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considerações semióticas

José Leite Junior Ana Márcia Soares Em memória de Arievaldo Viana (1967-2020) Este trabalho objetiva estabelecer uma análise comparativa do romance Luzia-Homem, de Domingos Olímpio (1983)1, com

duas versões da obra em cordel, uma da autoria de Arievaldo Viana (2002) e a outra de Stélio Torquato Lima (2020). Para essa apreciação interdiscursiva, buscamos apoio teórico-metodológico na Semiótica Discursiva fundada por Algirdas Julien Greimas.

Não são raras as investigações semiótico-discursivas sobre o cordel, afinidade que, em termos de narratologia, deixa entrever a ascendência proppiana do modelo actancial proposto por Greimas, que, para seu modelo actancial, inspirou-se no modelo sintático de Lucien Tesnière, com Éléments de syntaxe structurale (1959), e na proposta do russo Valdimir Propp, em Morfologia do

conto maravilhoso (1928). Cabe ressaltar, a propósito, o

pioneirismo de Luiz Tavares Júnior (1980) na abordagem semiótica do cordel, em seu consagrado estudo sobre o mito da inocência perseguida e o mito da maldade castigada.

De data mais recente, destacamos também as pesquisas de Maria Elizabeth Baltar Carneiro de Albuquerque (2011), que faz

1 Obra original publicada em livro no ano de 1903, no Rio de Janeiro, com

impressão da Lytho Typographia. Neste trabalho, em face das inúmeras edições, inclusive as eletrônicas, que não são paginadas, indicaremos o número do capítulo e o parágrafo nas citações diretas.

um amplo levantamento dos folhetos de cordel, propondo, com recursos semiótico-discursivos (isotopias temático-figurativas), inovações na classificação dos gêneros veiculados nos folhetos. Também não têm sido escassos os estudos dedicados ao mais conhecido romance de Domingos Olímpio. É o caso da pesquisa de Natália Silva Athayde (2014), que, sem abrir mão dos recursos canônicos propostos por Greimas, acrescenta elementos da Semiótica das Paixões, iniciada por Greimas e Fontanille, e da Sociossemiótica, com expoente em Eric Landowski, buscando recortar os simulacros identitários da personagem Luzia- Homem.

No presente estudo, será destacado o conceito de elasticidade

do discurso, considerando-se que “unidades discursivas de

dimensões diferentes podem ser reconhecidas como

semanticamente equivalentes” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 157). Sabendo-se que a elasticidade do discurso pode ser uma

expansão ou uma condensação, cabe lembrar que os casos ora em

estudo se enquadram na condensação, já que o texto de origem é redimensionado para um gênero mais sintético, que é o romance de cordel.

Mas, realmente se pode “resumir” uma obra artística? Em artigo sobre o assunto, Ivã Lopes (2003, p. 69) faz esta ponderação: “nas línguas naturais, resumem-se correntemente textos em prosa, mas não consta que se possa resumir ou sintetizar um poema, sem que isso represente uma re-criação completa”.

Como nunca deixa de haver uma cota de criatividade, mesmo nas mais despretensiosas manifestações da linguagem, pelo menos do ponto de vista artístico, como um copidesque jornalístico ou um resumo de texto acadêmico, é razoável admitir que sempre há uma recriação, até porque o que muda é mais perceptível no plano da expressão do que propriamente do conteúdo. Se de uma maior densidade semântica (figuratividade) extrai-se uma abstração (tema), é certo que as linhas básicas de reiteração semântica (isotopias) não se perdem no essencial, sob

pena de se abandonar o próprio vínculo intertextual entre a obra de partida e a obra que se constitui como alvo, ou seja, sua “releitura”. Tal é a percepção de Claude Fontanille (2012, p. 200), em seu acolhimento do conceito bakhtiniano de intertextualidade: “Com efeito, se o texto fonte nutre o conteúdo do texto alvo, este último, em troca, transforma, deforma, adapta o primeiro. Pode- se inclusive dizer que o texto alvo oferece uma ‘leitura’ do texto

fonte.”2

Do ponto de vista semiótico-tensivo, a elasticidade do discurso depende do andamento3. Assim, a expansão discursiva pressupõe um andamento mais lento, ao passo que a celeridade é inerente à condensação discursiva, como explica e ilustra Luiz Tatit (2019, p. 68)4:

O andamento, em sua atuação regular, rege igualmente o que Greimas chamava de “elasticidade” do discurso. Um aumento vigoroso da velocidade, como ocorre em situação de enlevo emocional, pode resultar numa simples exclamação, símbolo da concentração máxima da duração discursiva. Com pouco menos vigor, teremos talvez um aforismo, um resumo e, à medida que a celeridade decresce e a morosidade evolui, podemos chegar a comentários mais desenvolvidos, dissertações e tratados, gêneros que dependem do alentecimento das operações linguísticas. Assim, como efeito dessas variações de velocidade, despontam os discursos imperiosos e os discursos demonstrativos, além de toda a gama de gêneros e estilos incluída entre eles.

Dessa analogia musical não é custoso deduzir que a passagem do romance em prosa para o romance da literatura

2 “En efecto, si el texto fuente nutre el contenido del texto blanco, este último,

en cambio, transforma, deforma, adapta el primero. Se puede incluso decir que el texto blanco ofrece una ‘lectura’ del texto fuente." (Tradução nossa, com grifos no original.)

3 Tradução do francês “tempo”, termo da terminologia musical recepcionado

por Claude Zilberberg na proposta da Semiótica Tensiva.

4 Tatit apoia-se na proposta metodológica de Claude Zilberberg, o criador da

Semiótica Tensiva. A sugestão de que o andamento sustenta a elasticidade se encontra no texto “Plaidoyer pour le tempo” (Em defesa do andamento), de Zilberberg.

popular em versos implica uma alteração do andamento, sendo a versão do cordel mais acelerada que a da prosa. Essa operação, que impõe uma considerável aceleração tensiva, opera-se por inevitáveis escolhas: no plano do conteúdo, ocorrem eliminações e simplificações figurativas, o que implica um menor espessamento semântico; no plano de expressão, dá-se a transição do registro rítmico digressivo da prosa para o paralelismo do poema, isso feito segundo as coerções da poética popular (esquema rimático, estrofação simétrica e paralelismo heptassilábico).

A propósito, Tatit (2019, p. 128), em sua revisão da Semiótica Tensiva (e deixando claro seu apreço pela herança hjelmsleviana), explica que a linguagem utilitária é veloz no que diz respeito às escolhas operadas entre a substância e a forma, já que interessa ao enunciador o que deve dizer, e não tanto como

deve dizer. Já na linguagem artística, a operação tende a se

inverter, de modo que, admitindo-se uma gradação entre prosa e poema, tanto mais sensível é a participação dos efeitos expressivos, quanto mais se parte da prosa para o verso (prosa, prosa poética, poema em prosa, poema):

Sejam quais forem os recursos de fixação da substância da expressão, uma vez que variam de acordo com a proposta de cada obra, há uma articulação temporal que regula os graus de participação da linguagem utilitária (ou língua natural) e da linguagem artística (ou poética) nos poemas e outras obras de cunho verbal: no primeiro caso, como vimos constatando, temos uma tendência à interinidade da substância da expressão; no segundo, a tendência à perenidade. (TATIT, 2019, p. 128)

Feitas estas notas prévias, vejamos como o romance de cordel relê o romance erudito. Nesta exposição, primeiramente serão feitas sucintas considerações sobre esses gêneros discursivos. Em seguida, serão confrontadas as adaptações do ponto de vista das convenções poéticas. Por fim, interessa-nos a elasticidade do discurso, quando observaremos a conformidade ou a deformidade no confronto entre o texto fonte e cada texto alvo.

Do romance em prosa ao romance em verso

Numa leitura semiótico-discursiva do conceito bakhtiniano de gênero (que se distingue dos tradicionais gêneros literários lírico, épico, dramático, epistolar), assim se posiciona Fiorin (2016, p. 69):

Os gêneros são, pois, tipos de enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo. Falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera de atividade.

O gênero estabelece, pois, uma interconexão da linguagem com a vida social. A linguagem penetra na vida por meio dos enunciados concretos e, ao mesmo tempo, pelos enunciados a vida se introduz na linguagem. Os gêneros estão sempre vinculados a um domínio da atividade humana, refletindo suas condições específicas e suas finalidades. Conteúdo temático, estilo e organização composicional constroem o todo que constitui o enunciado, que é marcado pela especificidade de uma esfera de ação.

Como se vê, Fiorin aproxima o gênero bakhtiniano do conceito de enunciado, cujo simulacro é apresentado pela sintaxe discursiva, ou seja, a relação entre o fazer persuasivo e o fazer interpretativo em torno de um enunciado. Dentre as marcas dessa estabilidade do enunciado, estão convenções estilísticas, fato importante para a presente análise comparativa, sobretudo no tocante às convenções poéticas do cordel. Outro elemento destacado é de ordem semântico-discursiva, ou seja, o conteúdo temático-figurativo constitutivo das isotopias (reiterações semânticas que dão coerência ao enunciado), valendo lembrar que tais isotopias permitem apreender a visão de mundo do grupo social onde se cultiva determinado gênero discursivo. E também isso é da maior importância, já que, por motivos diacrônicos e diatópicos, as estratégias persuasivas de um romance em prosa publicado no início do século passado no Rio de Janeiro não poderiam coincidir com aquelas da poesia popular em versos da atualidade nordestina. Assim, tendo em vista o

enunciatário pressuposto, caberia ao poeta fazer uma triagem temático-figurativa estrategicamente adequada aos valores considerados no contrato de leitura desse gênero específico, valores esses, aliás, sancionados na contrapartida enunciativa do fazer interpretativo5.

Consideramos, portanto, que tanto o romance em prosa como o romance em verso são gêneros literários consagrados em nossa cultura, embora consumidos em ambientes sociais distintos. O primeiro é prestigiado, via de regra, por seu consumo pelas elites e setores sociais letrados, contemplados pela educação formal. O consumo desse gênero romanesco é leitura obrigatória no currículo do ensino básico dos sistemas público e privado de todo o território nacional desde os tempos do Império. Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2003, p. 18) localizam em meados do século dezenove a sistematização desse consumo cultural:

Só por volta de 1840 o Brasil do Rio de Janeiro, sede da monarquia, passa a exibir alguns dos traços necessários para a formação e fortalecimento de uma sociedade leitora: estavam presentes os mecanismos mínimos para produção e circulação da literatura, como tipografias, livrarias e bibliotecas; a escolarização era precária, mas manifestava-se o movimento visando à melhoria do sistema; o capitalismo ensaiava seus primeiros passos graças à expansão da cafeicultura e dos interesses econômicos britânicos, que queriam um mercado cativo, mas em constante progresso.

Quanto ao cordel, trata-se de gênero que se constitui como manifestação da literatura popular em versos disseminada sobretudo no Nordeste6, tendo ascendente na oralidade literária

5 Não por acaso, a pesquisa de Beth Baltar (ALBUQUERQUE, 2011), já

referida, tomou como critério classificatório dos folhetos de cordel os temas e figuras.

6 E também onde ser formam comunidades nordestinas, como em São Paulo e

Rio de Janeiro. Não é coincidência que a Editora Luzeiro, possivelmente a maior editora cordelista do Brasil, ter sede em São Paulo (Cf. http://www.editoraluzeiro.com.br/5-literatura-de-cordel).

lusitana, chegada ao Brasil nos primeiros tempos da colonização. A passagem da oralidade para a forma gráfica dos folhetos demandou tempo. Primeiramente, tempo para sua visibilidade entre os literatos eruditos, a exemplo de Araripe Júnior, Sílvio Romero e José de Alencar, interessados na poética popular7,

como é o caso dos seguintes títulos de autoria desconhecida: ABC

do vaqueiro em tempo de seca e ABC do lavrador, como lembra

Rodrigo Marques (2018, p. 113) em seu levantamento histórico sobre a literatura cearense. Além disso, tempo para que se estabelecesse no Nordeste um sistema literário peculiar, com tipografia, distribuição e público leitor, o que se consolidou na passagem do século dezenove para o século vinte, com o exemplo icônico de Leandro Gomes de Barros, que, “em 1893, deu início à impressão sistemática dos folhetos” (ALBUQUERQUE, 2011, p. 26). Tais fatos, além da mudança de suporte para o texto, afastam relativamente o poeta de bancada (cordelista) do violeiro (cantador), já que este improvisa canções no contraponto do desafio e aquele elabora versos para serem lidos ou declamado, nada impedindo que recebam melodia.

A denominação de romance é corrente entre os que produzem e consumem a literatura popular em versos, constituindo-se como variada tipologia ficcional, desde contos de fadas, adaptações de obras medievais, histórias tradicionais e versões de obras eruditas, que é o caso de Luzia-Homem. Não é preciso ter grande lastro filológico para associar o romance de cordel aos antigos romances de cavalaria, inclusive com a recuperação de alguns de seus expoentes, como fez nada menos do que o já referido Leandro Gomes de Barros (1978), com títulos como A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, com direito de paternidade no chamado Ciclo Carolíngio das novelas de

7 O interesse pela cultura popular se explica em grande parte pelo programa

ideológico constitutivo do Estado-nação, baseado na crença de que o povo guarda, em estado bruto, o patrimônio cultural sedimentado de geração a geração, sendo assim necessário à preservação do sentimento de nacionalidade.

cavalaria trazidas a Portugal. Albuquerque (2011, p. 55-74), em seu exaustivo levantamento temático sobre o assunto, mostra que o termo romance aparece na classificação proposta por Orígenes Lessa, Roberto Câmara Benjamin, Manuel Diegues Júnior, Ariano Suassuna, Liêdo Maranhão de Souza, Sebastião Nunes Batista, Gustavo Dourado, dentre outras autorias. Importa ressaltar que a versão do romance erudito feita pelo cordel não é algo fortuito. Trata-se de uma prática consolidada, envolvendo três dimensões do enunciado, “o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional”, traços que Bakhtin (2010, p. 262) identifica no conceito de gênero do discurso.

Passados mais de cem anos de sua inserção editorial, o romance de cordel tende a esmaecer as diferenças entre sua concepção erudita e sua interpretação popular, visto que os dois gêneros, ainda que possuam características peculiares em sua produção e apresentação, sempre estabelecem constante diálogo entre si. Se é razoável supor esse diálogo entre esses gêneros, não chega ser um disparate inferir que isso pode corresponder a uma progressiva ascensão das classes populares aos bens culturais antes consumidos pela elite social. Nesse sentido, poetas como Arievaldo Viana e Stélio Torquato Lima operam como vetores artísticos da democratização cultural, afinal, sem negar a qualidade e a singularidade do gênero, a versão em versos não deixa de convidar para a leitura da obra original.

Breves considerações sobre a obra de partida

Antes da apreciação das versões poéticas, faremos uma síntese da obra de partida.

Luzia-Homem foi publicado em 1903. Seu autor, Domingos

Olímpio Braga Cavalcanti, ambientou esse romance na terra em que nasceu, a cidade cearense de Sobral. O contexto histórico é a conhecida Seca Grande, que durou de 1877 a 1879. O romance fixa o ano de 1878, passando-se no espaço urbano sobralense. À época, a jovem sertaneja Luzia, que chamava atenção por sua

força física, estava entre os retirantes que construíam a Cadeia Pública. Por seus atributos notáveis, entre os quais o de salvar Raulino Uchoa de ser morto por um touro, era chamada de Luzia-Homem. O romance explora a dualidade dessa mulher, a um tempo sensível e forte, filha dedicada à mãe idosa, trabalhadora incomum, mas cruelmente assediada pelo soldado Crapiúna, que por ela alimentava uma paixão doentia, que resultaria na morte de ambos. Numa leitura mais profunda, percebe-se, sob a dualidade entre o masculino e o feminino, uma simbologia que alude aos extremos da seca inclemente e da generosidade dos tempos de chuva no sertão nordestino8.

Refletindo sobre a dualidade identitária da personagem, Natália Athayde (2014, p. 104) percebe que a masculinidade de Luzia, construída pela sanção popular, encobre uma identificação feminina, revelada pelo narrador:

Os músculos de Luzia, por exemplo, antes tomados como forma da

masculinidade, tornaram-se apenas abrigo para a fragilidade e a

gradativa impotência que se configuram nela. Por outro lado, em seu ser temos a instauração progressiva da dúvida, figura da mácula que fragiliza Luzia e que se manifesta mediante a manifestação da oscilação entre luz e trevas.

No romance, há todo um investimento figurativo que sugere a sanção sobre Luzia, forte na aparência e frágil nos sentimentos, inclusive sanção sobre si mesma num viés de religiosidade popular, que vê a aberração como castigo divino, a exemplo deste flagrante:

– Não és Luzia-Homem?...

– Eu não sou nada – murmurou Luzia, abraçando a mãe e escondendo- a quase na onda de cabelos revoltos. – Sou uma infeliz, que está sendo castigada, sou uma doida, que não sabe o que faz... Perdoe-me, mãezinha da minha alma. (OLÍMPIO, 1983, c. 25, § 81)

8 É o entendimento de Leite Junior (1994), que associa esse simbolismo dual a

um conjunto de traços estilísticos que enquadrariam Luzia-Homem como romance impressionista.

Feitas essas observações sobre essa obra que se tornou um marco do regionalismo brasileiro, passemos agora às versões poéticas que deram Arievaldo Viana e Stélio Torquato Lima. Cabe sinalizar que, em face do grande número de edições de

Luzia-Homem, algumas delas disponíveis para leitura em

aparelhos eletrônicos, e as diversas possibilidades de composição dos folhetos, propomos o seguinte sistema de localização dos trechos citados: para o texto em prosa, indicaremos, após o sobrenome do autor e ano da edição consultada, os respectivos números de capítulo e de parágrafo, como neste exemplo, que se localiza no terceiro parágrafo do quinto capítulo:

Quando chegou a casa, e depôs o grande pote sobre as três garras de uma forquilha de sabiá, fincada no solo, a mãe, sentada à rede armada a um canto do quarto, gemia, à surdina, em atitude de vítima resignada ao martírio da implacável moléstia. (OLÍMPIO, 1983, c.5, §3)

No caso dos poemas, indicaremos o sobrenome do autor e ano da edição consultada, seguidos da estrofe, como neste exemplo, que traz a sétima estrofe do folheto de Arievaldo Viana, correspondente à mesma passagem acima, com o precário estado de saúde de Zefinha, mãe da protagonista:

Agora vamos falar Da heroína Luzia Em um casebre afastado Com a sua mãe vivia Dona Zefinha doente Tinha uma asma inclemente

Que aos poucos lhe consumia. (VIANA, 2002, e. 7)

A versão de Arievaldo Viana

Antes de passar ao texto propriamente dito, vejamos alguns elementos paratextuais: o título, a ilustração da capa, nota de esclarecimento sobre a origem do poema e a nota editorial sobre o

vínculo do folheto numa série didática. O título adotado por Viana é Romance de Luzia-Homem, evidenciando, como se vê, duas possibilidades contratuais de leitura do gênero textual: para o leitor de romances em prosa, romance aqui remete ao original de Domingos Olímpio; mas, para o leitor sertanejo, ou que conhece o código de leitura sertaneja, trata-se de uma narrativa longa, com peripécias em torno de um fundo moral. Conhecemos três versões da capa, duas das quais baseadas no cartaz de divulgação do filme Luzia Homem9, dirigido por Fábio Barreto, lançado em

1988, com participação de Cláudia Ohana no papel da protagonista (obra cuja apreciação foge aos propósitos desta investigação). Percebe-se que houve uma versão mais próxima da composição do cartaz, mantendo-se a policromia e mesmo seu arranjo gráfico, e outra, tudo indicando que de data posterior, reelaborada como xilogravura, com a figura de Luzia em preto e o segundo plano em ocre. Curiosamente, a arma segurada pela protagonista é item figurativo que remete especificamente ao filme, que assim propõe uma identidade figurativa com os filmes estadunidenses de faroeste, e não com o livro original, onde Luzia aparece, numa analepse do texto, ao lado do pai, auxiliando-o no trato do gado. Cabe ressaltar que a adaptação de cartazes cinematográficos foi prática corrente na elaboração das capas dos folhetos, mesmo sem haver nexo entre o filme e o folheto. Uma terceira capa, uma xilografia monocromática, mostra o rosto sofrido de uma jovem com traços sertanejos. O folheto de Viana (2002) traz uma nota introdutória explicativa sobre a escolha do romance, com o qual o cordelista participara do V Prêmio Domingos Olympio de Literatura, promovido pela Prefeitura de Sobral (CE) em 2002. Outro dado paratextual da maior relevância, localizado após o texto poético, é menção ao Projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, que ressalta o papel histórico dos versos de cordel na alfabetização sobretudo do