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4.3 COOPERAÇÃO NA LUTA CONTRA O CRIME ORGANIZADO

4.3.1 UNASUL

No âmbito multilateral, a UNASUL, primeira instituição a desenvolver, na América do Sul, um Conselho voltado à Defesa Sul-Americana, tem iniciativas que visam uma coordenação para o combate ao crime e ilícitos transnacionais. O Relatório do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) do Conselho de Defesa Sul- Americano (CDS), a respeito do Crime Organizado Transnacional e Outras Novas Ameaças para a Segurança Regional fez parte do material que embasou o encontro dos ministros das Relações Exteriores, Defesa, Justiça, Interior e Segurança dos países-membros da UNASUL, em 2012, ocorrido na cidade de Cartagena, na Colômbia.

Esse encontro ocorreu devido à proposta da Colômbia, na III Reunião de Ministros do Conselho de Defesa Sul-Americano, em 2011, de realizar uma “reunião de Ministros da Defesa, Justiça e Interior na Colômbia, a fim de analisar as ameaças do crime organizado transnacional e outras novas ameaças para a segurança regional”. O encontro rendeu como fruto a chamada Declaração de Cartagena, na qual os ministros decidem:

1. Fortalecer as ações de cooperação contra a Delinquência Organizada Transnacional em todas as suas manifestações e as novas formas da criminalidade, assim como os desafios em matéria de Segurança Cidadã; 2. Apresentar como recomendação ao Conselho de Chefas e Chefes de Estado da UNASUL, por meio do Conselho de Ministras e Ministros das Relações Exteriores, a criação de um Conselho com o intuito de fortalecer a cooperação em matéria de Segurança Cidadã, de Justiça e a

coordenação de ações contra a Delinquência Organizada

Transnacional, procurando evitar a duplicação de funções com outras instâncias existentes na UNASUL.

questão da produção e tráfico de cocaína em seu território (COHA, 2012b). Essa definição de intervencionista foi dada em 2012 pelo então ministro boliviano de governo, Carlos Romero, reafirmando a sua oposição à intervenção da Polícia Federal brasileira no comércio de narcóticos em solo boliviano. O ministro reagiu a um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo de 20 de agosto de 2012 que descreveu a nova política antidrogas vigorosa e intervencionista do Brasil, Romero afirmou que a Fuerza de Tarea Conjunta, o corpo do exército boliviano dedicado a combater a produção ilegal de coca, é o único órgão competente e qualificado para conter o tráfico de cocaína no contexto boliviano. Ainda segundo o Coha (2012b), com esta declaração, a Bolívia tornou-se o primeiro país sul- americano a enfrentar o crescente papel do Brasil em patrulhamento do tráfico ao longo de suas regiões fronteiriças. Pondera-se que a forma como essa declaração impacta no tráfico de armas é dada pelo viés de que uma vez que a Bolívia não admita ser rota de drogas e armas, tampouco as relações bilaterais podem caminhar para esse sentido. Nesse caso, o Brasil alia a Bolívia em questões mais gerais e não tão específicas para o combate direto a esses dois ilícitos.

124 3. Recomendar a criação de um Grupo de Trabalho que elabore, com o apoio da Secretaria Geral da UNASUL, o Estatuto e o Plano de Ação do referido Conselho (UNASUL, DECLARAÇÃO DE CARTAGENA, 2012, grifo próprio). O Relatório, a respeito do Crime Organizado Transnacional e Outras Novas Ameaças para a Segurança Regional que embasou o Encontro, ao tratar da situação regional, elenca que nos países da região se apresenta uma diversidade de fenômenos de criminalidade organizada, que estão associados a outras atividades delitivas, que adquirem uma dimensão transnacional com diversificação em sua organização, produtos, métodos, meios, áreas de instalação, rotas de tráfico, mercados e sistemas de redes (RELATÓRIO.., 2012, p. 8).

Os impactos dessa diversidade de fenômenos “tem gerado no âmbito regional uma forte demanda social por melhores níveis de segurança pública” e a evidência da dificuldade de os Estados enfrentarem sozinhos os delitos que transbordam as fronteiras nacionais, reafirmando a necessidade de desenvolver, a partir da UNASUL, mecanismos de cooperação específicos para sua efetiva prevenção e repressão (Idem).

O relatório salienta que, apesar da existência de diversos e variados compromissos bilaterais e multilaterais, “ainda não foi configurado um regime regional integrado para o combate ao crime organizado transnacional, com mecanismos concretos e operacionais de cooperação”. Além disso:

De fato, na região existe uma pluralidade de convenções e acordos específicos de cooperação, com diferentes contextos institucionais de execução e operacionalidade relativas, que ainda não conseguiram integrar em um único mecanismo e instância multilateral efetiva os esforços regionais ministrados na matéria, preventivos ou punitivos, perante a maioria dos delitos transnacionais que afetam a região (UNASUL, RELATÓRIO..., 2012, p. 10).

Assim, seguindo as orientações da Declaração de Cartagena é criado, em 2012, e com a primeira reunião ministerial em 2013, o Conselho-Sul-Americano sobre Segurança Cidadã, Justiça e Coordenação de Ações contra a Delinquência Organizada Transnacional – que é a instância de consulta, coordenação e cooperação entre os Estados-membros em matéria de segurança, justiça e ações contra o crime transnacional. As reuniões são anuais e através do Plano de Ação do Conselho111

111 O Plano contempla 11 eixos temáticos e 30 desafios estratégicos que incluem 19 ações prioritárias

concretas. Entre as ações regionais conjuntas cita-se algumas prioridades: campanha de conscientização e sensibilização sobre os riscos do uso de armas de fogo pela sociedade civil; encontros regionais com líderes comunitários que participam ativamente na segurança cidadã, prevenção de delitos e a violência; campanhas de promoção de segurança cidadã e acesso à justiça em postos fronteiriços autorizados; encontro regional para fortalecer a cooperação em matéria de ações

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foram divididos Grupos de Trabalho, um para cada eixo temático: segurança cidadã, justiça e prevenção do crime organizado transnacional.

Destaca-se dessa iniciativa que a ênfase atribuída pelos ministros sul- americanos para a necessidade de repressão aos grupos criminosos evidencia a percepção quanto aos riscos de transbordamento da criminalidade para os países vizinhos. Como destaca Oliveira Júnior e Silva Filho (2014, p. 172) além da priorização destas ameaças por parte dos governos, a Declaração de Cartagena também é destacável por salientar a importância da cooperação regional para o desenvolvimento de políticas efetivas no campo da segurança pública. Além disso, os autores pontuam o recrudescimento do crime organizado transnacional como evidência da insuficiência das iniciativas individuais dos Estados na área da segurança.

Pondera-se ainda que esse processo cooperativo é parte de um movimento maior concernente à relativização da soberania, tratada nas primeiras páginas desse capítulo. Ou seja, a formação da UNASUL e, sumariamente, do CDS, é indicativo de que as questões regionais devem ser tratadas no âmbito de uma instituição regional, enquanto que as externalidades transnacionais do fenômeno também indicam a relativização da soberania dos Estados, enquanto eles como unidades ditas soberanas não conseguem prover respostas que garantam a inviabilidade do próprio território. Portanto, há uma relativização da soberania em dois aspectos, do ingresso dos ilícitos no território e da formação de instituições regionais pautadas na resolução de aspectos comuns que carregam parcelas de soberania dos Estados membros.

Tendo esse panorama, percebe-se que o processo de cooperação nos dois âmbitos, doméstico e regional, ocorre paralelamente a um processo de relativização dos problemas tradicionais para os não-tradicionais, ao passo que essas novas dinâmicas securitárias advindas dos ilícitos transnacionais estimulam e alicerçam os mecanismos cooperativos.

Não é claro, ainda, se essas intenções serão transformadas em diretivas práticas, pois a UNASUL carece de vias claras de financiamento e essas ações dependem necessariamente da vontade dos Estados em aderi-las no âmbito interno. No entanto, essas iniciativas embrionárias, devido à recente criação da UNASUL e ainda mais recente do Conselho em questão, não impede, todavia, que essas

contra a lavagem de ativos e financiamento do crime organizado transnacional, dentre outros (PLAN DE ACCIÓN, 2013).

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iniciativas se tornem mecanismos eficazes e que encontrem na instituição um campo fértil para o desenvolvimento. A vontade dos Estados e o destaque que eles darão à UNASUL fará com que essas iniciativas forneçam mais ou menos frutos e mostrará o grau de comprometimento multilateral entre os países.