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UM MODELO DE ANÁLISE TEXTUAL ORIENTADO PARA TRADUÇÃO

3. OS FATORES DE ANÁLISE DO TEXTO FONTE

3.1. Fatores extratextuais 0 Noções básicas

a. O estado da arte

Basicamente, os fatores situacionais (em particular, emissor e intenção do emissor, receptor e função do texto) são levados em conta por todos os autores, embora não sejam sempre tratados com grandes detalhes. Reiss,72 por exemplo, sublinha a importân-

cia do tipo de texto e função do texto, enquanto Koller73 limita

a vertente pragmática para as características do receptor. Wilss74

aponta para a importância da “relação entre o emissor e o recep- tor” e o “papel social” dos dois participantes, enquanto Thiel75 su-

blinha a relevância dos “pressupostos de conhecimento” no que diz respeito ao receptor.

Os fatores da situação comunicativa (os quais, no sentido estrito da palavra, se referem ao lugar e ao tempo, e por vezes à motivação para a comunicação) não são, em sua grande parte, discutidos em detalhes, mas incluídos no conceito de “pressupostos situacionais”. Este conceito geralmente inclui não apenas as características da si- tuação comunicativa do TF, mas também as características do con- texto comunicativo do emissor e do receptor.76

72 K. Reiss, „Ist Übersetzen lehrbar?“; K. Reiss, „Zeichen oder Anzeichen. Probleme der AS-Textanalyse im Blick auf die Übersetzung“.

73 W. Koller, op. cit., 1979. 74 W. Wills, op. cit., 1977.

75 1974b; G. Thiel, „Führt die Anwendung linguistischer Analysemodelle zu einer Übersetzungsdidaktisch relevanten Textanalyse?“, in W. Wilss & G. Thome (Eds.), As-

pekte der theoretischen, sprachenpaarbezogenen und angewandten Sprachwissenschaft,

vols. 1 e 2, Saarbrücken, Heidelberg, Universität des Saarlandes. Institut für Überset- zen und Dolmetschen, 1974.

O emissor e a intenção são geralmente tratados como per- tencentes a uma mesma dimensão. Decidimos tratá-los como fatores separados no nosso modelo porque seus efeitos sobre os fatores intratextuais podem ser claramente diferenciados. Por um lado, vários textos ou, de fato, todos os textos escritos pelo mesmo autor podem apresentar, independentemente da sua in- tenção, certas características idiossincráticas, que dependem da biografia do emissor (idade, sexo, origem geográfica e social, ní- vel de educação etc.). Por outro lado, diversos emissores podem querer atingir a mesma intenção em seus textos, utilizando-se de recursos iguais ou semelhantes de expressão. A diferença é pertinente para a tradução porque — pelo menos em textos não literários — as características idiossincráticas são muitas vezes menos importantes para o receptor do TA do que as característi- cas intencionais, ainda que possam causar mais dificuldades de compreensão para o tradutor.

Para além da intenção do autor, temos que considerar tam- bém a expectativa que o público carrega ao ler ou ao “receber” o texto. Se não houver informações extratextuais sobre as expec- tativas do público pretendido, pode ser difícil para o tradutor reconstruí-las — quanto maior a distância temporal, espacial ou cultural da situação comunicativa original, mais difícil será a tarefa.77 No entanto, é essencial para o tradutor tentar analisar

as expectativas do receptor do TF, uma vez que essas devem ser comparadas às do receptor do TA. Não parece prático, no en- tanto, considerar as expectativas dos receptores um fator com- pletamente diferente, porque elas estão intimamente ligadas à personalidade do receptor.

b. Situação externa versus situação interna

Ao classificar os fatores situacionais como “fatores extratex- tuais” temos que fazer a seguinte distinção fundamental. Quando nos referimos à “situação”, estamos falando da situação real na qual se utiliza o texto como um meio de comunicação, e não de qual- quer situação imaginária de uma história em um texto de ficção. As características de uma pessoa que fala em um texto ficcional não pertencem à dimensão do emissor, tal como nós a entendemos, mas têm que ser consideradas um fator intratextual que é analisado no contexto da dimensão intratextual do “conteúdo”. É o autor do texto que deve ser considerado “produtor” da situação fictícia, conside- rando-se que o orador fictício é um emissor “secundário” (E’).78

Essa distinção também se aplica aos chamados tipos de tex- tos complexos,79 nos quais um texto de determinado gênero está

inserido dentro de um hipertexto pertencente a outro gênero. Tipos de texto complexos não ocorrem apenas na ficção, mas também em não ficção. Por exemplo, os autores de notícias jor- nalísticas muitas vezes citam observações feitas por terceiros li- teralmente, a fim de mostrar que eles não compartilham dessa opinião. Nesse caso, o emissor da citação não é idêntico ao emis- sor no hipertexto.

78 Reiss (1984) ilustra a interrogativa “Quem?” com a personagem fictícia Judy no ro- mance Daddy Long-legs de Jean Webster, mas Judy não é nem a emissora do romance nem a autora das cartas que escreve, porque ambos foram escritos por Jean Webster, que permite que a personagem fictícia Judy atue — e escreva cartas de acordo com a sua própria intenção. Na situação (fictícia) de correspondência, Judy é, de fato, a au- tora das cartas, mas esta é uma “situação interna” que não deve ser confundida com a situação comunicativa “real”. Em outro artigo em que Reiss utiliza o mesmo exemplo, ela se refere corretamente à Judy como “emissora secundária” que atua em uma “situ- ação comunicativa interna” (1980b).

Exemplo 3.1.1/1

Depois que o rei Juan Carlos da Espanha recebeu um doutorado honorário da Universidade de Nova York, o jornalista que escreveu sobre o evento em um jornal espanhol citou passagens do discurso de agradecimento do monarca. Para a tradução da citação, o rei tem que ser considerado emissor; já para a tradução da reportagem, o jornalista é o emissor (e autor). A formulação dos dois textos tem que estar de acordo com as diferentes situações e posições dos dois emissores.

Para textos complexos, tanto ficcionais como não ficcionais, é aconselhável analisar os textos constituintes separadamente de acordo com o princípio da recursividade. A informação necessá- ria sobre os fatores situacionais do intratexto é geralmente dada no hipertexto.

c. Estrutura sistemática para análise extratextual

Se quisermos englobar a situação toda de um texto por meio de um modelo que sirva para a análise de qualquer texto com qualquer skopos possível de tradução, temos que fazer a seguinte pergunta fundamental: Que tipo de informações sobre os vários fatores po- dem ser relevantes para a tradução?

Neubert80 indica “idade, origem, ambiente social, educação etc.”

como informações relevantes a respeito do usuário da língua. Ver- meer81 relaciona atitude, status, papel, estratégia, comportamento

e atividade. Schmidt82 enumera os seguintes dados: (a) condições

80 A. Neubert, „Pragmatische Aspekte der Übersetzung“, p. 60.

81 H. J. Vermeer, „Interaktionsdeterminanten- ein Versuch zwischen Pragma und So- ciolinguistic“, p. 23.

socioeconômicas (papel, status, situação econômica), (b) condições socioculturais e intelectuais-cognitivas (conhecimento do texto e de mundo, educação, experiência, modelos de realidade) e (c) con- dições físicas e biográficas (competências e disposições individuais, situação biográfica atual, planos, intenções). Gülich e Raible83 ainda

consideram “tom, alegria, mau humor” e a imagem que o emissor e o receptor têm um do outro como fatores que podem influenciar o ato comunicativo.

Essa lista não está nada completa, mas mostra claramente que a situação ou o mundo de um texto não pode ser analisado por uma mera compilação de detalhes informativos. Temos que en- contrar as categorias que nos fazem entender o mundo e que serão válidas igualmente para o mundo de um texto, isto é, a sua situa- ção histórica.

“Os fatos no espaço lógico são o mundo”, Ludwig Wittgenstein diz em seu Tractatus,84 e isso significa que “fatos” são produzidos

pela lógica que liga o conjunto das relações (“mundo”). Isso tam- bém é válido para a situação de um texto.

a. As categorias básicas de qualquer situação são o tempo e o espaço. A categoria de tempo também inclui o conceito his- tórico que um mundo tem de si mesmo. O primeiro aspecto fundamental da análise será, consequentemente, as dimen- sões local e temporal da situação.

b. A situação de um texto é sempre uma parte da cultura huma- na. O segundo aspecto fundamental da análise, então, deve se referir às características culturais da situação.

c. No seu mundo, o texto tem uma função que estabelece a sua textualidade. O terceiro aspecto fundamental, então, inclui

83 E. Gülich, W. Raible, Linguistische Textmodelle, p. 28. 84 Ludwig Wittgenstein, Tractatus logico-philosophicus, p. 31.

o relacionamento entre a situação e a função comunicativa do texto.

A função comunicativa de um texto deve ser considerada no âmbito das funções comunicativas transculturais, possivelmente universais, da linguagem em geral.85

Combinando os modelos de Bühler86 e Jakobson,87 chegamos

a quatro funções básicas de comunicação: (a) a função referencial (também denotativa ou cognitiva), focada no referente ou no con- texto ao qual refere-se o texto, (b) a função expressiva ou emotiva, voltada para o emissor, suas emoções ou sua atitude para o referen- te, (c) a função apelativa (também operativa, conativa, persuasi- va ou vocativa), centrada na orientação do texto para o receptor, e (d) a função fática, que serve principalmente para “estabelecer, para prolongar ou para suspender a comunicação entre o emis- sor e o receptor, para verificar se o canal funciona, para atrair a atenção do interlocutor ou para confirmar ou manter sua aten- ção permanentemente”.88 A nosso ver, a função fática é também

85 K. Reiss, H. J. Vermeer, op. cit., 1984, p. 150. 86 K. Bühler, op. cit., 1934.

87 R. Jakobson, Linguistics and poetics, closing statement. As três principais funções da linguagem de Bühler (representação, expressão e apelo) foram complementadas pelas funções fática, poética e metalinguística de Jakobson. Em nosso entender, a função metalinguística pode ser considerada uma subfunção da função de repre- sentação ou referencial (sendo o objeto de referência a língua em geral ou uma língua específica) e a função poética, um meio de apoiar a função expressiva ou a função apelativa-operativa (Jakobson fala de função conativa). Portanto, em nossa opinião, é apenas a função fática (ou seja, a orientação “ao meio de contato”, que serve para estabelecer, prolongar ou descontinuar a comunicação, de acordo com Jakobson 1960, p. 355) que realmente falta no modelo de Bühler e, consequente- mente, nas tipologias textuais baseadas em seu modelo, tal como a apresentada por Reiss (1971).

responsável pelo desenvolvimento do relacionamento social entre o emissor e o receptor.89

Além do espaço, do tempo e da cultura, é a influência de tais funções básicas90 que constitui o “mundo” de um texto. Elas forma-

rão, então, o quadro sistemático para a gama de possíveis questões que podem ser colocadas em relação aos fatores situacionais do nos- so modelo analítico (veja as perguntas no modelo do “questionário” no final de cada capítulo). A fim de ilustrar a interdependência dos fatores e dimensões, a última pergunta sempre fará referência às expectativas levantadas pela análise do fator em questão.

3.1.1. Emissor

a. Emissor versus produtor do texto

Nas Figuras 1 e 2, separamos os papéis do emissor e do produtor do texto (Capítulo 1.1.1). Embora em muitos casos essas duas fun- ções estejam combinadas em uma mesma pessoa (por exemplo, no caso de obras literárias, livros ou comentários jornalísticos, que são normalmente assinados com o nome do autor), a distinção parece ser muito relevante para a análise textual orientada à tradução.91

89 Christiane Nord, Kommunikativ handeln auf Spanisch und Deutsch. Ein übersetzun- gsorientierter funktionaler Sprach und Stilvergleich, p. 4.

90 Além da sua utilização nas aulas de tradução (também NORD, 2001c, 2001d), o modelo de quatro funções foi aplicado na análise e comparação intercultural de títu- los e cabeçalhos (NORD, 1995), na análise da tradução da Bíblia (NORD, 2002) e na comparação das convenções gerais de estilo em espanhol e alemão (NORD, 2003). 91 Essa distinção não é feita pelos autores cujos artigos sobre análise de texto orientada à tradução foram consultados. Reiss fala do autor ou escritor (1974a, 1980a) ou do emissor (1984), Thiel e Wilss falam em geral do emissor, Bühler do autor; Cartellieri (1979) refere-se à pessoa que emite o texto como “originador” e não especifica se isso significa o produtor do texto ou o emissor.

Muitos textos não têm nome de autor algum. São geralmente textos não literários para utilização prática, tais como textos publi- citários, leis e estatutos, ou instruções de funcionamento. Todavia, deve haver um emissor que, mesmo não expressamente mencio - nado, possa ser identificado implicitamente. Por exemplo, o emis- sor de uma mensagem publicitária é normalmente a empresa que vende o produto, e o emissor de uma lei é normalmente o organis- mo legislativo do estado. O fato de nenhum produtor do texto ser nomeado nesses casos leva à conclusão de que eles não são relevan- tes como indivíduos ou — como é o caso de determinados gêneros — não querem ser conhecidos.

Se um texto tem o nome tanto do seu emissor como do seu produtor (Exemplo 3.1.1/1), este último em geral desempenha um papel secundário, porque não se espera que introduza qualquer in- tenção comunicativa própria no texto.

O emissor de um texto é a pessoa (ou instituição etc.) que o utiliza a fim de transmitir certa mensagem para outra pessoa e/ou para produzir um determinado efeito,92 contanto que o produtor

do texto o tenha escrito de acordo com as instruções do emissor, em conformidade com as regras e normas vigentes de produção do texto na respectiva língua e cultura. A exibição formal do texto, incluindo aspectos como a sua disposição na página, pode ser atri- buída a outro especialista (por exemplo, um designer), e, em alguns casos, o texto é apresentado ao público por uma outra pessoa ainda (por exemplo, o âncora de um telejornal ou um ator).

92 O emissor não deve ser confundido com o meio. Se um relatório assinado por um autor é publicado em uma revista, não é o editor da revista, mas o autor do relatório, que deve ser considerado emissor, pois é ele quem deseja comunicar suas impressões ao leitor. Ele poderia ter publicado o artigo usando também qualquer outro meio.

Exemplo 3.1.1/1

No verso de uma brochura de informações turísticas da cidade de Munique lê- -se o seguinte: “Editado pelo Serviço de Informações Turísticas de Munique [...]. Texto: Helmut Gerstner”. O Serviço de Informações Turísticas, que pretende informar os visitantes e promover as belezas da cidade, é o emissor do texto. Helmut Gerstner é o produtor do texto e a pessoa responsável pelos seus re- cursos estilísticos, mas não pela intenção do emissor. As versões em inglês, francês e espanhol da brochura contêm as mesmas informações, o que, neste caso, está obviamente errado. Embora o Serviço de Informações Turísticas seja o emissor desses textos, são os respectivos tradutores que devem ser conside- rados produtores do texto. Os seus nomes devem ser mencionados, além do, ou em vez do, de Helmut Gerstner.

Como mostra o exemplo, é normalmente o paratexto (infor- mação legal, indicação da fonte, referência bibliográfica etc.) que fornece a informação sobre se o emissor e o produtor do texto são pessoas diferentes ou não. Se o nome do autor é o único dado, ele pode ser normalmente atribuído ao produtor do texto. No entanto, esta não pode ser considerada uma regra rígida, como mostra o exemplo a seguir.

Exemplo 3.1.1/2

No seu livro Estudio sobre el cuento contemporáneo español (Madrid 1973), Erna Brandenberger incluiu o conto Pecado de omisión, da autora espanhola Ana María Matute, para exemplificar um tipo de enredo que ela chama de “his- tória de movimento rápido”. Para a versão alemã do livro, Brandenberger (como emissora e tradutora) traduziu a história com a intenção de mostrar as caracte- rísticas deste tipo de enredo. Se a mesma história é publicada em uma coleção de contos modernos espanhóis, no entanto, é a própria autora que atua como

emissora, e no caso de ser traduzido seria a sua intenção que determinaria as estratégias de tradução.

A situação de um tradutor pode ser comparada à do produtor do texto. Apesar de ambos terem de seguir as instruções do emissor ou iniciador e cumprir as normas e regras da língua e da cultura alvo, geralmente lhes é permitido exercer o livre arbítrio quanto à sua própria criatividade e às suas preferências estilísticas, se assim o desejarem. Por outro lado, podem decidir manter as características estilísticas do texto fonte, desde que sua imitação não viole as nor- mas e convenções textuais da cultura alvo.

Outro aspecto a ser considerado é saber se um texto tem um ou mais emissores (monólogo versus diálogo, pergunta/resposta, de- bate, troca de papeis entre emissor e receptor etc.). Se houver mais do que um emissor, os dados correspondentes devem ser analisados para cada um deles.93

b. Informações relevantes sobre o emissor

Que informações sobre o emissor são relevantes para a tradu- ção? Reiss94 aponta para “a influência do autor na formulação do

texto”; Wilss95 e Thiel96 salientam a relação com o receptor e o “pa-

pel social”, enquanto Cartellieri97 demonstra interesse no “entor-

no sociológico particular”. Uma vez que o “papel” é definido pela

93 Essa questão é discutida por Crystal e Davy (1969, p. 69) no contexto de participa- ção no discurso. Os autores atribuem especial atenção à distinção entre fala e escrita, admitindo, no entanto, que o diálogo não se limita à língua falada, uma vez que tam- bém existem diversas formas de diálogo em linguagem escrita (como preenchimento e retorno de formulários, correspondência etc).

94 K. Reiss, op. cit., 1974a. 95 W. Wilss, op. cit., 1977. 96 G. Thiel, op. cit., 1978a.

situação e não pela pessoa, nós preferimos lidar com esse aspecto no contexto da dimensão da intenção (Capítulo 3.1.2). Juntamen- te com Vermeer98 gostaríamos de fazer distinção entre o papel e

o status (ou seja, a personalidade do emissor como parte de uma comunidade cultural, linguística e comunicativa). No âmbito do quadro estabelecido por tempo, espaço, cultura e as funções básicas da comunicação, o que consideramos relevante para a tradução são todos os dados que possam trazer esclarecimento sobre a intenção do emissor, sobre o público pretendido com sua bagagem cultural, sobre o lugar, o tempo e o motivo da produção do texto, bem como qualquer informação sobre as características intratextuais previsí- veis (tais como idiossincrasias, dialeto regional e social, caracterís- ticas temporais, pressuposições de conhecimento etc.).99

Exemplo 3.1.1/3

a. Se um texto for escrito em espanhol, pode ser importante para a sua com- preensão saber se o autor é da Espanha ou da América Latina, uma vez que um grande número de palavras são usadas com significados diferentes em países 98 H. J. Vermeer, „Zur Beschreibung des Übersetzungsvorgangs“, p. 3.

99 Um catálogo de perguntas definitivo seria impossível. Listaremos apenas alguns exemplos: De onde vem o emissor? (Esta questão aponta, por exemplo, para as dimen- sões do receptor e o espaço, e para a probabilidade de dialeto regional.) Quando ele escreveu? (Esta questão pode esclarecer o motivo ou o tempo da produção do texto, a variedade histórica da língua, uma possível limitação a tipos de texto específicos de uma época.) Quais eventos em particular influenciaram o seu pensamento e desen- volvimento emocional? (A partir desta questão podemos tirar conclusões a respeito da intenção do emissor ou do tema preferido.) Que tipo de educação ele recebeu? (Esta questão pode se direcionar ao que o leitor espera, por exemplo, um dialeto social utilizado no texto.). Qual é a profissão do emissor, é ele um especialista nos assuntos tratados no texto? (Esta questão pode apontar para um meio preferido ou função do texto.) Qual é o status do emissor na sociedade? Para qual tipo de receptor ele normal- mente se endereça? Etc., etc., etc.

europeus e em países latino-americanos. Mesmo que um peruano como Mario Vargas Llosa escreva em um jornal espanhol para leitores espanhóis, pode-se esperar que ele use americanismos.

b. Em uma edição espanhola de contos cubanos (Narrativa cubana de la revo-

lución, Madrid 1971), algumas expressões tipicamente cubanas são explicadas

aos leitores espanhóis em notas de rodapé — por exemplo, duro: “moneda de un peso cubano” (que era então equivalente à moeda de cinco pesetas na Espanha), ou ñeques: “sorpresas, golpes imprevistos”. Para o tradutor, essas notas podem ser importantes não só na fase de compreensão, mas também — se o skopos do TA exigir a manutenção do efeito que o livro causa sobre o leitor de língua espa- nhola europeia — na fase de transferência.

c. A écloga portuguesa Crisfal é atribuída tanto a Cristovão Falcão (1512-1557) como a Bernadim Ribeiro (1482-1552). No primeiro caso, o texto deve ser inter- pretado literalmente como um poema naturalista, enquanto no segundo caso deve ser considerado uma alegoria. Como Kayser aponta, “as palavras podem ter um impacto completamente diferente se vêm de um autor que realmente foi co- locado na prisão por seu amor, que realmente foi separado de sua amada, amada esta que realmente foi forçada a ficar no convento de Lorvão”.100