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Marijara Oliveira da Rocha

Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis. Provérbios 31:10

Introdução

Nascido em 18 de setembro de 1967, em Quixeramobim, interior do Ceará, filho primogênito do poeta de improviso Francisco Evaldo de Sousa Lima, e da senhora Hathane Maria Viana Lima, Arievaldo Viana Lima revela, em sua autobiografia que, desde muito cedo, foi apresentado ao universo do cordel.

De acordo com seu relato, o poeta nos diz que, ainda na primeira infância, por volta dos 04 ou 05 anos, sua avó Alzira Sousa fazia, para ele, a leitura dos folhetos de literatura popular que colecionava. Foi a avó quem o alfabetizou, fazendo uso da cartilha do ABC e de folhetos consagrados como As proezas de

João Grilo e Travessuras de Pedro Malazartes.

Além da influência familiar, Arievaldo também cita as narrativas de uma antiga rezadeira, dona Bastiana, e da neta desta, Rita Maria, que o “enfeitiçava” com suas histórias de trancoso. Dessa forma, por volta dos 06 ou 07 anos, após economizar as moedinhas, comprou para si alguns folhetos na

Praça Thomaz Barbosa, no centro da cidade de Canindé, Ceará. Esse dia ficou marcado na memória do escritor:

Um espetáculo magnífico, que ainda hoje trago retido nas dobras da memória. Havia folhetos editados na Tipografia das Filhas de José Bernardo, de Manoel Caboclo e Silva, de João José da Silva e de Manoel Camilo dos Santos. Lembro-me bem de haver comprado

Roberto do Diabo, Intriga do Cachorro com o Gato, Roldão no Leão de Ouro

e O príncipe do Barro Branco no Reino do Vai-não-torna. (VIANA, On-

line, 2014)

Quando tinha entre 08 e 09 anos de idade, escreveu sua primeira obra: sextilhas que versavam a respeito de uma de suas aventuras com os primos Totonho, Osvaldo e Marquinhos. Assim Arievaldo relembra a confecção da obra:

Eu pegava um papel que vinha no miolo de uma caixa de Maizena, dobrava ao meio e fazia o miolo de um livreto do mesmo formato de um cordel. Depois pegava aquele papel de embrulho verde ou rosa que havia no balcão da bodega do meu avô e fazia a capa do verso. Pra completar, escrevia em letra de forma e fazia uma capa com caneta preta, imitando uma xilogravura. (VIANA, On-line, 2014)

Ao longo de sua jornada como cordelista, foi influenciado pela leitura de seus poetas populares favoritos, como Leandro Gomes de Barros e José Pacheco da Rocha, e também pelos grandes nomes da literatura brasileira clássica, como Olavo Bilac, Castro Alves, Augusto dos Anjos e Gregório de Matos.

Após morar um período na “cidade grande” (para dar continuidade aos estudos, o poeta precisou residir com parentes, em Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza), em 1980, juntamente com os pais, voltou a morar no município de Canindé, interior do Ceará. Lá, passou a colaborar com o jornal O POVO, nas edições dominicais, com uma “tira” do cangaceiro Nonato Lamparina.

Durante a década de 90, período difícil para a produção cordelista cearense, preocupado com a dependência que o folheto

de feira da cidade de Canindé apresentava do material da Editora Luzeiro, de São Paulo, o escritor volta a produzir sozinho e, em parceria com Pedro Paulo Paulino e Gonzaga Vieira, lança a Coleção Cancão de Fogo.

No ano 2000, passou a ser membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), onde ocupa a cadeira de nº 40, que tem por patrono João Melchíades Ferreira da Silva. Em 2002, cria o projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, cujo intuito é alfabetizar jovens e adultos por meio da poesia popular. Esse projeto passou a ser adotado em diversos municípios cearenses.

Com mais de 100 cordéis e vários livros publicados, Arievaldo Viana Lima é ainda radialista, ilustrador e publicitário.

Rainha Ester: uma releitura da narrativa bíblica

Embora não seja uma criação originalmente nordestina, foi aqui, no Nordeste do Brasil, que a literatura de cordel, oriunda do Romanceiro Ibérico, adquiriu características particulares. Conforme descreve Bráulio Tavares, “se esses folhetos não nasceram no Nordeste, pode-se dizer, no entanto, que no Nordeste foram criados, no sentido popular do termo” (TAVARES, 2005, p. 124). Diégues Júnior (1977) ainda acrescenta material à discussão quando nos diz que “a organização da sociedade patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandido, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais, as lutas de famílias” constituíram material de grande relevância para a criação de cordel nordestina.

Embora haja registro do comércio de folhetos, nas ruas, desde o período colonial brasileiro, convém registrar que essa literatura tem origem proveniente da literatura oral, dos cantos, contos, provérbios, parlendas, adivinhações e lendas que, ao longo das gerações, foram retomados e recriados, e assim, registrados na forma escrita.

Dessa forma, a origem popular da literatura de cordel vem carregada do sentir do povo, refletido pela linguagem regional simples, melodiosa, simbolismos, arcaísmos e modismos que se configuram como importante instrumento de comunicação; em sua estrutura proporciona a relação dialógica entre o erudito e o popular.

Durante a década de 1930, atingiu-se o auge da produção e do comércio da literatura de cordel no Brasil. Nesse período, segundo nos esclarece Galvão (2001), surgiram as “redes de produção e distribuição dos folhetos, centenas de títulos foram publicados, um público foi constituído e o editor deixou de ser exclusivamente o poeta”. O grande nome de destaque dessa época é o do poeta/editor João Martins de Athayde. Ele adquiriu toda a obra de Leandro Gomes de Barros por meio do genro do poeta, Pedro Batista, também editor, que ficou responsável por cuidar da obra de Leandro de Barros após a sua morte.

Durante o seu período áureo, os folhetos da literatura de cordel estavam para além do puro entretenimento; eram utilizados também como meio de veicular informações, o que acabava promovendo a socialização das pessoas que se reuniam para ouvi-los sendo lidos. Diégues Júnior (1977) classifica esse tipo de literatura popular informativa como “cordel circunstancial”. Segundo ele,

Instrumento de comunicação, alargou-se depois à divulgação dos fatos acontecidos, coisas de que a população não podia ter conhecimento senão por essa forma. Rádio não existia; jornal era raro. Quando este chegava, levado dos grandes centros – Recife ou Fortaleza, por exemplo – com o atraso normal dos meios de transporte de então, já o folheto se antecipava na divulgação do fato. Tornava-se o folheto o elemento mais expressivo para que os acontecimentos chegassem ao conhecimento de todos, lidos nos mercados, nas feiras, nos serões familiares. (DIÉGUES JÚNIOR, 1977, p. 17)

Ainda em relação à temática, a literatura de cordel perpassa os mais variados assuntos de interesse em geral; além de

temáticas já tradicionais às produções de folhetos, atualmente, temáticas sociais apresentam grande relevância para essa literatura.

Neste estudo, basear-nos-emos na classificação estabelecida por Manuel Diégues Júnior (1977), que divide a temática cordelista em três grandes grupos, a seguir elencados: 1. Temas

tradicionais: a) romances e novelas; b) contos maravilhosos; c)

histórias de animais; d) anti-heróis, peripécias e diabruras; e) tradição religiosa. 2. Fatos circunstanciais ou acontecidos: a) natureza física: enchentes, secas, cheias, terremotos, etc.; b) de repercussão social: festas, novenas, astronautas, etc.; c) cidades e vida urbana; d) crítica e sátira; e) elemento humano: figuras atuais ou atualizadas (Getúlio Vargas, ciclo do fanatismos e misticismo, ciclo do cangaceiro, etc.), tipos étnicos e regionais, etc.; 3. Cantorias e pelejas.

Dentre todas as temáticas assinaladas, destaca-se, na tradição nordestina, a temática da religiosidade. A respeito dos cordéis criados a partir de temáticas religiosas, Tavares Júnior ainda esclarece:

As narrativas de Cordel, exprimindo um mundo de características primitivas, de fortes raízes religiosas, de crença inabalável no sagrado, de fé em um tempo prodigioso, de certeza na existência de seres sobrenaturais, são, de fato, histórias míticas, que “satisfazem a profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo a exigências práticas”, como nos diz Malinowski, ao tentar demonstrar a natureza e a função do mito nas sociedades primitivas. (TAVARES JÚNIOR, 1980, p. 14)

Desse modo, é comum aos poetas populares escolherem eventos ou personagens religiosos (da tradição cristã, comumente) para dar vida à narrativa de seus cordéis. E assim fez Arievaldo Viana, ao escolher a rainha Ester, protagonista do 17º livro do Antigo Testamento, como heroína do folheto

História da rainha Ester.

Escrito, aproximadamente, em 460 a.C., por um autor desconhecido, o livro de Ester, incorporado à Bíblia, teve como

público alvo as gerações posteriores do povo judeu; o intuito do texto foi registrar os eventos ligados à libertação dos ancestrais judeus na Pérsia, os quais levaram ao estabelecimento da festa anual Purim. Na narrativa bíblica, acompanhamos a ascensão da judia Ester ao trono da Pérsia. Essa união, no entanto, não acontece devido ao acaso: mas é compreendida como uma missão divina, tendo em vista que caberá a Ester salvar o povo judeu do extermínio:

Então, disse Ester que tornassem a dizer a Mardoqueu: vai, e ajunta todos os judeus que se acharem em Susã, e jejuai por mim, e não comais nem bebais por três dias, nem de dia nem de noite, e eu e as minhas moças também assim jejuaremos; e assim irei ter com o rei, ainda que não é segundo a lei; e perecendo, pereço. (LIVRO DE ESTER 4: 15-16)

No livro de Ester, além da personagem-título, são-nos apresentados ainda Mardoqueu, seu primo, Assuero, o rei da Pércia, o qual “escolhe” Ester como esposa e Hamã (grafia bíblica), homem cuja vaidade o fará conspirar contra a vida dos judeus.

No cordel História da rainha Ester, Arievaldo Viana Lima reúne todos esses personagens, acrescentando, entretanto, algumas poucas modificações à narrativa original. No texto popular, a história é dividida em cinco partes, a saber: 1. Invocação da sabedoria divina; 2. Apresentação de Ester; 3. Apresentação de Mardoqueu; 4. Apresentação de Aman (grafia popular); 5. Exaltação de Mardoqueu; 6. Destino de Aman. O enredo é apresentado ao leitor por meio de 56 estrofes, escritas todas em forma de sextilhas. Essa narrativa corresponde aos oito primeiros capítulos do livro bíblico composto, em sua totalidade, por dez.

A história de Arievaldo Viana começa com a invocação do narrador ao “Santo Deus Onipotente”, clamando-lhe por sabedoria para revelar “Uma história tão comovente”:

Supremo Ser Incriado Santo Deus Onipotente Manda teus raios de luz Ilumina a minha mente Para transformar em versos

Uma história comovente. (VIANA, 2017, p. 1)

Em seguida, o narrador releva que a judia Ester foi a escolhida para substituir a rainha Vasti como nova esposa do rei Assuero, mas sem que este viesse a conhecer sua verdadeira origem, conforme orientação de Mardoqueu (apresentado aqui como tio de Ester):

Dentre as mulheres mais belas Ester foi a escolhida

Para ser a nova Rainha Pelo rei foi preferida Mardoqueu disse à sobrinha: – Não revel a sua vida! – Pois nosso povo é cativo E vive na opressão Talvez o rei não a queira Vendo a sua condição É melhor guardar segredo

Sobre seu povo e nação. (VIANA, 2017, p. 3)

Após salvar Assuero de uma cilada arquitetada pelos próprios seguranças, Mardoqueu cai nas graças do rei, despertando assim a ira e a inveja de Aman, Primeiro Ministro:

Mardoqueu perante o rei Subiu muito de conceito Deu-lhe o rei um alto posto Por ser honrado e direito Por isso era invejado

Como o texto já adianta, Aman, sujeito de mau coração, movido pela inveja, trama contra a vida de Mardoqueu e de todos os judeus: por meio de um decreto, ordenou que toda a população do reino, sob pena de morte em caso de não-cumprimento, ajoelhasse-se diante de sua presença, sabendo Aman, desde muito tempo, que tal ação ao povo judeu era inconcebível, tendo em vista que, conforme suas crenças, somente diante do Deus Verdadeiro eles deveriam ajoelhar-se:

O Ministro indignou-se Com todo o povo judeu Porque não obedeciam Aquele decreto seu Pensava em aniquilar A raça de Mardoqueu. Mandou baixar um Edito Marcando a hora e o dia Para o povo ajoelhar-se Porém Aman não sabia Que a bela rainha Ester Era uma princesa judia. Mardoqueu leu o decreto Gelou de medo e pavor Comunicou a Ester Que Amam, em seu furor Queria exterminar

A raça do Redentor. (VIANA, 2017, p. 6)

Assim, Mardoqueu, sem ter o que fazer, recorre a Ester que, sentindo-se impotente devido à ordem vigente que impedia qualquer um de apresentar-se na presença do rei sem ser convidado, recusa-se, inicialmente, a ajudar seu povo:

– Querida Ester, disse ele Venho triste lhe contar Que o Primeiro Ministro Jura por Marduk e Isthar Que o nosso povo judeu

Decidiu eliminar. – Esse Decreto já foi Pelo rei sancionado Armou para nós a forca O dia já está marcado Matará todo judeu Que não ver ajoelhado. – Meu tio, responde Ester Eu nada posso evitar

Pois quem se apresenta ao rei Sem ele próprio chamar Por um decreto real

Manda na hora enforcar. (VIANA, 2017, p. 6-7)

Dessa forma, como muito bem arquitetado por Aman, os judeus foram condenados à morte e o Primeiro Ministro mandou preparar uma forca especialmente para Mardoqueu. Ester, compreendendo, então, que seu destino estava ligado ao de seu povo, decide enfrentar a ordem estabelecida e apresentar-se diante do rei sem convite:

O leitor deve lembrar Que Ester, a bela rainha Já sabia do decreto E qual a sorte mesquinha Destinada a seu povo Porém o medo a detinha. (...)

Mas o tempo ia passando Como o rei não a chamou A dura pena de morte Decidida ela enfrentou Foi à presença do rei

Para a surpresa da rainha, Assuero a recebeu muito bem; então, Ester colocou em prática o seu plano: convidou o rei para um jantar e pediu que Aman também fosse convidado. Este, sem de nada desconfiar, recebe, lisonjeado, o convite. No jantar, Ester revela toda a verdade sobre a sua origem e sobre os planos malignos de Aman:

Na presença do ministro Assuero perguntou Diz-me agora, ó rainha Por que razão me chamou? Então Ester decidida Por esta forma falou:

– Majestade eu tenho a honra De ser a tua consorte

Porém a mão do destino Quer turvar a minha sorte Porque o meu próprio povo Está condenado à morte. Diz o rei: - Quem concebeu Este plano tão malvado? Por que motivo o teu povo À morte foi condenado? Disse ela: Foi Aman

Ele é o grande culpado. (VIANA, 2017, p. 13-14)

Aqui então, o destino de Aman é selado e ele acaba sendo enforcado na forca que mandara construir para Mardoqueu. Assim se encerra a narrativa de A história da rainha Ester.

O percurso gerativo de sentido em História da rainha Ester

No livro O mito na literatura de cordel, Luiz Tavares Júnior aponta os elementos característicos do Mito da Inocência Perseguida (M1) e do Mito da Maldade Castigada (M2), por meio da análise dos folhetos Os martírios de Genoveva de Bradante, de Leandro Gomes de Barros, e História do rapaz que botou a sela na

mãe e amigou-se com a irmã, de Cícero Laureano. Em sua obra,

Tavares Júnior esclarece a respeito dos variados sentidos que perpassam o texto, atribuindo-lhe uma voz plural. De acordo com ele,

se o sentido do texto se acha fingido, travestido, na superfície, no entanto, em seu processo de criação, em sua enunciação, surgem pistas indicadoras de sua autenticidade, de sua verdadeira revelação, e o dito vai-nos encaminhar ao não-dito, nos conduzir à sua plena manifestação. Assim ele descobre, enquanto encobre, e encobre, enquanto descobre. O texto se faz, se tece dentro deste jogo mascarador, que conta com o concurso da frase para inocentar-lhe a estrutura, neutralizar-lhe seu poder de revelação.

Dentro dessa visão renovada de compreensão da dinâmica do texto, o enunciado, o sentido de superfície é uma metaforização de uma estrutura mais profunda, responsável por um sentido primeiro, que não é único, que não é um ato acabado, mas uma “potência”, uma força geradora, manipulada pelo trabalho poético, (poein) no remanejamento das estruturas linguísticas. (TAVARES JÚNIOR, 1980, p. 11)

Compreendendo que o texto é permeado por diversos sentidos, revelados e/ou subjacentes, analisaremos, a partir daqui, o cordel História da rainha Ester sob a perspectiva do percurso gerativo de sentido, desenvolvida por Algirdas Julien Greimas (1973). Nesse sentido, o percurso gerativo de sentido “é uma sucessão de patamares, cada um dos quais suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido” (FIORIN, 2002). Ainda conforme o mesmo autor (FIORIN, 1999), esse percurso gerativo de sentido se divide em três patamares: as estruturas fundamentais, as estruturas narrativas e as estruturas discursivas.

O primeiro patamar é o nível fundamental, o nível mais elementar, que abrange categorias semânticas que se encontram na base da construção de um texto. Nessa classe, são identificadas oposições que recebem valores eufóricos (positivos), ou disfóricos (negativos).

Em História da rainha Ester, identificamos as oposições Humildade versus Orgulho (Soberba) e Fidelidade versus Falsidade. Percebemos ainda a presença de outros elementos eufóricos, como Beleza, Vida e Revelação (associados às figuras de Mardoqueu e de Ester), bem como de elementos disfóricos, como Inveja, Soberba, Morte e Ocultação (relacionados às ações de Aman).

Sobre o nível narrativo, Diana Barros (2002) esclarece que esse é o nível responsável pela organização da narrativa “através do ponto de vista de um sujeito”. Ela ainda revela que existe, nesse nível, um “fazer transformador de um sujeito que age sobre o mundo através de objetos de valores”. (BARROS, 2002, p. 16)

É no nível narrativo que identificamos os elementos responsáveis pelo contrato narrativo. A esse respeito, Tavares Júnior afirma que

o contrato é um sistema de comunicação. Sua atualização requer as figuras do destinador, que transmite um programa virtual de ação – Objeto – a um destinatário. A busca do objeto faz surgir a figura do sujeito e possibilita o aparecimento do adjuvante; figura que contribui para que o sujeito alcance o objeto; e a figura do oponente, que luta para impedir a ação do sujeito na direção de seu desejo de atingir o objeto. (TAVARES JÚNIOR, 1980, p. 17)

Nessa perspectiva, podemos identificar os seguintes actantes no cordel História da rainha Ester:

ACTANTES ATORES Destinador Mardoqueu Objeto Vida Destinatário Ester Sujeito Ester Adjuvante Assuero Oponente Aman

Assim, Mardoqueu assume o papel de destinador e Ester o

de destinatário ao pedir a intervenção desta junto ao rei: “– Querida Ester, disse ele/Venho triste lhe contar/Que o Primeiro

Ministro/Jura por Marduk e Isthar/Que o nosso povo judeu/Decidiu eliminar” (VIANA, 2017, p. 6).

O objeto dessa empreitada, passa a ser a manutenção da vida dos judeus, ou seja, o cancelamento do decreto real: “– Este Decreto já foi/Pelo rei sancionado/Armou para nós a forca/O dia já está marcado/Matará todo judeu/Que não ver ajoelhado” (VIANA, 2017, p. 7).

Ao assumir para si, a responsabilidade de intervir junto ao rei, Ester passa, então, a exercer o papel de sujeito da ação narrativa: “Há dias que ela esperava/Uma oportunidade/Para falar com o rei/Contar-lhe toda a verdade/E, em favor de seu povo/Implorar-lhe piedade” (VIANA, 2017, p. 11).

Aman é aqui categorizado como oponente, já que opunha-se à conjunção entre o sujeito (Ester) e o objeto (Vida): “Este Aman de que vos falo/Era o Primeiro Ministro/Um dos homens mais perversos/De quem se teve registro/Tramava contra os judeus/Um plano mau e sinistro” (VIANA, 2017, p. 5).

Para tanto, a Ester só foi possível agir, devido à sua condição de rainha, garantida por Assuero (adjuvante, já que a auxiliou a chegar a tal posição) quando este a escolheu como esposa: “Dentre as mulheres mais belas/Ester foi a escolhida/Para ser a nova Rainha/Pelo rei foi preferida” (VIANA, 2017, p. 3).

Segundo Diana Barros, esses actantes organizam-se, na narrativa, hierarquicamente, por meio de uma sequência canônica que obedece a um “modelo hipotético da estruturação geral da narrativa” (BARROS, 2002, p. 36). Esse padrão encontra- se estruturado em quatro fases, a saber: manipulação, competência, performance e sanção.

A manipulação corresponde à primeira fase do processo narrativo. Aqui, um personagem (destinador) age sobre outro (destinatário), conduzindo-o a um querer e/ou dever fazer. De acordo com Fiorin (2002), a manipulação pode ser exercida por

meio de pedido, sedução, tentação, provocação, ordem ou intimidação.

Em História da rainha Ester, Mardoqueu é o destinador que manipula Ester (destinatário) por meio do pedido: “– Querida Ester, disse ele/Venho triste lhe contar/Que o Primeiro Ministro/Jura por Marduk e Isthar/Que o nosso povo judeu/Decidiu eliminar.” (VIANA, 2017, p. 6)

O texto bíblico, no entanto, revela que a manipulação