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Considerações gerais e características dos hidrogramas de escoamento

G RÂNDOLA

5. Análise hidrológica do período 2001/02 a 2004/05

5.1. Considerações gerais e características dos hidrogramas de escoamento

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Assim, esta variação do caudal encontra explicação na ação humana, situação que foi observada várias vezes, em que se assistiu a um incremento do escoamento no troço da secção CC4 em relação a observações anteriores, sem que tenha ocorrido precipitação em quantidade suficiente para justificar esse aumento. Como tal, não obstante a presença de meios artificiais de retenção (barragens de Corona e da Tapada) não ter uma influência determinante na modificação das características dos regimes anual e mensal da ribeira (Reis, 2006), contribui claramente para alterar o comportamento diário, em particular nas situações de caudal mais reduzido. Como transparece da observação das Figuras 5 e 6, esta influência não se repercute de forma evidente nas situações de caudais médios diários mais elevados ao longo do ano.

Como se compreende, esta situação tem implicações diretas na análise das características hidrológicas da ribeira de Corona, assim como na sua comparação com a ribeira de Grândola para o período 2001/02 a 2004/05.

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e) desfasamento entre o final da chuvada e o ponto da curva de decrescimento (Cd) em que se verifica a inflexão (I) na variação do caudal, ou seja, o tempo de concentração (Tc) (Figuras 8 e 9);

f) características da curva de decrescimento (Cd), no sector imediatamente a seguir ao pico de escoamento, e até ao fim do escoamento direto (Figuras 8 e 9);

g) caracterização da curva de esgotamento (Ce), definida a partir do momento em que se verifica o fim da contribuição do escoamento direto na secção (Figura 9).

A análise do comportamento hidrológico descrito nas alíneas b) a e), pela sua curta duração, baseia-se em dados horários; no caso da alínea f) recorre-se a dados horários e diários. A caracterização da curva de esgotamento – alínea g) –, pela sua duração, que pode abranger vários dias ou mesmo semanas, é efetuada apenas a partir dos dados diários (caudal médio diário).

Os procedimentos implícitos nas alíneas d) a g) incorporam, como se sabe, vários pressupostos, aos quais se associa igual número de incertezas. O tempo de resposta (Tr), definido de forma rigorosa, corresponde ao tempo que medeia entre o centróide da chuvada e o centróide do escoamento (Linsley, 1988; Lencastre e Franco, 1992). No entanto, as dificuldades inerentes à identificação deste último levam geralmente à utilização alternativa do pico de escoamento no hidrograma. Na presente análise optou-se ainda por fazer coincidir o centróide da precipitação com o volume horário mais elevado ao longo da chuvada, visto este corresponder, duma forma geral, a uma suficiente aproximação ao seu centro de gravidade (Figuras 8 e 9).

Por outro lado, o cálculo do tempo de concentração (Tc) das bacias hidrográficas com base no hidrograma afigura-se uma tarefa mais complexa. A dificuldade reside basicamente na identificação do ponto em que se verifica a inflexão (I) na curva de decrescimento do caudal. Em alguns casos, este ponto marca também o final do escoamento direto e o início do esgotamento das reservas subterrâneas. No entanto, após a ocorrência do ponto de inflexão continua a existir, durante algum tempo, escoamento direto resultante da passagem do volume de água armazenado na rede hidrográfica durante o episódio de precipitação. Na prática, é comum observar-se mais do que um ponto de inflexão na curva de decrescimento, o que depende das características físicas das bacias, da estrutura da rede de drenagem e, em particular, das propriedades associadas a cada chuvada (duração e distribuição espacial). Na Figura 8 a curva de decrescimento do caudal em Ponte Vale Joana possui três pontos de inflexão:

um, mais nítido, às 21 horas; e outros dois, menos marcados, às 24 e 5 horas do dia seguinte. Por outro lado, na Figura 9, a curva de decrescimento em Moinho do Bravo possui um ponto de inflexão bastante nítido, enquanto em Ponte Vale Joana ele é impercetível. Em ambos os casos, a curva de esgotamento do caudal não chega a ser alcançada devido à ocorrência de um novo episódio de precipitação.

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Figura 8. Caudal instantâneo horário em Ponte Vale Joana (PVJ) e Moinho do Bravo (MB) e precipitação horária nas estações de Serra de Grândola/Malhadal (SG/M) e da Herdade de Ribeira Abaixo (HRA), entre as 1 horas do dia 30 e as 15 horas do dia 31 de dezembro de 2002. dtQp: desfasamento de tempo entre os caudais de ponta nas duas estações hidrométricas; Tr: tempo de resposta;

Tc: tempo de concentração; Cc: curva de crescimento; Cd: curva de decrescimento.

Figura 9. Caudal instantâneo horário na ribeira de Grândola em Ponte Vale de Joana e na ribeira de Corona em Moinho do Bravo e precipitação horária na estação climatológica de Serra de Grândola/Malhadal (SG/M), entre as 2 horas do dia 20 e as 2 horas do dia 25 de janeiro de 2003.

Ce: curva de esgotamento; para as restantes siglas, ver figura anterior.

0 2 4 6 8

0 2 4 6

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 1 3 5 7 9 11 13 15

Caudal instantâneo

Precipitação horária

Horas

SG/M HRA

Ribª de Grândola (PVJ) Ribª de Corona (MB) dtQp

mm m3/s

I Cd

Tr

Tc Cc

I

0 10 20 30 40

0 2 4 6

2 8 14 20 2 8 14 20 2 8 14 20 2 8 14 20 2 8 14 20 2

Caudal instantâneo

Precipitação diária

Horas

SG/M

Ribª de Grândola (PVJ) Ribª de Corona (MB)

mm m3/s

I Cd Ce

Cd

Tc Tr

Tr

Tr

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A caracterização da curva de esgotamento do caudal implica o conhecimento do momento em que o escoamento direto cessa por completo e o escoamento no curso de água passa a depender exclusivamente do escoamento de base. A dificuldade reside na definição do tempo base da duração do escoamento direto, considerado constante para cada bacia hidrográfica, o qual é incerto e dependente do método de separação do escoamento de base. Este tempo base é geralmente curto quando o escoamento direto inclui apenas o escoamento superficial, mas consideravelmente mais longo quando inclui também o escoamento subsuperficial (Chow et al., 1988). Na prática, é frequentemente difícil efetuar uma separação rigorosa entre os sectores da curva de decrescimento. A presença de um armazenamento superficial importante no contexto de cada bacia hidrográfica, quer através da presença de estruturas hidráulicas quer pela existência de planícies inundáveis, produz também uma modificação das condições de escoamento e alteração das características de cada hidrograma. Esta situação poderá ser importante na bacia hidrográfica de Corona, embora não seja possível a sua quantificação.

A determinação do ponto de separação entre o escoamento direto e o escoamento resultante exclusivamente do contributo das águas subterrâneas pode ser efetuada recorrendo a fórmulas empíricas como, por exemplo, a apresentada por Linsley et al.

(1988)

t(d) = 0,87A0,2, (1)

em que t(d) é o tempo, em dias, entre o pico de escoamento e o início da curva de esgotamento, e A é a área da bacia hidrográfica, em km2. Obteve-se, assim, com base nesta expressão, um valor de cerca de 2,5 dias para ambas as sub-bacias de Ponte Vale Joana e Moinho do Bravo. Este valor apresenta uma forte concordância com os valores encontrados, embora para um número reduzido de situações, com base na inspeção visual de curvas de decrescimento representadas graficamente em escala logarítmica.

Como o decréscimo tende a seguir uma função exponencial, a sua representação neste tipo de escala tende para uma reta. Deste modo, uma modificação substancial da inclinação da reta identifica o ponto que separa as duas curvas. Os valores encontrados variaram de 2 a pouco mais de 3, embora se detete a tendência para a curva de esgotamento se iniciar mais tarde em Moinho do Bravo. Adotou-se, assim, o valor de 3 dias, ao longo dos quais se processa a diminuição e cessação do escoamento direto nas sub-bacias, iniciando-se, portanto, o esgotamento das reservas subterrâneas a partir do 4.º dia.

A análise típica do hidrograma pressupõe geralmente a presença de um conjunto de características-padrão, que se baseiam na homogeneidade e na constância dos eventos de precipitação. No entanto, na prática, estas condições raramente se verificam. Na verdade, mesmo para bacias hidrográficas de dimensões relativamente reduzidas, da ordem dos 200 km2, tais como as que são definidas pelas duas estações hidrométricas de Ponte Vale Joana e Moinho do Bravo, raramente a precipitação útil se distribui de forma homogénea ao longo de toda a área de drenagem, e com intensidade constante ao longo

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de cada chuvada. Este facto foi já comprovado com base nos dados das estações climatológicas de Serra de Grândola/Malhadal e Herdade de Ribeira Abaixo, apesar da distância entre elas não exceder 7,5 km (Reis, 2006). Por isso, é preferível, sempre que possível, selecionar eventos associados a chuvadas de curta duração, visto que estas têm maior possibilidade de atingir uma intensidade praticamente constante ao longo do período de precipitação. No entanto, o principal problema coloca-se na incerteza acerca da distribuição espacial desses eventos pluviométricos. Chuvadas intensas em setores restritos da bacia hidrográfica, mas próximos da secção de medição, podem fornecer tempos de resposta demasiado curtos e uma magnitude do caudal mais pequena para valores elevados de precipitação, pelo que a sua extrapolação para o conjunto da bacia hidrográfica pode mostrar-se errónea.

Um exemplo dos efeitos resultantes das diferenças de duração, intensidade e distribuição espacial da precipitação pode ser observado na Figura 10. A chuvada ocorrida das 5 às 8 horas do dia 16 de Setembro de 2002 concentrou-se essencialmente no sopé da serra de Grândola – quase 46 mm nas 4 horas e máxima horária que ultrapassou 27 mm –, ou seja, no setor da bacia logo a montante da estação de Ponte Vale Joana (PVJ). Pelo contrário, na parte montante da bacia, o valor acumulado e a intensidade máxima para esse período alcançaram somente 16 mm e 5,4 mm/h. Como consequência, o pico de escoamento atingiu-se rapidamente neste troço da ribeira de Grândola, ocorrendo na estação de Ponte Vale Joana 3 horas após o início da precipitação, como resposta à chuvada próxima.

O segundo pico de escoamento, mais fraco, aparece apenas 3 horas após o anterior, como resultado da afluência da água precipitada no setor superior da bacia hidrográfica. O forte caudal gerado no setor intermédio da ribeira de Grândola em meados de Setembro, numa fase do ano hidrológico em que o armazenamento de água no solo é ainda bastante reduzido (a precipitação acumulada desde o início do mês não chegou, em ambas as estações climatológicas, a 20 mm e não existiu precipitação nas 13 horas anteriores à chuvada), e, portanto, a capacidade de retenção é potencialmente muito elevada, apenas se explica pela grande intensidade da chuvada logo no seu início, com um valor certamente muito superior à capacidade de infiltração dos solos. Mais a sul, na bacia hidrográfica da ribeira de Corona, a resposta do escoamento ocorre 5 horas após o início da chuvada e, embora o caudal de ponta do hidrograma ocorra apenas 2 horas após o início da curva de crescimento (tal como sucede em PVJ), é de muito menor magnitude e possui um retardamento de 1 hora em relação ao segundo pico de escoamento (ou seja, 3 horas em relação ao primeiro) na ribeira de Grândola. Os dois hidrogramas possuem ainda uma curva de decrescimento do escoamento muito contrastada. Na estação de Ponte Vale Joana o decréscimo é muito acentuado, atingindo-se rapidamente a curva de esgotamento do caudal 7 a 8 horas após o segundo pico de escoamento. Nos eventos com estas características, em situações em que os solos ainda possuem grande disponibilidade para armazenamento de água e o nível freático encontra-se bastante baixo, a água armazenada na rede de drenagem a montante, durante a chuvada, raramente atinge os troços inferiores da bacia hidrográfica, pois desaparece gradualmente ao longo do leito

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no seu trajeto para jusante. Pelo contrário, na ribeira de Corona, a variação da curva de decrescimento em Moinho do Bravo possui uma inclinação bastante inferior e apenas cerca de 12 horas após o pico de escoamento o caudal parece aproximar-se do comportamento típico da curva de esgotamento, entretanto interrompido pela ocorrência de pequenos quantitativos de precipitação. A curva de decrescimento nesta estação apresenta ainda dois setores com inclinações ligeiramente distintas, antes e após as 16 horas, o que, a confirmar-se como um comportamento padrão do curso de água neste sector, traduziria uma grande capacidade de armazenamento temporário da bacia hidrográfica, levando ao prolongamento do tempo da curva de decrescimento entre o ponto de inflexão e o início da curva de esgotamento. Ademais, e como consequência do anterior, o tempo de concentração da bacia hidrográfica em Moinho do Bravo poderia ser estimado em cerca de 11 horas, considerando o tempo decorrido entre aquele ponto e o centróide da chuvada, que, pela sua intensidade, pode ser considerado coincidente com a precipitação na primeira hora. Todavia, a falta de dados de precipitação horária para este período nas estações que enquadram a bacia hidrográfica (Herdade de Ribeira Abaixo, Azinheira de Barros e São Domingos) não permite confirmar estas ilações, visto que a curva de decrescimento pode estar influenciada pela presença de precipitação noutros setores da bacia hidrográfica. Por esse motivo, a presença de várias estações pluviométricas em setores distintos das bacias hidrográficas é condição essencial para uma maior segurança dos valores obtidos na análise da resposta do escoamento a cada chuvada.

Figura 10. Caudal instantâneo horário nas ribeiras de Grândola (PVJ)e de Corona (MB) e precipitação horária nas estações climatológicas de Grândola (Grd) e de Serra de Grândola/Malhadal (SG/M), entre as 3 horas do dia 16 e as 8 horas do dia 17 de setembro de 2002.

0 3 6 9 12 15 18

0 5 10 15 20 25 30

3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 1 3 5 7

Horas Grd SG/M

Ribª de Grândola (PVJ) Ribª de Corona (MB)

Qi P (mm)

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A Figura 11 complementa a descrição anterior e põe em evidência alguns problemas associados à utilização da precipitação para análise do hidrograma. Um dos aspetos mais importantes a destacar relaciona-se com a grande variação da intensidade da precipitação ao longo de um curto espaço de tempo, assim como as diferenças bastante elevadas nos quantitativos de precipitação entre as duas estações. Na chuvada inicial, que se estendeu de forma contínua ao longo de 17 horas, a intensidade máxima, tanto quanto os dados horários permitem conhecer, foi de 6,1 mm/h em São Domingos (SD) e apenas 2,4 mm/h em Serra de Grândola Malhadal (SG/M). Neste caso específico, a precipitação ocorreu essencialmente na primeira estação, situada logo a sul da bacia hidrográfica de Corona, junto à margem direita; nesta, caíram 32 mm durante aquele período, e somente pouco mais de 12 mm em SG/M. No entanto, constata-se também que o tempo entre o início da precipitação e o início da subida do caudal na estação de Moinho do Bravo – 16 horas –, é claramente exagerado em relação ao comportamento mais comum da ribeira neste sector, como se verá de seguida. De facto, ou a precipitação inicial caiu essencialmente fora da bacia hidrográfica ou, mais provavelmente, os quantitativos ocorridos nas primeiras horas não se transformaram em precipitação útil, ou seja, ficaram armazenados na bacia hidrográfica através da interceção, infiltração e acumulação. A observação da evolução da precipitação horária indicia claramente que a chuvada se prolongou para norte, em direção ao sector montante da bacia hidrográfica, tendo ocorrido as precipitações mais intensas 5 horas após o seu início, tanto na estação de São Domingos como na de Serra de Grândola/Malhadal, esta situada próximo do limite superior da bacia hidrográfica.

A partir do início do aumento do escoamento, a subida do caudal processa-se de forma relativamente rápida ao longo de 8 horas, atingindo o valor máximo em 13 horas, valor este que permanece constante ao longo das 6 horas seguintes. O hidrograma apresenta um aspeto característico, mas pouco comum em áreas de drenagem com esta dimensão (são, contudo, mais frequentes em bacias mais pequenas), associado a chuvadas prolongadas, com duração superior ao tempo de concentração da bacia hidrográfica. Por isso, os valores na parte superior do hidrograma mantêm-se bastante próximos entre si ao longo de 13 horas, duração que, como se compreende, é similar, mas ligeiramente inferior ao da duração da chuvada.

Por seu lado, a curva de decrescimento do caudal encontra-se alterada pela ocorrência de episódios de precipitação isolados, posteriores à chuvada inicial, pelo que não reflete as condições de diminuição associadas exclusivamente às características físicas (e humanas) da bacia hidrográfica.

Por último, deve-se realçar o facto da forte chuvada ocorrida já na fase de decréscimo do caudal, onde se chegaram a atingir 11 mm/h em São Domingos, não ter tido importância visível na modificação do escoamento. A interpretação para esta situação não pode ser outra senão o facto da chuvada se ter ficado pela área a sul da bacia hidrográfica, não chegando a afetá-la. Neste caso específico, os quantitativos ocorridos na estação de Serra

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de Grândola/Malhadal são, portanto, mais representativos da distribuição da precipitação na bacia hidrográfica ao longo deste período. Estas situações põem em destaque a importância de utilizar mais do que um local como fonte de informação pluviométrica com vista à análise dos hidrogramas. A existência de dados horários de precipitação nas estações de Grândola, Herdade de Ribeira Abaixo e Azinheira de Barros para este período forneceria, certamente, informações adicionais importantes para a explicação do comportamento hidrológico da ribeira de Corona em Moinho do Bravo.

Figura 11. Evolução do caudal instantâneo horário na ribeira de Corona em Moinho do Bravo (MB) e da precipitação horária nas estações climatológicas de Serra de Grândola/Malhadal (SG/M) e São Domingos (SD), entre a 1 hora do dia 7 e as 24 horas do dia 9 de abril de 2002.