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Ao demonstrar as rotas e as condições que permitem o avanço do crime organizado na região obtém-se o panorama geral do problema. Já ao analisar os índices de homicídios com armas de fogo, observa-se a ligação do panorama com o problema da violência em si. Ou seja, a relação Brasil/Bolívia em termos do tráfico de armas com o problema da violência interna é dada pelo fluxo de drogas e armas que atravessam a fronteira e chegam ao cotidiano da população. E esse impacto securitário é sentido nos cinco setores e objetos referentes já relacionados.

A construção do conceito de segurança para incluir indivíduos e grupos transnacionais ou subnacionais como referência de segurança, assim como a inclusão de dimensões não militares e de ameaças às essas dimensões, perpassam as questões tratadas nesse capítulo, ou seja, a tentativa de estabelecer um plano comum para o fornecimento de segurança regional impõe que a natureza multidimensional e a instabilidade dos dilemas atuais regionais sejam tão significativas quanto complexas.

Desta forma, considera-se as questões que, no relacionamento do Brasil com os países sul-americanos, suscitam preocupações e desafios no campo da segurança

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– o tráfico de armas e de drogas. Percebeu-se que as debilidades estatais permitem, sumariamente, a atuação do crime organizado às diferentes formas de ilícitos transnacionais, valendo-se dessas limitações dos Estados quanto à capacidade relativa de exercer controle sobre fluxos ilegais nas áreas de fronteira. Como ressaltado, é preciso considerar que, além da questão do tráfico de armas que emana da fronteira boliviana, é a conjunção do tráfico de drogas que, juntos, configuram um quadro preocupante e desafiador para a agenda de segurança, de defesa e dos interesses do Brasil.

As ameaças advindas desses ilícitos transnacionais perpassam os cinco setores de segurança. Ao adquirirem capacidade de afetar a soberania, a integralidade territorial e as instituições, por exemplo, os ilícitos transnacionais assemelham-se às dinâmicas mais tradicionais dos setores militar e político. Todavia, no que se refere a capacidade de atuação coordenada em redes transnacionais e no fato de não resultarem de uma ameaça vinda de um ator estatal e, portanto, distanciarem-se das ameaças tradicionais, geram insegurança aos setores societal, econômico e ambiental. Sendo assim, em alguma medida, são ameaça à população, ao território e às instituições - questões que desafiam a segurança, sem, contudo, representarem ameaças militares. E são essas, ameaças não tradicionais que, no contexto sul-americano, mais se proliferam.

O fato do problema de os ilícitos ser comum e compartilhado pelos Estados sul-americanos, e de possuir características bastante similares na atuação em cada país, é possível afirmar que constitui um problema de segurança regional. Nesse sentido e como afirma Dreyfus (2009, p. 184) já não existem países produtores, de trânsito ou de consumo de bens ilegais - todos os países sul-americanos enquadram- se nessa problemática. Portanto, de acordo com a ideia de Masón (2000, p. 83) o entrelaçamento entre a ordem internacional e a doméstica do pós-Guerra Fria fez com que os desenvolvimentos securitários de um terreno se transpusessem facilmente a outro, desafiando as fronteiras territoriais, adentrando Estados vizinhos e impactando a segurança regional.

Assim, procurou-se ressaltar como se estruturam as principais fontes de abastecimento de armas de fogo envolvidas em situações delituosas e concluímos que vêm de fontes internas e externas. Como fontes internas destacou-se os roubos ou triangulações dos depósitos, dos cidadãos, das lojas, das empresas de segurança

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pública, de colecionadores e caçadores e por fim, das forças de segurança. Como fontes externas enfatizou-se o comércio cinza, as armas produzidas em outros países e a reintrodução de armas brasileiras.

Como foi apresentado, em muitos países, o aparato estatal não consegue controlar a violência, no sentido de que o tráfico de armas e drogas impacta nos níveis de homicídios regionalmente - e que a violência decorre de fatores domésticos sociais, que encontram no tráfico uma possiblidade de atuação. Portanto, a grande dificuldade de se combater o tráfico de armas para o Brasil é a extensa fronteira com os numerosos países que a dividem, a forte demanda por esses bens e a sensação de impunidade. De modo que a violência além de consequência desse tráfico, também é demandante.

Ao relacionar as rotas do tráfico percebemos que as áreas de fronteira e portos e aeroportos, apresentam, em geral, características e problemas comuns. Estes podem ser elencados como a escassa presença do Estado, por meio da fiscalização, e em alguns casos desocupação e problemas sociais. A conjunção desses fatores gerou facilidades à implantação de atividades informais e ilegais.

A dificuldade encontrada para elaboração desse capítulo, ateve-se a subnotificação e à falta de dados oficiais sobre o tráfico de armas, sobre os índices de homicídios por armas de fogo, e a quantidade de armas apreendidas com o respectivo país de origem, o que culmina em uma variedade de dados, muitas vezes contraditórios. Assim, seguiu-se relatórios que já possuem tradição no acompanhamento desses dados, buscando uma maior fidelidade à realidade. De qualquer forma, os números trazidos nesse capítulo conseguem dimensionar e demonstrar o problema para as relações bilaterais e regionais – e afirmar que a posição dos países em segurança e defesa é vulnerável em relação aos ilícitos transnacionais.

103 4 FRONTEIRAS, SOBERANIA E COOPERAÇÃO REGIONAL: INICIATIVAS PARA A COIBIÇÃO DO TRÁFICO DE ARMAS NA REGIÃO SUL-AMERICANA

Só existe soberania de fato com Defesa forte, isto é, [...] em condições de atuar de forma conjunta em quaisquer cenários, especialmente ante os cenários de ameaças cada vez mais difusas

(PLANO BRASIL 2022, 2010, p. 359). O engajamento para estabelecer mecanismos cooperativos capazes de fornecer uma solução comum aos problemas que se originam no espaço regional é fruto da existência de ameaças compartilhadas. A crescente percepção do caráter transnacional das novas ameaças, aliada ao intuito de otimizar a conjunção dos interesses nacionais através de uma atuação coordenada, faz com que os Estados relativizem a soberania como forma de garanti-la, ou seja, acordos bilaterais e multilaterais são celebrados a fim de uma defesa compartilhada aos elementos constitutivos do Estado, território, povo e governo97 – elementos ligados à soberania estatal.

Este capítulo busca atender o último objetivo específico elencado na introdução, qual seja, identificar as principais ações de segurança e defesa na região que tem como intuito coibir os ilícitos transnacionais na fronteira centro-oeste brasileira com a Bolívia, principalmente o tráfico de armas. Para atendê-lo, discutiremos o papel das fronteiras no combate aos ilícitos, a questão da relativização da soberania e os mecanismos cooperativos, com destaque às iniciativas do Plano Estratégico de Fronteiras que compreendem a Operação Ágata e a Operação Sentinela98 na esfera das operações interagências, bem como iniciativas no âmbito da UNASUL e do MERCOSUL.

97 Segundo Bull “o ponto de partida das relações internacionais é a existência de Estados, comunidades

políticas independentes, cada uma das quais possui um governo e afirma a sua soberania com relação a uma parte da superfície terrestre e a um segmento da população humana” (BULL, 2002, p. 13).

98 Por não ser de competência do Ministério da Defesa, a Operação Sentinela será apenas citada, não

caberá, portanto, o seu detalhamento. Ressalta-se que diferentemente da Operação Ágata que tem foco no impacto e na pontualidade, a Operação Sentinela tem foco na inteligência e permanência. É um trabalho das polícias Federal (PF), Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança (FNS) sob coordenação do Ministério da Justiça.

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