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Novas Perspectivas para o Sector da Água e Saneamento na Era da Globalização

4.3 O MERCADO DA ÁGUA: BREVE CARACTERIZAÇÃO

A água pode ser analisada numa dupla perspectiva: ou como uma dádiva da natureza, fundamental para a vida na Terra, ou como um produto que necessita de ser transformado e transportado, para depois poder ser consumido. Geralmente, a água que utilizamos para consumo não é a que existe na natureza, nem o local de consumo é o mesmo onde ela ocorre naturalmente.

O acesso dos cidadãos ao bem “água potável”, quer para consumo humano quer para outras utilizações, constitui um direito, pois trata-se de um bem essencial que deve ser garantido a todos. A distribuição de água corresponde a uma das três componentes do “saneamento básico”, juntamente com a drenagem e tratamento das águas residuais urbanas e a recolha, valorização, tratamento e deposição de resíduos sólidos urbanos.A distribuição de água e a drenagem e tratamento de águas residuais urbanas integram o chamado “ciclo urbano da água”. O sector da água e saneamento possui especificidades próprias e exigências muito particulares, que o distinguem de outros sectores de actividade, uma vez que interage directamente com o bem-estar dos indivíduos e das populações e com a qualidade ambiental.

Três das principais características deste sector são as seguintes:

 Constituem monopólios naturais;

 São serviço de interesse geral e universal;

 Necessitam de capital intensivo para infraestruturas de longo prazo.

Devido a razões de ordem técnica só é, em geral, viável, em termos geográficos, que o serviço de distribuição de água seja efectuado por uma única entidade gestora em cada área geográfica, constituindo-se, desta forma, um monopólio.

O serviço de distribuição de água constitui, desta forma, um exemplo de um sector onde existem monopólios naturais. Os monopólios naturais surgem quando a estrutura de custos se caracteriza por uma diminuição dos custos marginais e médios de produção à medida que aumente a dimensão do sistema produtivo, devido à existência de economias de escala, isto é, em que os custos de produção são sempre decrescentes para quantidades crescentes de procura.

Verifica-se que, nestes casos, os custos totais de produção para um determinado aspecto da oferta são inferiores quando existe um só prestador do serviço.

Quando existe um monopólio natural verificam-se limitações à livre concorrência, criando-se, simultaneamente, condições que não favorecem a entrada de novos operadores no mercado, independentemente do grau de privatização. Isto faz com que não seja criado um clima propício à melhoria contínua da eficiência na gestão do serviço prestado. O utilizador dos serviços não pode optar pelo operador que deseja, aquele que lhe oferece uma determinada relação preço-qualidade que o mesmo considera ser a mais vantajosa.

O facto de os serviços de água e saneamento constituírem monopólios naturais coloca diversos problemas a vários níveis, como sejam os inerentes à fixação de tarifas a praticar ao consumidor, os decorrentes de uma possível desvalorização da primazia da qualidade do serviço prestado, e a forma “imperfeita” como os recursos são afectados (Serra, 2004: 15, 16).

Importa que em contexto de monopólio natural existam mecanismos capazes de contrariar estas tendências e de fazerem com que as entidades gestoras de serviços de água e saneamento sejam induzidas a não praticar “preços de monopólio”, a não descurarem a qualidade do serviço prestado e a promoverem uma utilização mais eficiente dos recursos. Serra (2004: 16) preconiza ainda a adopção de mecanismos de participação dos utilizadores/consumidores e de políticas de regulação eficazes, que contribuam para a melhoria de um mercado tão “imperfeito” como o da água.

Após as “revoluções tecnológicas” operadas em outros sectores de actividade, como sejam os da energia e das telecomunicações, o sector da água é geralmente encarado como o último dos monopólios naturais.

Os serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais urbanas constituem “serviços de interesse geral”, componentes estruturantes das sociedades modernas, fundamentais para o bem-estar das populações – independentemente da sua localização geográfica e da sua capacidade económica –, para o desenvolvimento das actividades económicas e para a salvaguarda do ambiente. São serviços que o Estado submete a obrigações de serviço público, medição a adopção de critérios de interesse geral.

Para que um serviço possa ser classificado como de interesse geral, devem aplicar-se- lhe alguns critérios de prestação de serviços públicos (Serra, 2004: 14):

 Satisfação das necessidades básicas das populações;

 Protecção do ambiente;

 Promoção da coesão económica e social;

 Ordenamento do território;

 Estar em causa o uso de recursos escassos, que exigem investimentos pesados em infraestruturas de longo prazo.

Outro aspecto muito importante é o de que estes serviços de interesse geral devem ser assegurados, mesmo que não hajam incentivos de mercado nesse sentido. Isto significa que caso não existam tais incentivos ou que os mesmos não sejam suficientemente atractivos para a iniciativa privada, deverá ser o Estado a assegurar a prestação de tais serviços, garantindo a qualidade e a continuidade do serviço prestado.

Aliado ao conceito de serviço de interesse geral, aparece o de “serviço universal”, que assenta no direito de todos os cidadãos a um acesso contínuo a este bem vital e a um serviço de qualidade e a preços suportáveis.

Estamos, pois, perante um serviço público, essencial ao bem-estar, à saúde pública e à qualidade de vida das populações. Este serviço deve pautar-se por princípios de universalidade no acesso, de continuidade e qualidade de serviço, e de eficiência e equidade dos preços (Baptista, et al., 2003b: 4).

O sector da água e saneamento é também um sector onde é muito elevado o volume de investimento por unidade de produto gerado. É um serviço que se caracteriza por ser de capital intensivo, onde os activos são de valor muito elevado e de longa duração, ou seja, onde as caras infraestruturas, que apresentam elevada imobilização, são concebidas e construídas para durarem muitas décadas.

A produção de água para consumo implica, assim, elevados custos que, directa ou indirectamente, têm de ser suportados por quem a utiliza (o que, aliás, é preconizado pela Directiva-Quadro da Água, aprovada em Dezembro de 2000, no final da presidência portuguesa da UE).

Estes custos dependem sobretudo da densidade da rede, do grau de tratamento exigido, do tipo de povoamento, da morfologia do terreno, etc. (Serra, 2004: 15).

De maneira geral, é hoje reconhecida a necessidade de realização de receitas por parte das entidades gestoras de sistemas de água e saneamento, para fazer face, senão à totalidade, pelo menos a uma parcela significativa dos seus custos (Serra, 2003: 108). Com já se referiu anteriormente, a adopção de tais tarifas também decorre de motivos de ordem ambiental. Para além de agente dissuasor da utilização abusiva do recurso, deverá ser ainda critério a ponderar aquando da instalação de actividades/indústrias altamente consumptivas ou poluidoras, na medida em que constituirá um sinal para os

agentes económicos no sentido de um uso mais eficiente e racional da água e da protecção do ambiente.

Para assegurar a utilização racional e sustentável dos recursos hídricos, as entidades gestoras de sistemas de água e saneamento deverão ter em conta o princípio da recuperação de custos dos serviços hídricos. Desta forma, o preço a água deverá reflectir não só os custos em que essas entidades incorrem na sua “produção”, como igualmente os “custos ambientais” (externalidades negativas) e os “custos de escassez” (como preconiza a Directiva-Quadro da Água, no seu artigo 9.º).

Como já se disse, o sector da água e saneamento é caracterizado pelo facto dos seus activos serem, em grande medida, irrecuperáveis, uma vez que é impossível a sua deslocalização ou venda. De facto, decorre do elevado valor dos activos que exista uma elevada relação entre “o valor dos activos e os custos dos serviços” (Serra, 2003: 108). Outra das questões importantes para o sector prende-se com a eficiência económica do serviço prestado. Na opinião de Serra (2003: 109), “a ausência de concorrência é o factor determinante para a falta de eficiência no serviço prestado, na óptica do consumidor”.

O sector é também possuidor de uma cultura e um know-how próprios, adquiridos ao longo de décadas de operação. Apesar disto, esse conhecimento não tem sido devidamente valorizado.

Em suma, como principais características do mercado da água podemos enumerar as seguintes (Bau, 2005c):

 O produto final – a água – não sofreu, ao longo do tempo, mudanças tecnológicas significativas nem as suas utilizações básicas apresentam grandes alterações;

 É um mercado de características internas, na medida em que não é possível deslocalizá-lo;

 Trata-se de um mercado que funciona na dependência de movimentos sociais que se desenvolvem em longos períodos de tempo, que tem de antecipar, quer no que toca a infraestruturas de produção e de distribuição;

 A sua gestão tem de ser efectuada numa perspectiva de longo prazo, envolvendo grandes investimentos, irreversíveis e com longos períodos de amortização; É um serviço que se caracteriza por ser capital intensivo, onde os activos são muito elevados e de longa duração, ou seja, onde as caras infraestruturas, que apresentam elevada imobilização, são concebidas e construídas para durarem muitas décadas.

 Apresenta uma responsabilidade social muito particular, que decorre da água ser um recurso vital e de importância decisiva para o desenvolvimento sócio- económico das populações;

 Possui uma forte componente ambiental, quer em termos de quantidade e de qualidade;

 O factor preço é limitado por motivações de cariz político, sendo constantemente controlado por entidades públicas;

O sector da água e saneamento representa, pois, um papel fundamental nas sociedades modernas, fornecendo serviços de interesse públicos e contribuindo para o bem-estar humano e para o desenvolvimento sócio-económico das populações.