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3.3 ROTAS DO TRÁFICO DE ARMAS NA AMÉRICA DO SUL

3.3.1 A rota Bolívia-Brasil

Ao tratar agora especificamente da fronteira centro-oeste brasileira, vale lembrar que a Bolívia possui fronteira comum com quatro estados brasileiros: Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grasso do Sul.75 O mapa da Figura 3 elenca as principais cidades-gêmeas na fronteira boliviana e brasileira que são utilizadas para o contrabando de armas e munições, conforme as rotas especificadas na CPI do Tráfico de Armas (2006, p. 90-91):

74 Lei do Tiro de Destruição ou Lei do Abate foi regulamentada pelo decreto nº 5144, de 16 de julho de

2004 e permite a derrubada de aeronaves suspeitas de estarem sendo usadas para a realização de algum crime, em geral o tráfico de drogas e de armas e munições, pela Força Aérea, caso não se identificarem.

75 A fronteira entre Bolívia e Brasil se estende desde Corumbá, no Mato Grosso do Sul, até Assis Brasil,

no Acre – a fronteira segue por áreas urbanas, áreas desabitadas e florestas, compreendendo o bioma do pantanal até a floresta amazônica.

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Figura 3 - Mapa do tráfico de armas entre cidades-gêmeas de Bolívia/Brasil

Fonte: Elaborado pela autora com informações da CPI do Tráfico de Armas (2006)

A fronteira entre esses dois países compreende aproximadamente 3.423 Km e os municípios que há indícios de tráfico são Basiléia, Plácido de Castro e Epitaciolândia no Acre ou através de pistas de pouso clandestinas. Em Rondônia, as cidades de Guajará-Mirim, Costa Marques e Pitangueiras são verdadeiras portas de entrada, e as principais rodovias utilizadas pelo tráfico são a BR-364, BR-425 e BR- 429 (CPI TRÁFICO DE ARMAS, 2006, p. 90).76

O tráfico seria feito para dentro do Brasil através de bases nas cidades gêmeas em Cobija (BO)/Basiléia (AC); Guayaramerin (BO)/Guajará-Mirim (RO); Vila Montevideo (BO)/Plácido de Castro (AC); Puerto Suarez (BO)/Corumbá (MS) e San Matias (BO)/Cáceres (MT) (Idem).

76 Algumas dessas cidades citadas não são cidades-gêmeas, e por isso não estão referidas na Figura

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Em reportagem especial realizada pelo SBT (2009), uma equipe de repórteres vai até cidade boliviana de Guayamirim, na fronteira com Rondônia, em uma parte da região amazônica considerada o paraíso de contrabandistas, falsificadores e agora também dos traficantes de armas. Apesar da proibição da compra de armas na Bolívia77, a reportagem mostra a facilidade para a aquisição em várias lojas, apontando que essa é uma nova rota - basta atravessar o rio Mamoré, com dezenas de portos clandestinos, para chegar à cidade brasileira de Guajará-Mirim. O delivery de armas em território brasileiro, seja pela fronteira boliviana ou paraguaia, chama atenção para a insegurança social do “trabalhar para o ilícito”, que tem se desenvolvido em várias cidades fronteiriças78 - aqui podemos considerar o aspecto da insegurança humana já citada no capítulo anterior.

Sobre a mudança de rotas tradicionais para as novas rotas (ou que antes eram utilizadas com menor frequência), após a Lei do Abate ser instituída, “a sua mera existência teria levado o tráfico feito por aviões pequenos a alterar e buscar outra alternativa de ingresso no país” (CPI TRÁFICO DE ARMAS, 2006, p. 403-4). Agora, além de utilizarem-se de novas rotas terrestres, uma vez que as tradicionais são mais fiscalizadas, o contrabando de armas e munições se utiliza de “caminhões, carros e barcos, até cerca de 50 quilômetros adentrando o Brasil” (Idem). Depois, ao chegarem em pistas construídas em fazendas coniventes ao tráfico, passariam a carga para aviões e seguiriam “até pistas próximas de grandes centros de receptação e distribuição” (Idem). Dessas informações, depreende-se a importância da faixa de fronteiras - faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres.79

Ou seja, mesmo com a atuação da Lei do Abate os crimes ligados aos ilícitos transnacionais continuam sendo realizados na faixa de fronteira e por isso o nosso interesse de entender, no capítulo seguinte, o papel da faixa de fronteiras diante das

77 Em 2013, Evo Morales sancionou a Ley 400 – Lei de Controle de Armas de Fogo, Munições,

Explosivos e outros materiais relacionados. Dentre as finalidades da Lei está: “(…) luchar y sancionar los delitos relacionados al tráfico ilícito de armas de fuego y otros, los delitos contra la Seguridad y Defensa del Estado y la Seguridad Ciudadana” (BOLÍVIA, LEY Nº400)

78 Muitos indivíduos que realizam o transporte de ilícitos entre as fronteiras são apenas “mulas”, ou

seja, não estão vinculados à organização criminosa, mas aceitam o trabalho devido ao dinheiro pago pelo serviço. A dificuldade está no fato de que prender esses traficantes não se chega à raiz do problema, e não se acaba com a vulnerabilidade dessas regiões (NEVES, 2012) – a epígrafe dessa dissertação objetivou retratar esse ponto.

79 Essa definição de faixa de fronteira está presente na Constituição Federal, além de ser considerada

fundamental para defesa do território nacional, a sua ocupação e utilização serão reguladas em lei (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, art. 20º, § 2).

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novas ameaças, uma vez que é nessa região de fronteira que temos uma maior facilidade ao crime e também grandes espaços vulneráveis, com a nula ou baixa incidência de políticas públicas e presença governamental. Por isso, olhar para o Brasil também sob a ótica de atuação nas regiões fronteiriças, e poder analisar o impacto na readequação da segurança e defesa devido a esses ilícitos transnacionais. Sabe-se que essas armas que ingressam ilegalmente tem o Brasil como parte do percurso ou como destino final. O país é comumente utilizado como rota para as armas e drogas que seguem para a Europa. Além disso, existe o chamado efeito bumerangue, armas brasileiras exportadas e que regressam ao território brasileiro. Dados da ONG Viva Rio (2010) apontam que no Mato Grosso do Sul, a fronteira com Paraguai e Bolívia apresenta a alta percentagem de 28,13% de armas reintroduzidas, em relação ao total de armas apreendidas. O destino dessas armas é, geralmente, São Paulo e Rio de Janeiro. O relatório da CPI das Armas (2006, p. 55) informa que existe na região metropolitana de São Paulo um sistema organizado de armazenagem e depósito de armas e que podem servir de entrepostos para um sistema mais amplo do Primeiro Comando da Capital (PCC)80 ou de postos de venda e aluguel de armamentos e munições.

Em suma, de acordo com a CPI do Tráfico de Armas (2006, p. 40), as fronteiras brasileiras são muito permeáveis, desde o Sul até a Amazônia, sendo que nas fronteiras secas muitas cidades são ruas que estabelecem os limites internacionais, além de muitas áreas despovoadas ou com curtas travessias fluviais. Depois de adentrarem as fronteiras brasileiras, as armas seguem via rodovias federais. É necessário ponderar que “As rotas do tráfico de armas não são entradas em grande escala. São entradas [...] pontuais. É o processo “formiguinha” (CPI, 2006, p. 41), ao contrário do tráfico de drogas que se dá em quantidades maiores.

Dreyfus (2009, p. 183) afirma que o “tráfico formiga” é uma tendência identificada na região. Segundo ele, no caso de Colômbia, e que podemos estender aos demais países envolvidos nas rotas de tráfico de armas, já não se detectam grandes carregamentos de armas, mas sim pequenas quantidades, muitas vezes desmontadas em várias peças e transportadas em inúmeras viagens. Para corroborar

80 O PCC é uma organização criminosa, que surgiu nas prisões paulistas na década de 1990. Está

presente em diversas instituições penais e comanda zonas urbanas do estado de São Paulo. Há indícios de presença da facção em outros estados e de ligação com outras organizações no Rio de Janeiro e Santa Catarina (WERNER, 2009, p. 67).

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o que já foi abordado, Dreyfus (2009) descreve ainda que na região sul-americana existe uma grande oferta ilegal de armas e munições produzidas na região, pois existem grandes e médios produtores, como Brasil e Argentina. Segundo ele, existe claramente um mercado cinza de armas pequenas – lembrando que este mercado é o mais difícil de controlar, pois envolve autoridades estatais e aparenta ser legal até atingir o último estágio da transferência, com alto risco de triangulação.

Para exemplificar e corroborar as informações elencadas, cita-se um trecho de uma reportagem publicada no portal da Federação Nacional dos Policiais Federais (2009):

A apreensão de fuzis calibre .30 em São Paulo e Rio de Janeiro, tem mostrado que o tráfico de armas está utilizando outras rotas para chegar ao Brasil. O armamento pesado, que é capaz de derrubar aviões, foi desviado do exército da Bolívia e torna o país uma alternativa a mais para o crime organizado, além do Paraguai. As autoridades brasileiras calculam que, só este ano, outros 20 artefatos desse tipo tenham entrado pela fronteira, principalmente por Mato Grosso do Sul.

[...] Segundo fontes da Polícia Federal, outros tipos de armas podem estar entrando pela região, por causa da repressão na fronteira do Brasil com o Paraguai. “Por ser considerado uma rota estabelecida, o Paraguai é visado de uma forma maior. Por isso os traficantes, não apenas de armas, mas também de droga, procuram outros caminhos”, afirma um delegado da área de inteligência da PF.

[...] as policias Civil e Federal no Rio já tinham suspeitas de que a nova porta de entrada das armas seria Puerto Suarez, na Bolívia, cidade que faz fronteira com Corumbá (MS). A certeza se deu [...] quando foi preso Antônio Jorge Gonçalves dos Santos, conhecido por Toni. Ele era o responsável pela entrega de armas para morros e favelas fluminenses e o tráfico se dava da Bolívia, inclusive de produtos de origem militar.

A rota Bolívia-Brasil só pode ser entendida por completo se observarmos a relação das drogas. Embora o foco dessa dissertação sejam as armas, é notoriamente difícil não abarcar o ilícito que sumariza as relações de insegurança na fronteira aqui tratada, e nas dinâmicas regionais. Portanto, não se encerra nessa subseção o tratamento dessa questão.