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UM MODELO DE ANÁLISE TEXTUAL ORIENTADO PARA TRADUÇÃO

3. OS FATORES DE ANÁLISE DO TEXTO FONTE

3.0. Considerações gerais

Vamos reafirmar, então, que a função comunicativa é o critério de- terminante para a textualidade, à qual as características semânticas e sintáticas do texto são subordinadas. Expressões sem coerência semântica bem como declarações sem as necessárias propriedades formais e sintáticas de coesão são consideradas “textos” pelos seus receptores, desde que preencham uma função comunicativa. Na tra- dução profissional, textos fonte são frequentemente deficientes e, ainda assim, têm uma função comunicativa às quais normalmente satisfazem, e também devem ser traduzidos. Como qualquer outro receptor, os tradutores reconhecem os defeitos e os compensam, tan- to na compreensão como na fase de transferência, mediante sua com- petência de recepção textual e seus conhecimentos gerais do mundo. Assim, os fatores da situação comunicativa em que o texto fonte é utilizado são de importância decisiva para a análise dos textos porque determinam sua função comunicativa. Nós os cha- mamos de fatores “extratextuais” ou “externos” (por oposição aos fatores “intratextuais” ou “internos” relacionados ao próprio texto,

68 H. G. Gadamer, Wahrheit und Methode, p. 250. 69 Idem, p. 277.

incluindo os seus elementos não verbais). Os fatores extratextuais podem, evidentemente, ser mencionados no texto, ou seja, “verba- lizados”, e nesse caso falamos de “expressões metacomunicativas”. O jogo entre os fatores extratextuais e intratextuais pode ser conve- nientemente expresso na seguinte “Fórmula Q”.70 Dependendo da

sua relação com a situação comunicativa ou com o próprio texto, essas questões podem ser atribuídas aos fatores de análise extratex- tuais ou intratextuais.

Quem transmite Para quê Para quem Por qual meio Em qual lugar Quando Por quê Com qual função

Sobre qual assunto ele diz O quê

(o que não) Em qual ordem

Usando quais elementos não verbais Com quais palavras

Em quais orações Com qual tom Com qual efeito?

70 Datada do século II a.C., quando o estoico Hermagoras de Temnos cunhou a fórmu- la “quis quid quando ubi cur quem ad modum quibus adminiculis”, a qual foi conver- tida em um hexâmetro por Mateus de Vendôme (Mathaeus Vindocinensis) em 1170 (“Quis quid ubi quibus auxiliis cur quomodo quando?”), essa fórmula foi introduzida na Nova Retórica Americana por Harold Dwight Lasswell em 1948: “Who says what in which channel to whom with what effect?” [“Quem diz o quê, em que canal, a quem, com que efeito?”]. Mais tarde, Mentrup (1982, p. 9) adotou-a, de uma maneira am- pliada, como “cadeia pragmática universal” [“Quem faz o quê, quando, por que razão, como, para quem, com que efeito?”] para os estudos lexicológicos e de tipologia textu- al. Reiss (1984), Bühler (1984) e Hönig (1986) discutiram sua aplicabilidade na análise de textos orientada para a tradução. Interpretamos essas questões em relação à sua im- portância para a tradução, parcialmente de forma mais restritiva e parcialmente com um sentido levemente diferente. A especificação de fatores intratextuais já mostrados no presente capítulo será justificada em detalhes no Capítulo 3.2.0. Uma distinção que gostaríamos de salientar é aquela entre a intenção do emissor (“para quê”), a função do texto (“com qual função”) e o efeito do texto (“para qual efeito”).

Os fatores extratextuais são analisados mediante a solicitação de informações sobre o autor ou emissor do texto (quem?), a intenção do emissor (para quê?), o público para o qual o texto é direcionado (para quem?), o meio ou canal pelo qual o texto é comunicado (por qual meio?), o lugar (em qual lugar?), o tempo da produção e recep- ção do texto (quando?) e o motivo da comunicação (por quê?). O conjunto de informações referentes a esses sete fatores extratextuais pode fornecer uma resposta à última questão, que diz respeito à função que o texto pode alcançar (com qual função?).

Os fatores intratextuais são analisados mediante solicitação de informações sobre o tema de que o texto trata (sobre qual assun- to?), a informação ou conteúdo apresentados no texto (o quê?), as pressuposições de conhecimento feitas pelo autor (o que não?), a estruturação do texto (em qual ordem?), os elementos não lin- guísticos ou paralinguísticos que acompanham o texto (utilizando quais elementos não verbais?), as características lexicais (com quais palavras?) e as estruturas sintáticas (com/em quais orações?) que são encontrados no texto, e as características suprassegmentais de entoação e prosódia (com qual tom?). Os fatores extratextuais são analisados antes da leitura do texto, simplesmente pela observação da situação em que o texto é utilizado. Desta forma, os receptores criam certa expectativa quanto às características intratextuais do texto, mas só quando, através da leitura, comparam essa expectativa às características tangíveis do texto é que sentem o efeito particular que o texto exerce sobre eles. A última pergunta (com qual efeito?) refere-se, portanto, a um conceito global ou holístico, que inclui a interdependência dos fatores extratextuais e intratextuais.

Uma vez que a situação normalmente precede a comunicação textual e determina a utilização dos procedimentos intratextuais, parece natural começar a análise pelos fatores externos, ainda que, em vista da recursividade e da circularidade, a ordem dos passos

analíticos não seja um componente essencial do modelo. Na comu- nicação escrita, a situação é frequentemente documentada no pa- ratexto (ou seja, no título e/ou nas referências bibliográficas, como o nome do autor, lugar e ano de publicação, tiragem etc.). Isso é o que se costuma chamar uma análise “top down”, isto é, de cima para baixo. Se nenhuma informação sobre os fatores externos pode ser constatada a partir do paratexto (por exemplo, no caso de textos antigos cuja situação original de produção e/ou de recepção seja incerta ou desconhecida), a análise das características intratextu- ais pode render, mais uma vez através do procedimento recursivo, informações com as quais o tradutor é capaz de estabelecer conjec- turas relativamente confiáveis acerca da situação em que o texto foi utilizado.71 Este último procedimento é chamado de “bottom-up”,

isto é, de baixo para cima.

A aplicação do modelo vai mostrar que, normalmente, os dois procedimentos têm que ser combinados, demonstrando uma vez mais o seu caráter recursivo.

Nos capítulos seguintes, examinaremos as dimensões extratex- tuais e, em seguida, as dimensões intratextuais da análise textual orientada para a tradução. Gostaríamos de terminar com uma re- presentação esquemática da interdependência de todos os fatores, ilustrada por meio de um texto amostra. Com a finalidade de mos- trar o estado da arte no que diz respeito à análise textual orientada à tradução no âmbito da língua alemã, cada capítulo começa com uma pequena revisão das principais publicações que utilizamos na elaboração do modelo analítico.

71 Sob a questão geral “Para além da mensagem comunicada, que outro tipo de infor- mação nos dá a palavra?” Crystal; Davy (1969, p. 81) listam um catálogo de 13 subper- guntas, como: “nos diz qual pessoa específica o usou? (individualidade)”, “nos diz de qual região do país ele é? (dialeto regional)”, “nos diz a qual classe social ele pertence? (dialeto de classe)” etc.

3.1. Fatores extratextuais