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Para os moradores, trabalhar para o tráfico de drogas surge como uma alternativa muito atraente para os jovens de Acari, que, por diversos fatores, se sentem solitários e impo- tentes na tentativa de dirimir esse poder de atração. Entretanto, como podemos verifi- car, são bastante distintas as motivações desses jovens, assim como as ações referidas como preventivas à sua entrada para o “movimento”:

“Os jovens entram pro tráfico por causa das condições financeiras da família.” (fala de um educador)

20 Referimo-nos ao livro O bandido e outras histórias da Rocinha, publicado pela Editora Sette Letras, 1997.

“Fome e desemprego são as causas principais. Viver com dignidade evita a entrada

do jovem no tráfico.” (fala de uma líder comunitária)

“As crianças não têm uns trocados, os outros vão ver ele chegar com uns trocados

e vão querer também.” (fala da avó de um jovem)

“A única condição de lutar contra o tráfico de drogas é investir nos jovens dentro

das comunidades.” (fala de um educador)

“Eles entram [para o tráfico] pra ter fama.” (fala de uma líder comunitária) “O trabalho deles [os policiais] hoje aqui é até levar esses garotos pro tráfico.” (fala da mãe de duas jovens)

De modo geral, as principais motivações dos jovens a participarem das atividades do tráfico relatadas foram: 1)- a possibilidade de ganho financeiro “alto, rápido e fácil”, reforçada pelo desemprego generalizado e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho formal; 2)- o sentimento de pertença a um grupo com códigos próprios e, 3)- uma manifestação de revolta diante do preconceito social e da ação violenta e arbitrária da polícia na favela. Mesmo sabendo que, como nos disse um morador, “quem entra não sai, só pra morrer”, parece-nos que os riscos reais não são, ao menos de forma cons- ciente, muito considerados pelos jovens no momento de sua entrada no tráfico.

Conforme podemos notar, o ingresso dos jovens no tráfico de drogas pode ser analisado por múltiplos aspectos. Destacaremos nesse trabalho um duplo aspecto. Em primeiro lugar, a desvalorização do trabalho honesto como via de ascensão social, pois, como diz Cenoura, personagem do romance “Cidade de Deus”, de Paulo Lins, “só os otários

trabalham com a certeza de que nunca vão desfrutar das coisas boas da vida”. Como aponta

Zaluar (1994), os jovens explicitam uma rejeição ao tipo de vida dos pais e avós, vistos então como “otários”, e passam a negar e evitar seguir a mesma trajetória. Em segun- do lugar, o reconhecimento que os traficantes adquirem na comunidade, tanto pelo poder que dispõem quanto pela força que impõem através de execuções exemplares do inimigo. Não é à toa que o traficante chefe do comércio local de drogas é chamado pelos moradores de “o dono da favela”. Afinal, como afirma Alvito (2001, p. 219), “sua importância não deriva apenas do poder que ele detém, por vezes superestimado, mas daquilo que sintetiza, que simboliza”.

Expressando um certo fascínio com a figura do traficante, os meninos demonstram de diversas formas o desejo de serem reconhecidos socialmente. Pela ausência ou presen- ça enfraquecida de instituições sociais em Acari que lhe confiram o reconhecimento de sua alteridade, este desejo acaba encontrando mais facilmente respaldo nas malhas do tráfico de drogas local. De acordo com Carreteiro (2002), “ignorar os sujeitos significa ausência de reconhecimento, uma vez que eles se sentem deixados de lado, abandona- dos à própria sorte. Associado à reestruturação econômica, esse sentimento de desam- paro favoreceu o estabelecimento de atores alternativos, que se fortaleceram nas áreas em que ocorreu debilitação do poder do Estado. Nos territórios esquecidos em seus direitos de cidadania, o tráfico de drogas (...) ganhou amplitude significativa”.

No que tange as ações preventivas à inserção desses jovens nas malhas tão próximas do tráfico de drogas e à sua marginalização, Zaluar (1996, p. 55) traz à luz uma importante reflexão:

“A imagem do menino favelado que com uma Ar-15 ou metralhadora UZI na mão, as quais considera como símbolos de sua virilidade e fonte de grande poder local, com um boné inspirado no movimento negro da América do Norte, ouvindo música funk, cheirando cocaína produzida na Colômbia, ansiando por um tênis Nike do último tipo e um carro do ano não pode ser explicada, para simplificar a questão, pelo nível do salário mínimo ou pelo desemprego crescente no Brasil, nem tampouco pela violência costumeira do sertão nordestino”.

Através das temáticas aqui explicitadas, concluímos que o “Fórum Trabalho e Juventude em Acari” possibilitou uma ampla discussão entre os diversos segmentos da comuni- dade local: familiares, jovens, educadores e líderes comunitários. Muitos projetos des- tinados aos jovens desenvolvidos na localidade foram divulgados e debatidos por todos que estavam presentes, multiplicando a rede de informações num local em que a “lei do silêncio” imperava. Além disso, pessoas que não se falavam por desavenças políticas e históricas dentro da comunidade, puderam estabelecer maiores contatos e expor seus pontos de vista sobre as temáticas que foram relatadas.

Outro aspecto relevante que podemos destacar no que tange a relação entre juventude e trabalho é o lugar que o trabalho ocupava para esses indivíduos. Nos segmentos sociais menos favorecidos, o trabalho representa muito mais do que a possibilidade de prover o sustento familiar. Ele confere uma identidade social de pertencimento e reconhecimen-

to institucional, conforme nos relata um jovem: “Deveria ter mais instituições para acolher

os jovens que ficam sem fazer nada e sem ter outros deveres.”

Essas questões nos possibilitou criar novos dispositivos de reflexão e intervenção junto aos moradores da localidade. Como um prosseguimento deste Fórum, nos aprofunda- mos no tema da relação entre trabalho e juventude em Acari com a criação de um outro projeto - intitulado “Oficina de Vídeo” - direcionado aos jovens e utilizando o recurso au- diovisual como disparador de discussões. Os jovens, além de aprenderem a filmar, criar cenografia e atuar, trazendo sempre a realidade e o cotidiano na qual estão inseridos, puderam refletir de modo mais concreto sobre seus projetos e suas histórias de vida. Consideramos que a utilização de equipamentos audiovisuais pode ser um importante instrumento para a criação de novos espaços de sociabilidade em locais desfavorecidos socialmente, pois conforme relatamos, estas pessoas tinham pouco espaço e oportuni- dade de refletir sobre seus projetos de vida, incluindo o projeto profissional.

Para concluir o dispositivo do Fórum permitiu envolver vários segmentos da localidade para debater questões relativas a juventude junto com os jovens. Ele permitiu confron- tar idéias, mobilizar estereótipos, buscar potencializar novas parcerias entre os diversos atores para pensar, imaginar e projetar novos horizontes para os jovens, que levassem em conta os recursos nas dimensões institucionais, políticas, familiares.

Referências

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Sociologies Cliniques. Paris: EPI.

Carreteiro, T. C. (2001). As invisibilidades do sofrimento social (mímeo). Trabalho apresentado em Congresso da ABRAPSO.

Carreteiro, T. C. (2002). Tráfico de drogas, sociedade e juventude. Em C. A. Plastini (Org.), Transgressões. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.

Da Matta, R. (1984). A casa, a rua e o trabalho. Em R. Damatta, O que o faz o brasil,

Gaulejac, Vincent de (2001). Psicossociologia e Sociologia Clínica. Em J. N. G. Araújo & T. C. Carreteiro (Orgs.), Cenários Sociais e Abordagem Clínica (pp. 35-48). São Paulo: Escuta; Belo Horizonte, Fumec.

Goffman, E. (1982). Estigma – notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (4ª edição). Rio de Janeiro: Zahar Ed.

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Rizzini, I. (1997). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância

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Valladares, L. (1991). Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Em R. R. Boschi (Org), Coorporativismo e Desigualdade – a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/Rio Fundo Editora.

Valladares, L. (2005). A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV.

Valladares, L. & Preteceille, E. (1999). Favela, Favelas – unidade ou diversidade da favela

carioca. Trabalho apresentado no Seminário Desigualdade e Pobreza no Brasil. Rio de

Janeiro: IPEA.

Zaluar, A. (1994). A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da

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Zaluar, A. (1996). A globalização do crime e os limites da explicação local. Em G. Velho & M. Alvito (Orgs), Cidadania e Violência. Rio de Janeiro: UFRJ / FGV.

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