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MODIFICAÇÕES E RE-CONSTITUIÇÕES NAS IDENTIDADES

No documento [Em-nós] identidades instagranianas (páginas 59-75)

Para a geração das fotografias-base, duas pessoas próximas dispuseram-se a ter suas selfies utilizadas na produção das obras da série [EM-NÓS]. Para isso, solicitou-se que fizessem capturas de selfies ao longo de um determinado período de tempo do modo como costumavam fazer para suas próprias redes sociais. Não

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houve nenhuma especificidade em termos tecnológicos, ângulos, estilos ou outros aspectos, a não ser que as imagens fossem realizadas em dias diferentes. Ao todo, a série constitui-se por imagens-base de dois indivíduos, duas pessoas que concederam sua imagem para ser des|re|construída.

No que diz questão ao aparato tecnológico, foram utilizados três modelos distintos de aparelhos celulares (do tipo smartphone) para fazer as capturas das imagens: um iphone e dois androids. As edições foram realizadas todas no mesmo aparelho, iphone, e em diversos aplicativos.

Figura 26 – Comparativo da identidade pré/pós edições.

Fonte: (Arquivo pessoal do autor).

Como lembra Manovich:

É claro que, observando muitos exemplos de instagramismo contemporâneo, é possível argumentar que "a vida como improvisação" mostra os autores completamente encenados e planejados por eles. Mas a realidade é mais complicada. O limite entre autêntico e encenado, improvisado e planejado nem sempre é claro. Por exemplo, se o autor fizer algumas edições básicas para as fotos capturadas, aumentando o brilho, o contraste e a nitidez, em que ponto declaramos esta foto ser "calculada" e não "autêntica"? (MANOVICH, 2018, p 126)

Tais pontos comentados pelo autor podem ser observados em feeds de usuários do Instagram todos os dias. Muitas situações são criadas especificamente para postar uma foto. Além das questões das edições básicas, é crescente a utilização de edições mais avançadas equivalentes a ―Photoshops15‖ móveis. Esses

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Photoshop é um software da Adobe Systems, reconhecido mundialmente, por realizar edições de imagens bidimensionais.

aplicativos prometem detecção facial e fácil manipulação das ferramentas para um melhoramento nas fotografias do usuário, ou seja, um embelezamento estético com poucos toques na tela do celular (Figura 27).

Figura 27 – Anúncios publicitários exibidos no feed do Instagram.

Fonte: (Instagram App).

Nesse contexto pode-se dizer que as mídias digitais móveis vem sendo regidas sob um culto da beleza, como pode ser evidenciado por alguns autores, como refere Lima (2015). A partir disso, busca-se analisar e questionar quais seriam os limites estéticos alcançados nesses aplicativos, rompendo a realidade e criando novas identidades, deparando-se, assim, com conceitos como idealização e juízos estéticos subjetivos relacionados à imagem de como o indivíduo se vê, entre outros.

Vale lembrar que, na era digital, identidades além de criadas, podem ser roubadas. Uma usuária do Instagram/Twitter compartilhou que teve uma foto sua roubada. Quem roubou inseriu um rosto novo utilizando o corpo de Jessica Hunt (Figura 28).

Figura 28 – Identidade de Jessica Hunt roubada.

Fonte: (HUNT, 2017).

Sendo assim, um aspecto a ser destacado nessas produções é a forma como essas identidades são construídas e dissolvidas; para isso busca-se relacionar outras produções onde a identidade é participante ou integrante da obra. Joan Fontcuberta (2010) apresenta alguns artistas que abordaram o que ele delimita como dissolução das identidades em suas obras. Um deles é o artista norte- americano Keith Cottingham.

Em sua obra Ficticius Portraits de 1993, Cottingham questiona os ideais de perfeição da alta sociedade dos Estados Unidos (Figura 29). Assim, produziu identidades de adolescentes clonados não biologicamente e, sim, por manipulação digital, não intervindo na configuração biológica do organismo, mas na sua informação.

Figura 29 – Fictitious Portraits. Keith Cottingham. 1992.

Fonte: (COTTINGHAM, 2018).

A partir do trabalho de Cottingham, pode-se levantar alguns pontos para relacionar com o as identidades das redes. As identidades de Cottingham partem de um princípio onde sua realidade estava na informação que elas transmitiam, não em sua composição biológica. Quando se compartilham selfies em redes como o Instagram, está se expondo uma informação digital do ―eu‖, que passa a ser

absorvida como uma identidade para quem está observando em seu celular em qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, quando se editam as próprias selfies está- se mudando a informação que configura aquela imagem pessoal. Aqui há dois pontos que devem ser considerados: no primeiro, o indivíduo pode ter consciência que as edições (mesmo que levemente insignificantes) não alterariam a visão sobre sua ―identidade‖; no segundo, mesmo agindo deliberadamente, a informação compartilhada prevaleceria sobre os preceitos de realidade e verdade.

Para Manovich (2017) isso não altera o valor dessa imagem compartilhada. O autor cita como exemplo as fotografias e cenas projetadas onde há uma encenação da realidade, pois, segundo ele, delimitar a realidade é uma questão complicada, já que o limite entre autêntico e encenado, improvisado e planejado nem sempre é claro. Como citado anteriormente, Manovich diz que, caso o autor de uma fotografia do Instagram faça algumas edições básicas para as fotos capturadas (alterações como aumentar o brilho, o contraste e a nitidez), não seria possível distinguir até que ponto pode ser declarada esta imagem como "calculada" e não como "autêntica‖(MANOVICH, 2017, p. 126).

No entanto, o que esse estudo visa questionar vai além das edições de filtros que mudam cores, brilho e contraste das fotos, embora, no geral, o uso dos filtros inteligentes de embelezamento e também das mudanças realizadas em aplicativos sejam equivalentes a um Photoshop móvel.

A utilização desses aplicativos é parte essencial para o resultado e conceito da série aqui apresentada. Com eles, explora-se a des|re|construção da identidade capturada pela câmera, tal desconstrução da identidade referencial possibilita a construção de uma nova identidade, um novo indivíduo com novas características, ou seja, a reconstrução de uma nova identidade.

Figura 30 – IIDRC-0005 e IIDRC-0002, série Identidades Instagranianas Des|Re|construídas, 2018.

Fonte: (Arquivo do autor).

Propõe-se aqui, a comparação da identidade da Figura 30, onde ambas foram realizadas com a captura da mesma modelo (fotografia-base da colaboradora do estudo), possuíam a mesma informação digital de indivíduo, a qual foi desconstruída para gerar essas duas novas identidades digitais.

Nas redes sociais é comum o uso de edições de ―Photoshop móvel‖, tais edições podem ser imperceptíveis ou não. Um exemplo disso é que muitas celebridades já foram ―pegas‖ utilizando dessas edições, muitas delas ―edições amadoras‖, as quais deixam vestígios e indícios evidentes (Figura 31).

Figura 31 – Fotografia de Khloé Kardashian com e sem edição, respectivamente.

Fonte: (COSMOPOLITAN, 2016).

No caso de Klhoé Kardashian16

(Figura 32) a edição foi realmente singela (modificação na perna e levemente na cintura que pode ser observada na cor azul da imagem), houve pouca alteração na imagem em questão, mas os seguidores, mesmo assim, perceberam, levando-a a excluir a imagem e, logo após, postar a foto original.

Figura 32 – Mapeamento feito da edição de Klhoe

Fonte: (Arquivo do autor).

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Khloé Kardashian é uma celebridade com milhões de seguidores, e que possui um corpo que pode ser considerado dentro dos padrões exibidos nessa rede. Qual seria a necessidade de fazer essas pequenas alterações?

Alterações singelas como as de Khloé poderiam passar despercebidas facilmente desconsiderando as modificações que deixaram no ambiente. E isso pode ser utilizado como exemplo para questionar se a imagem que é compartilhada nessa rede, seria original, ou se seria editada. Sabe-se que muitos aparelhos de telefonia móvel já vem com a conhecida função de ―embelezamento‖ em sua câmera, onde durante a captura, pode emagrecer o indivíduo, deixar mais alongado, diminuir o tamanho das bochechas e/ou maxilar, aumentar o tamanho dos olhos e assim por diante. Desconsiderando também questões ligadas a ângulo, luz e demais aspectos que influenciam essa fotografia móvel.

Um exemplo de produções que questionam o uso deliberado dessas edições móveis encontra-se nas obras recentes de Cindy Sherman, que se destaca por ser uma artista já consolidada, trazendo, em suas produções desde os Film Stills, questões como a despersonalização e a identidade como encenação (FONTCUBERTA, 2010). Archer (2013) também dialoga acerca da compreensão da identidade apresentada na obra de Sherman e como ela é desmentida a cada fotografia dessa série.

Atualmente, Cindy Sherman vem utilizando o Instagram para compartilhar selfies. Em suas postagens, a artista transita por edições e filtros que modelam, constroem e desconstroem sua fisionomia através dessas ferramentas móveis (Figura 34). Essas identidades recebem maquiagens, cabelos, sobrancelhas e uma série de outras alterações.

Figura 33 – Imagens do Instagram de Cindy Sherman

Na perspectiva do estudo em questão, no ano de 2016, foram desenvolvidas produções que se aproximam de alguns conceitos utilizados por Cindy Sherman. Essa série explorou a criação e edição de identidades, utilizando aplicativos móveis similares de maquiagem e edição (Figura 33, à direita). As obras desenvolvidas buscaram testar os limites proporcionados por esses aplicativos na modificação e na criação de novos indivíduos, a partir de fotografias de esculturas inanimadas tridimensionais que receberem sucessivas edições móveis até alcançarem traços e vestígios humanísticos (Figura 35).

Igualmente, para o Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação foi realizada uma série de produções que questionavam as aparências físicas nas redes instagranianas. Sendo, dessa forma, o primeiro contato com os aplicativos de edição de ―embelezamento‖, cujos resultados geraram uma exposição virtual naquele momento.

Figura 34 – Exposição Identidades Instagranianas, em 2017.

Na série mostrada na Figura 35 buscou-se, por meio desses aplicativos, atribuir uma identidade a uma escultura virtual 3D.

Figura 35 – Rosto virtual 3D e primeiras edições recebidas.

Fonte: (Arquivo do Autor).

Com a utilização de aplicativos de embelezamento e maquiagem essa escultura digital recebeu diversas e variadas modificações como, por exemplo, cor da pele, olhos, cabelo, maquiagem, entre outros (Figura 36).

Figura 36 – Identidade construída. Renato Kuhn. 2016.

Nessa perspectiva, seguiu a série desenvolvida para o mestrado , explorando novos limites dessas identidades, que se modificam, que se re|constroem e des/constroem gerando um eu/outro, um eu/novo.

Para realizar as edições das obras da série [EM-NÓS] dispôs-se de dezessete aplicativos no total, sendo que alguns foram utilizados com maior frequência que outros. Deste conjunto de aplicativos selecionados, de acordo com suas funcionalidades e características em termos de processos e resultados, foram agrupados e classificados em quatro grandes grupos.

Cada um dos grupos abrange de um a sete aplicativos, como mostra a Figura 37, e eles puderam ser classificados, sobretudo, de acordo com suas funções principais.

Figura 37 – Análise de aplicativos usados por agrupamento de características.

Fonte: (Arquivo do Autor).

Os aplicativos referentes ao grupo azul abordam exclusivamente a edição da imagem em imagem em movimento (que será mais bem detalhada no capítulo quatro), passando o arquivo de imagem estática para o formato de vídeo ou gif.

Os aplicativos do grupo verde são o foco principal desta pesquisa. Eles englobam funções que podem ser comparadas a um ―Photoshop móvel‖ capazes de editar, remodelar, puxar, deformar, transformar, recortar, sobrepor, alterar e substituir os elementos da imagem. Dentro desse grupo, foi utilizado

predominantemente um aplicativo em especifico, porém os outros três ofereciam pequenos diferenciais que ocasionalmente foram necessários.

O grupo amarelo é composto por alguns específicos para edições de selfies, possuindo funções como ajustes de pele, proporções do rosto, cabelo, maquiagem, e adição de filtros divertidos automaticamente.

Os aplicativos pertencentes ao grupo laranja incluem funções básicas de edição fotográfica como a aplicação de filtros, mudanças no brilho e contraste, nitidez e demais funções que não interfiram na configuração estrutural dos elementos da imagem; um exemplo é o próprio Instagram que oferece essas configurações para as imagens já capturadas. No entanto, como esse aplicativo é versátil em edição, além da possibilidade dessas modificações mencionadas anteriormente, possui também filtros inteligentes capazes de modificar as identidades dentro de determinados padrões como os aplicativos do grupo amarelo.

Como exemplo do uso dos filtros nos aplicativos de edição, pode-se observar na experimentação da produção ―Identidade construída I‖, as alterações no rosto se deram através de três aplicativos. Os traços faciais foram redefinidos, o corpo foi redimensionado. Recebeu um visual automático de um aplicativo com ―filtros divertidos‖ e, após, alguns filtros e edições de finalização (Figura 38).

Figura 38 – Imagem em experimentação de edições, já com novos traços de aparência

Durante o processo de experimentação nas produções foi utilizada uma gama diversa de aplicativos, como exemplo nas obras apresentadas na qualificação (Figuras 39 e 40) possuíam ao mesmo tempo fortes indícios da manipulação de sua imagem e marcantes filtros de cores.

Figura 39 – Identidade desenvolvida durante experimentações. Renato Kuhn, 2018.

Fonte: (Arquivo do autor).

Após a banca de qualificação, optou-se por separar as identidades nas duas séries IIDRC e IIR. Algumas dessas identidades passaram por novas edições para compor as séries da produção [EM-NÓS].

Figura 40 – Identidade desenvolvida durante experimentações. Renato Kuhn, 2018.

Pode-se destacar como outra referência, na perspectiva da construção de identidades no Instagram, a artista Amalia Ulman, que desenvolveu uma performance desde 2014 criando uma ―identidade‖, um estilo de vida ideal para o Instagram (Figura 41), com muitas fotografias registrando situações ideais de acordo com as estéticas das redes, sendo que - o principal - nada disso era verdade (LANGMUIR, 2016).

Figura 41 – Fotografia de Amalia Ulman, 2014.

Fonte: (ULMAN, 2017).

A performance de Amalia foi intitulada Excellences & Perfections. A primeira postagem da artista foi em 2014, intitulada PART 1 e, a partir disso, até o ano de 2016, a artista passou a compartilhar em seu perfil somente imagens de acordo com essa proposta, criando uma situação na qual seria impossível detectar os limites do real e do que foi uma construção de uma realidade (LANGMUIR, 2016).

Ao longo do tempo, na série Excellences & Perfections a artista passou por várias fases desde as postagens mais fofas de animaizinhos, até fotos mais

sensuais como as de Kim Kardashian. Em 2016, Ulman iniciou a série Privilege, onde se destacam as fotos de gravidez e escritório (LANGMUIR, 2016).

As obras de Amalia Ulman navegam pelos limites das identidades instagranianas. Em sua performance, atravessou pelos inúmeros tipos de fotografia em voga na rede, assim, a artista questionou as fronteiras do uso desses aplicativos, das identidades e de como as influências das mídias refletem no uso dessas redes e na criação das identidades nelas exibidas.

Portanto, pode-se perceber que o universo do Instagram é vasto e por ele percorrem inúmeras manifestações fotográficas onde o indivíduo nutre uma necessidade de compartilhar informações e registros/imagens pessoais. Como coloca Zygmunt Bauman (2008) as redes surgiram e cresceram em cima de um anseio geral e urgente pelo intercâmbio de informações pessoais. Atualmente, com as câmeras digitais móveis, a selfie e a fotografia em geral se tornaram um ato diário, cotidiano e incessante.

Na proposta ―IIDRC-0001‖, a selfie busca evidenciar o indivíduo ali apresentado. O fundo não se faz importante, mas, sim, a pessoa. Após uma série de edições realizadas, os limites da original e do editado expõem-se mascarados pelos filtros, que os deixam tênues e dissimulados (Figura 43).

Figura 42 – IIDRC-0001, Renato Kuhn. 2018.

Outro ponto de destaque é a possível influência de uma busca estética do ―Instagramismo‖ em algum desses trabalhos poéticos. O Instagram, em particular, como foi visto anteriormente, insere-se em nossa sociedade num contexto peculiar, gerando movimentos com estéticas e conceitos singulares, ao mesmo tempo seguindo influências em constantes transições e atualizações. Destaca-se como um artefato cultural, compartilhado e global. Isso poderia ser percebido tanto em produções de artistas como Cindy Sherman, que joga constantemente suas selfies fantasiosamente editadas, quanto em produções que se aproximam da estética ―instagramista‖ afirmada por Lev Manovich.

Figura 43 – Processo de experimentação na construção da identidade. Renato Kuhn. 2018.

Fonte: (Arquivo do autor).

Nas produções na série IIDRC há um intuito da busca daquilo que poderia ser visto em um perfil instagraniano no aplicativo. Busca-se a ilusão do não editado. Usa-se os filtros com a finalidade de ocultar vestígios da manipulação.

No documento [Em-nós] identidades instagranianas (páginas 59-75)