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A Gestão da Água e a Nova Cultura da Água

3.1 CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

Desde tempos imemoriais que o Homem olha para a água como uma inesgotável fonte de vida, de energia, de progresso e de bem-estar. A água tem-se constituído como factor principal de desenvolvimento humano.

Para Martinez Gil (1997: 19), a água, através dos rios, é “um legado histórico e

patrimonial, um referencial identitário de gentes, povos e territórios”.

Nas sociedades primitivas, as populações estabeleciam-se preferencialmente junto a rios e lagos, para facilitar o acesso à água e a alimentos.

Ao longo da História, o papel que a água desempenhou para as diferentes civilizações, sempre esteve ligado à forma como essas civilizações entendiam a “natureza”. Por um lado, a percepção de que a natureza era a base da vida levou a que muitas delas, mesmo as mais ancestrais, entendessem a natureza como “mãe”. O conceito de “natureza-mãe” fez (e faz) parte do modo de vida de muitos povos e culturas.

Não obstante, desenvolveram-se outras formas de olhar a natureza, em geral, e a água, em particular. A percepção da natureza como “fonte de riqueza” motivou a necessidade de controlá-la. A água, dado o seu carácter vital, não foi excepção, e começaram rapidamente a desenhar-se estratégias de controlo da água.

Os egípcios, por exemplo, desenvolveram a sua importante civilização nas férteis margens do rio Nilo. Numa região desértica do nordeste africano, o rio ganhou um papel crucial, com as sua águas a serem utilizadas para consumo humano, para abeberamento do gado, para irrigação dos campos agrícolas, como via de comunicação, como fonte de alimento (pesca), etc.. A civilização egípcia constitui um notável caso de como a utilização sustentável do recurso água se revelou de extrema importância para o seu florescimento.

Desde a Antiguidade Clássica que se conhece maquinaria para elevar a água. Os Romanos foram mestres na arte da elevação e transporte de água, desenvolvendo complexos sistemas de abastecimento de água.

A partir da Idade Média, o trabalho braçal começou a ser progressivamente substituído por máquinas, muitas delas movidas a água.

Os árabes contribuíram de forma decisiva para a expansão da roda hidráulica, de que encontramos abundantes exemplos na Península Ibérica.

Apesar dos recursos hídricos terem sido, desde há muito, objecto de leis e regulamentos, durante muito tempo os mesmos revestiam-se de contornos “filosóficos” e “míticos”, não contemplando muitas vezes a vertente científica.

Com o avanço do conhecimento científico, acelerado a partir do Renascimento, começou a ganhar peso o chamado “Princípio do Domínio da Natureza”, que a partir de então se tornou base da “modernidade”.

A partir de meados do século XVIII, os progressos científicos e tecnológicos que derivaram da Revolução Industrial, possibilitaram o aparecimento de novos materiais e novos equipamentos, que estiveram na base de sistemas de abastecimento de água (captação, transporte e distribuição) mais sofisticados e eficazes.

Como refere Lipietz (2000: 17), se, até então, o problema era submeter-se à ordem da natureza, dali em diante os homens passaram a entender que a natureza é que se devia ajustar aos seus desejos. Ferry (1992: 39) afirmava que “o Homem é, por excelência, o ser anti-natureza”.

Os imparáveis progressos científicos e tecnológicos reforçaram ainda mais o sentimento de que o Homem é “dono” da natureza.

A ideia da ciência e da tecnologia como ferramentas de controlo e domínio da natureza, ao serviço do Humanidade, tem perdurado até à actualidade, sendo ainda hoje pilar fundamental nos modelos de desenvolvimento económico reinantes.

Segundo diversos especialistas, a água será o “ouro” ou o “petróleo” do século XXI, podendo por isso constituir o pomo da discórdia entre a meia centena de países situados em bacias hidrográficas internacionais – incluindo águas superficiais e subterrâneas.

Sendo a água um recurso precioso cada vez mais escasso e de distribuição desigual, a gestão de recursos hídricos engloba certos aspectos que condicionam grande parte de ordenamento das restantes actividades humanas.

O progresso da Humanidade tem estado, pois, indissociavelmente ligado ao acesso à água potável e à capacidade que as diferentes sociedades apresentam de controlar o potencial da água enquanto recurso fundamental ao seu desenvolvimento.

As desigualdades no que concerne à repartição da água no planeta têm, em muitas situações, estado na base das assimetrias em termos de desenvolvimento humano que hoje verificamos.

A água adquire uma importância crucial, não só ao nível das suas diversas utilizações ao no agregado familiar, como também no que concerne à produção de bens indispensáveis ao desenvolvimento humano.

Tratando-se de um recurso natural – ou georrecurso, conforme Ribeiro (1997) –, indispensável à mais básica condição humana, vital para a sobrevivência e o desenvolvimento económico e social, é natural que preocupações com a sua utilização, gestão e preservação tenham estado presentes nas várias etapas da evolução da Humanidade.

Como reverso da medalha do imparável progresso industrial desde meados do século XVIII, com a Revolução Industrial, assiste-se hoje a situações de delapidação, quantitativa e qualitativa, dos recursos hídricos disponíveis.

Em contraponto com a gestão tradicional da água (fragmentada) tem vindo a ganhar terreno a chamada “gestão integrada da água”, que valoriza as interacções entre o sistema natural e o sistema humano. A “gestão integrada da água” tem sido definida, de uma forma genérica, como “um processo que favorece o desenvolvimento e a gestão

coordenados da água, solo e outros recursos relacionados, e tem em vista maximizar, de forma equitativa, o bem-estar económico e social, sem, contudo, comprometer a sustentabilidade dos ecossistemas vitais” (Cunha, 2002: 37).

A água sempre foi geradora de conflitos entre povos e nações, a maior ou menor escala. Porém, daqui para o futuro, será, de alguma forma previsível uma intensificação desses conflitos pela posse da água.

Há a necessidade em todos os países, e Portugal não é excepção, de abordar o problema da água a várias escalas, da simples origem de água à bacia hidrográfica internacional. A legislação nacional em matéria de gestão e planeamento de recursos hídricos foi objecto de recente adaptação, não só em relação à evolução dos conhecimentos técnicos e científicos sobre esta matéria, mas também no que diz respeito às directivas comunitárias.

Há que ter presente a necessidade, cada vez mais premente, de preservar a qualidade e a quantidade dos recursos hídricos, mediante a adopção de um conjunto de mecanismos reguladores e respectiva implementação e fiscalização práticas, às escalas local, regional, nacional, internacional e global.

Qualquer instrumento de planeamento local, regional e global, terá, pois, de incluir a componente de planeamento e gestão dos recursos hídricos, dada a estreita relação, física, económica, social e ambiental, entre as questões ligadas ao ordenamento do território e às diferentes utilizações da água.

A gestão dos recursos hídricos deverá processar-se no âmbito das bacias hidrográficas e coordenada por organismos específicos dotados de capacidade e de autonomia técnica e financeira e de poder de decisão.

3.2 PRINCIPAIS MARCOS INTERNACIONAIS NA GESTÃO DOS RECURSOS