• Nenhum resultado encontrado

Percebe-se que o paradigma da proteção integral e o estatuto que o alicerça representam uma notável mudança na compreensão dos cuidados com a infância e a adolescên- cia no Brasil. Sob essa perspectiva, a proteção aplica-se prioritariamente à criança e ao adolescente com a integração da família, da sociedade e do Estado; em detrimento de uma política que buscava defender, muitas vezes, a família, a sociedade e o Estado dos “menores perigosos”. Em vista disso, é o princípio do melhor interesse que prevalece cuja primazia se faz em torno dos interesses e necessidades das crianças e adolescentes. E como lembra Amin (2008), “materializá-lo é dever de todos” (p. 29).

Nesse sentido, Mioto (2006) aponta duas questões relevantes para a consolidação da proteção integral: uma nova concepção de assistência às famílias e, por conseguinte, outra postura diante destas. A primeira diz respeito à compreensão de que proteger as famílias implica em proteção às crianças e aos adolescentes, “dessa forma, ela (a família)

tem o direito de ser assistida para que possa desenvolver, com tranqüilidade, suas tarefas de proteção e socialização das novas gerações, e não penalizada pelas suas impossibilidades” (p.

57). Para tanto, a sociedade e, especialmente, os técnicos dos programas de atendimento às famílias têm à sua frente o desafio de sobrepujar a conceituação dicotômica entre “famílias capazes e incapazes, normais ou patológicas e os estereótipos e preconceitos delas

decorrentes” (p. 57).

Por último, convém refletir sobre as reais possibilidades do alcance do trabalho da psi- cologia nesses contextos e compreender que, assim como o SINASE preconiza a in- completude das instituições e a necessidade da integração de diferentes atores institu- cionais, também o psicólogo precisa reconhecer a incompletude de sua atuação isolada. Por isso mesmo, deve nutrir-se das forças de suas redes de apoio social para que suas ações não pareçam apenas uma gota no oceano. Trabalhar em rede é também exercitar a humildade: o trabalho do psicólogo pode muito, mas não pode tudo!

A pesquisa de avaliação dos 10 anos do ECA já apontava como “o grande desafio a efetiva

implementação do paradigma da proteção integral” (p. 195) para a qual o clientelismo e a

repressão no âmbito das políticas sociais representavam fortes obstáculos. Entre outros aspectos, a pesquisa aponta a atuação em redes e o protagonismo juvenil como itens importantes para a consolidação do ECA. Ainda hoje remanesce tal desafio de garantia da proteção integral e do papel protagônico do adolescente. Passados quase duas déca- das da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o cenário das políticas de atenção à infância e juventude brasileiras em situação de vulnerabilidade continua refletindo o discurso e a prática das abordagens estigmatizantes do velho paradigma mi- norista. Continuamos distantes do ideal de garantir a proteção integral preconizada pelo estatuto. Ainda que as concepções oriundas dos antigos códigos devessem ser “coisa do passado”, seus “fantasmas” se manifestam de forma contundente principalmente no discurso e na prática do atendimento ao adolescente em cumprimento de medida de in- ternação, dos quais ressalta o aspecto punitivo da medida em detrimento de seu aspecto socioeducativo. Resta à sociedade civil e ao Estado a tarefa peremptória de vigilância e observância do cumprimento da lei.

O mais importante é que devemos reafirmar o compromisso ético profissional, defen- der os direitos humanos, a garantia da humanização destes serviços e criar propostas ousadas de atendimento principalmente aos adolescentes em conflito com a lei, para que se viabilize a emergência do protagonismo juvenil longe das páginas policiais. É importante a presença atuante do psicólogo nesses contextos para fazer valer os direitos do adolescente. A privação de liberdade deve se restringir apenas ao direito de ir e vir. Devem-se garantir a proteção integral a crianças e adolescente, além de seus direitos à liberdade de expressão, de comunicação, de criação, de manifestação da espontaneida- de, de dar e receber afeto, de poder acreditar...

Referências

Albergaria, J. (1991). Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Aide Editora.

Amin, A. R. (2008). Princípios orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. Em K. Maciel (Org.), Curso de Direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e

práticos. (3ª edição). (p. 19-30). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris.

Carvalho, D. B. B. de. (2001). Política social e direitos humanos: trajetórias de violação dos direitos de cidadania de crianças e adolescentes. Ser Social, 8. 145 -171.

Cavallieri, A. (Org.) (1995). Falhas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

Constituição da República Federativa do Brasil.(2006). São Paulo. (39ª ed.) Editora Saraiva

Conceição, M. I. G., Tomasello, F. & Pereira, S. E. F. N. (2003). Prender ou proteger? Caminhos e descaminhos da assistência à infância e à juventude no Brasil. Em M. F. O. Sudbrack, M. I. G. Conceição, E. M. F. Seidl & M. T. da Silva, (Orgs.), Adolescentes e

drogas no contexto da Justiça (pp. 81-85). Brasília: Ed. Plano.

Conceição, M. I. G. & Sudbrack, M. F. O. (2004). Fatores de risco e de proteção no

envolvimento de adolescentes com drogas. Retirado em 19/02/2008 do http://www.

Cury, M. & cols (2000). Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. (2ª edição revista e atualizada). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

Dimenstein, G. (1998). O Cidadão de Papel: a infância, a adolescência e os direitos

humanos no Brasil. São Paulo: Ática.

Estatuto da Criança e do Adolescente (2004). Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.

Faleiros, V. P. & Pranke, C. (2001). Estatuto da Criança e do Adolescente - Uma década de direitos - avaliando resultados e projetando o futuro. Campo Grande: Editora da UFMS.

Fucks, A. M. S. L. (2004). Entre o Direito Legal e o Direito Real: o desafio à efetivação da cidadania do adolescente autor de ato infracional. Dissertação de Mestrado,

Universidade de Brasília. Brasília.

Liberati, W. D. (1995). Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. (3ªed.). São Paulo: Malheiros Editores Ltda.

Mezzomo, M. C.(2004). Aspectos da aplicação das medidas protetivas e sócio-

educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente: teoria e prática. Jus Navigandi, 9. 515. Retirado em 02/11/2008 do http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5993> Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (s/d). Programa de Atenção Integral à Família. Retirado em 29/03/2009 do site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao- social-basica/paif/programa-de-atencao-integral-a-familia-paif/

Mioto, R. C. T. (2006). Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no contexto de programas de orientação e apoio sociofamiliar. Em M. A. Sales, M. C.de Matos, M. C. Leal (Orgs.), Política social, família e juventude: uma questão de direitos. (2ª edição). (pp. 43-59). São Paulo: Cortez.

Motti, A. & Silva, E. (Orgs.) (2001). Uma década de direitos: ECA – avaliando resultados e projetando o futuro. Campo Grande: Ed. UFMS.

Morin, E. (1986). Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo II: necrose (A. S. Santos, Trad., 2ª ed). Rio de Janeiro: Forense-Universitária. (Trabalho publicado em 1975).

Nogueira, E. (1994). Meninos de rua: a triste realidade brasileira. Em C. Faleiro Júnior, (Org.), Adolescentes e crianças no Brasil. (pp. 21-31). Porto Alegre: Gráfica Editora Pallotti.

Pereira, G. C. C. (2006). Metacontingência e o Estatuto da Criança e do Adolescente: uma análise da correspondência entre a Lei Estatutária e os comportamentos dos Aplicadores do Direito e Executores da Lei. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília.

Política Nacional de Assistência Social (2004). Brasília: Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social. Saraiva, J. B. C. (2004). O adolescente em conflito com a lei e sua responsabilidade: Nem abolicionismo penal, nem direito penal máximo. RBCCRIM, 47, 123-146. Retirado em 01/12/2007 do http://www.cededica.org.br/downloads/texto_IBCcrim_ v2.doc.

Sêda, E. (1993). Construir o Passado ou Como mudar hábitos, usos e costumes, tendo como instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.

Selosse J. (1997). Adolescence, violences et déviances. Paris: Editions Matrice. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (2006). Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília: CONANDA.

Vasconcelos, M. L. (2008). Avaliação das redes sociais da escola – uma estratégia de prevenção do uso de drogas. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília.. Veronese, J. (2006). Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC Editora.

Investigación-intervención