviços influencia negativamente na saúde da popu- lação, conforme já atestado em diversos estudos na literatura (ESREY et al., 1991; HELLER, 1997; FEWTRELL et al., 2005; CLASEN et al., 2007; RAZZOLINI;GÜNTHER, 2008). Assim como sugerido por Luna (2011), recomenda-se que programas de saúde sejam cumpridos rigorosamente pelo poder público, além da monitorização da qualidade da água de fontes alternativas individuais ou coletivas utilizadas no meio rural, de fiscalizações das com- dições sanitárias com oferecimento de serviços essenciais e, também, de treinamentos roti- neiros voltados para a população, para que a educação sanitária e o uso correto do sistema de captação de água de chuva em cisternas sejam uma prática utilizada no cotidiano dos domicí- lios das áreas rurais brasileiras.