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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO DA IMAGEM INSTAGRANIANA

No documento [Em-nós] identidades instagranianas (páginas 55-59)

Quando se pensa em redes sociais digitais, torna-se indissociável a presença da selfie, um dos principais tipos de fotografia encontrados na rede. Atualmente, há inúmeros aplicativos que proporcionam filtros e possibilidades de edição e retoque fotográfico, dispondo a qualquer usuário, inclusive automaticamente, opções de ajuste visando uma melhor fotografia de si, a selfie perfeita. A partir desse contexto, surgem alguns questionamentos, tais como: (I) de que forma o uso de aplicativos móveis de edição contribui na alteração da realidade construindo novas identidades virtuais nas redes sociais? e (II) como isso pode se refletir no campo da arte contemporânea? Essa questão é um dos pontos-chave que motivam o presente estudo e desdobra-se nessa seção.

Para tal, propõe-se um panorama acerca da imagem fotográfica na contemporaneidade levando em consideração alguns conceitos sobre a pós- fotografia que estão relacionados ao trabalho desenvolvido. O intuito é que sejam compreendidos alguns fatores essenciais nas edições das identidades em termos de contexto e potencialidades e possíveis decorrências desse uso. Diante do conteúdo abordado no capítulo anterior, propõe-se desvendar mais profundamente a série desenvolvida. Para isso, centra-se atenção também às questões contemporâneas da pós-fotografia.

Inicialmente, ressalta-se a fotografia como uma importante ferramenta utilizada na produção desenvolvida nessa pesquisa, já que a partir dela são feitas todas as inúmeras modificações nos aplicativos do celular. As mídias digitais como os computadores e, no caso das produções aqui apresentadas, o celular, possibilitam todos os aparatos necessários para a criação das identidades, como coloca o artista e autor norte-americano Michael Rush (2006, p. 164): ―o novo poder que a tecnologia digital confere à imagem a torna infinitamente maleável.‖ A série [EM-NÓS], claramente, explora a maleabilidade da imagem fotográfica a partir de sucessivas edições na tela digital do celular; como resultado propõe-se uma obra em arte digital e, como na concepção do autor, ressalta-se o processo de edição no aplicativo como parte essencial na construção da obra. Em razão disso, defende-se o trabalho aqui apresentado como inserido na linguagem de arte digital e não de fotografia.

No entanto, a fotografia faz parte do contexto, referência e processo nas gerações dos resultados de imagem e vídeo aqui encontrados. Dessa forma, torna- se necessário abrir algumas considerações sobre o assunto. Inicialmente, pode-se ressaltar que a captura fotográfica na pós-fotografia abre caminho para uma nova série de questionamentos, como exemplifica o artista e pesquisador espanhol Joan Fontcuberta (2016, p. 40) com a história da primeira selfie realizada por um macaco. O autor conta que, em 2011, o fotógrafo naturalista britânico David Slater realizava um reportagem com um grupo de macacos, quando uma fêmea aproximou-se de sua câmera montada num tripé e começou a manuseá-la, instigada ao ver seu próprio reflexo na lente. Então, ocasionalmente, a macaca teria pressionado o botão do obturador e gerado uma série de autorretratos na câmera de Slater. Tal caso levantou uma polêmica acerca do direito da imagem dessa ―selfie‖(ibid., p.40).

As imagens se tornaram tão populares que a Wikipedia decidiu utilizar uma para ilustrar sua entrada Celebes crested macaque [Macaca nigra]. Slater se sentiu prejudicado pela reprodução não autorizada e exigiu sua retirada. A Wikipedia argumentou que se tratava de uma fotografia obtida por um animal e, portanto, pertencia ao domínio público. A disputa acabou nos tribunais. Em agosto de 2014, o US Copyright Office emitiu uma deliciosa sentença de 1222 páginas em que, de forma explícita, excluía a possibilidade de atribuir direitos de autor a qualquer obra criada pela ―natureza, animais, plantas, seres divinos e sobrenaturais‖ (FONTCUBERTA, 2016, p.41).

No entanto, Fontcuberta destaca uma série de fatores a serem pensados a respeito disso. Inicialmente, que se a decisão jurídica tivesse sido realizada em Londres, a lei britânica poderia atribuir direitos autorais ao fotógrafo, já que a fotografia poderia ter sido sua criação intelectual (FONTCUBERTA, 2016, p. 42). O autor analisa também os fatores que descreve como significativos:

O primeiro é que, diferentemente das câmeras do século XIX, o equipamento utilizado por Slater era um dispositivo portado de um complexo programa integrado que atuava por parâmetros padrões (frame, foco automático, exposição automática, processamento de captura, codificação de metadados, etc.). Tal programa pode ser entendido como um pacote de conhecimentos comprimidos e aplicados para produzir um determinado tipo de representação pictórica: aos necessários desempenhos mecânicos e ópticos, as câmeras atuais integram um modelo de engenharia eletrônica e performance informática que faz de seus sofisticados automatismos o fermento da robotização. A câmera se torna o apoio de uma inteligência tecnológica autônoma. Quando o macaco pressionou – inocentemente – o botão da câmera, acionou toda a cadeia de valores ideológicos – nada inocentes – inerentes à história da representação realista, desde a techné helênica e a perspectiva central renascentista até o naturalismo positivista e o êxtase escópico das sociedades do capitalismo tardio O segundo elemento significativo reside no ato de apropriação por parte do fotógrafo. Até esse momento só tínhamos uma imagem adormecida, conseguida por um agente involuntário. Uma imagem que repousava no limbo do cartão de memória, como Branca de Neve no bosque à espera do beijo que lhe devolva à vida. Slater foi o oportuno príncipe encantado que deu esse beijo: insuflou intenção a uma imagem que carecia dela. Identificou essas tomadas singulares, as editou, geriu sua mise-en-valeur, promoveu sua visibilidade e organizou sua circulação. Em outras palavras, acrescentou sentido a elas. De uma imagem bruta e não obra, Slater fez uma obra. A mera imagem foi fabricada em cooperação pelo corpo do macaco e os automatismos da câmera; a imagem-obra foi criada por Slater ao prescrever sentido. E daí se infere que o raciocínio permanece válido para todas as imagens que dormem, então em mercados de pulgas, em arquivos ou em qualquer dos meandros da rede (FONTCUBERTA, 2016, p. 42).

Um exemplo para a questão da autoria na pós-fotografia, especificamente ligada ao Instagram, foi a exposição New Portraits do artista americano Richard Prince. Em 2014, o artista realizou essa polêmica exposição na Gagosian Gallery em Nova Iorque, tendo uma grande repercussão ao levantar questões sobre o uso das imagens que circulam na rede. Foram expostas 38 telas impressas em tinta de

67x55cm a partir de screenshots de diversos usuários do Instagram. Prince não solicitou permissão; realizou as capturas de tela, as quais sofreram pequenas alterações como comentários acrescentados pelo autor e utilização de emojis13 . Das

obras impressas e expostas algumas foram vendidas por mais de 90 mil dólares.

Figura 25 – Exposição New Portraits. Richard Prince

Fonte: (MCKEEVER, 2014).

O crítico de arte norte-americano Jerry Saltz publicou um interessante texto sobre a mostra New Portraits de Prince. O texto encontra-se no site da revista New York e também na página da Galeria Gagosian onde o trabalho do artista é exibido. Dentre as considerações do crítico, há importantes notas sobre como a exposição de Prince traçou novas perspectivas sobre a imagem instagraniana. Uma delas, foi a respeito desse deslocamento do universo virtual para a galeria: ―The New Portraits are all fuzzy and out of focus, reflecting the low quality of the digital files and iPhone lenses, not to mention what happens to this information when it’s magnified‖ (SALTZ, 2014, n.p.). Vale destacar que um ponto característico das imagens compartilhadas no instagram é a baixa resolução, e isso influencia quando ela é redimensionada para tamanhos maiores como, por exemplo, as telas impressas e expostas por Prince.

13 Palavra original do japonês: ―e‖ (imagem) e ―moji‖ (personagem), podem ser caracterizadas por serem figuras prontas disponíveis para uso em texto. O primeiro emoji foi de um coração, em 1995. Atualmente, são amplamente utilizados para acompanhar texto, ou até mesmo sozinhos possuem significância em diálogos.

Outra questão que Saltz destaca é justamente esse deslocamento que Price faz da imagem do Instagram: ―Prince's slices of immaterial digital reality uploaded into physical space and placed in art galleries stretch the membrane thinner between these realms‖ (ibid. n.p.). A partir do momento que o artista tomou para si as imagens do aplicativo e as exibiu numa galeria de arte, para Saltz (2014), Prince diminui a distância entre esses dois lugares.

No que se refere às questões de apropriação, Saltz (2014, n.p) afirma que: ―Since the beginning of his career in the 1970s Prince has always been controversial. His reproducing other images in deadpan ways stretched definitions of art and has landed him on the wrong side of the law‖.

Dessa maneira, para o autor, a produção de Prince também utiliza a imagem apropriada como um material para fazer arte, que poderia ser relacionado a qualquer outro material que outro artista utilize (ibid. n.p). Complementa, dizendo que muitos artistas preocupam-se demasiadamente com noções de direitos autorais totalmente obsoletas, contrárias a eles (ibid. n.p.).

No desenvolvimento das obras da série [EM-NÓS], algumas questões podem ser pensadas a partir da pós-fotografia e da obra de Prince, mas em contextos distintos. As fotografias-base utilizadas nas produções da série foram adquiridas mediante um termo de concessão de imagem14, correspondendo a um material

essencial para a produção das obras.

Neste sentido, optou-se por não utilizar a apropriação das imagens-base, e sim, adquiri-las de pessoas próximas que utilizam das redes sociais e fotografias em seu cotidiano. No entanto, destaca-se novamente o processo de des/re/construção das identidades como parte essencial da obra.

3.2 MODIFICAÇÕES E RE-CONSTITUIÇÕES NAS IDENTIDADES

No documento [Em-nós] identidades instagranianas (páginas 55-59)