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Após uma longa reflexão sobre a temática deste estudo, concluímos que uma das áreas mais aliciantes é a da literatura infanto-juvenil. Em parte, tal deve-se ao facto de presentemente desempenharmos o cargo de Coordenadora de Bibliotecas Escolares, o que alimenta deveras este interesse.

Cientes de que a área pretendida era a da escrita para os mais novos, restava-nos seleccionar o tema a aprofundar. Como mulher, estabelecemos identificações e paralelismos com muitas personagens representadas nas várias obras de literatura para crianças e jovens. Seleccionadas várias e, após uma análise mais pormenorizada, o primeiro impacto foi o da representação da mulher ainda muito estereotipada, apresentando já alguma consciência de certas realidades pessoais e sociais com que o género feminino actualmente se depara.

Sendo a oferta de obras bastante extensa, efectuámos uma pré selecção que foi objecto de apreciação quanto ao tema a estudar. As obras que melhor se enquadraram no pretendido foram O livro dos porquinhos, de Anthony Browne (2006), Un heureux malheur, de Adela Turin (2000), Será que Joaninha tem pilinha? de Thierry Lenain (2004) , Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll (2003), Danny, o campeão do mundo, de Roald Dahl (2006),A princesa espertalhona, de Babette Cole (2004) Anita mamã, Anita baby –sitter e Anita na cozinha, de Gilbert Delaye.

No âmbito desta selecção, considerámos três para focar nestas considerações sobre o corpus, pois parecem-nos paradigmáticas para o nosso propósito.

No caso da colecção Anita (Gilbert Delaye), configura-se a menina ainda bastante limitada aos papeis que a sociedade pré-define para a futura mulher (a menina dona de casa, a menina irmã, a menina cozinheira, a menina futura mãe); a segunda opção recaiu

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Algumas fascinaram a nossa infância, outras suscitaram particular interesse e reacção nos nossos alunos.

sobre uma obra escrita por Adela Turin e reflecte a mulher actual (independente, trabalhadora, emancipada, culta); por último, O livro dos porquinhos (Anthony Browne) foi seleccionado por demonstrar a evolução da mentalidade humana pessoal e social, focando esse progresso no papel e valorização da mulher.

A análise das obras fez-se tendo em conta essencialmente a representação, no texto icónico, da menina / mulher e, no texto escrito, a linguagem, as acções, as emoções, os acontecimentos relativos aos vários intervenientes no conto.

Nas obras referidas, as personagens também foram analisadas na perspectiva do seu papel e construção (personagens principais, secundárias, personagens complexas, planas, assim como a sua presença/ausência no mundo ficcional, criando assim uma teia interactiva entre o tema e a forma como as personagens são reveladas.O construto tema é aqui empregue no âmbito da crítica literária tradicional como sendo a ideia central de uma obra (O. Paz & A. Moniz, 1997) e a forma como as personagens são reveladas. Os espaços e contextos de vida das personagens femininas também são objecto de particular atenção.

Enquanto leitora, investigadora e professora de língua e literatura não é fácil efectuar uma análise imparcial de obras em que o papel da mulher está em destaque ou em segundo plano. Tal, deve-se ao facto de a minha formação pessoal, familiar e social já se enquadrar numa época mais evoluída quanto ao papel da mulher.

Na primeira obra referida, Anita, o papel da menina, futura mulher parece “naif”, com ilustrações muito realistas, enquadrando situações e tarefas direccionadas quase exclusivamente para o sexo feminino. Anita (Colecção Anita) é a personagem principal em todos os acontecimentos que se passam à sua volta.

Na segunda opção, o papel feminino já surge numa fase da vida adulta, o de mãe. Esta surge num segundo plano familiar secundário, praticamente anulada com papel de serviçal. Após um facto marcante, “desabrocha” como uma heroína para o núcleo familiar e a sociedade em geral. Passa de um papel secundário a protagonista dotada de complexidade. Está lá na hora certa, no momento certo com o sentimento correcto. E pela sua atitude de mulher corajosa e desembaraçada obtém respeito e valorização. Na última obra, o papel da mulher, inicialmente, também é apresentado como secundário, tornando-se principal após uma atitude de revolta e indignação personagem que faz dela o elemento fundamental do seu núcleo familiar e como tal é decididamente reconhecida.

Estudando estas três obras, em particular, facilmente se detecta o que socialmente se tem feito em relação à condição feminina. Apresenta-se a mulher como um ser sem grande relevo que tem de demonstrar, em situações de grande desgaste, tanto ou mais valor que o homem. A partir destas situações, a sociedade vai alterar a sua visão do sexo feminino, passando a respeitá-lo, a valorizá-lo e a admirá-lo.

Até há relativamente pouco tempo, os autores de literatura infanto-juvenil eram predominantemente homens, facto que se poderá reflectir na forma como representam o sexo feminino. Em parte, este factor deve-se à própria educação que a sociedade, de geração em geração, tem transmitido à mulher - um papel mais recolhido, sombra na retaguarda. Presentemente, já se nota uma certa evolução na representação do papel menina / mulher na literatura para a infância e juventude. Ela passa a estar em destaque ao longo da intriga, assumindo mesmo o papel principal, com um enquadramento de personalidade regida por regras que exige a mulher do presente/futuro. O facto de já haver tantas e relevantes escritas da autoria de mulheres poderá ter contribuído para que o papel do sexo feminino, a forma como tem vindo a ser representado na literatura tenha sofrido transformações, assumindo um papel mais valorizado, tanto como elemento da família, como de um meio social mais vasto, como também ser individual reconhecido e valorizado.

Pensa-se que esta evolução, que já aparece na literatura infanto-juvenil, é

fundamental para que a aceitação da mulher, em situação de paridade com o sexo masculino, comece a ser interiorizada desde o “berço”. Assinala-se alguma abordagem na literatura infanto-juvenil de assuntos que até há bem pouco tempo eram considerados tabu, como a mulher solteira ou divorciada, seres independentes sem necessidade da figura masculina, como Simão (Leiz, Juliet Pomes, 2005), ou a relação entre pessoas de diferentes etnias, como em Nasredim (Weulersse, Odile, 2007), diferentes níveis sociais, como em Pipi das Meias Altas (Lindgren, Astrid, 2001).

Todas as temáticas, sobre as quais se possa debruçar a literatura para jovens, têm revelado evoluções significativas em todas as personagens intervenientes, quer sejam masculinas ou femininas, inclusive, nos temas tratados, como etnia, cor, diversidade em geral e variadíssimos outros assuntos. É necessário que esta constante actualização e riqueza de temáticas (que socialmente vão marcando os tempos actuais) seja cada vez mais presente na literatura infanto-juvenil para que, desde muito cedo, a criança interiorize atitudes de aceitação e de respeito para com o outro. As obras escritas e ilustradas para crianças, desde tenra idade, alicerçam e enriquecem a sua formação, a

sua personalidade, assim como o seu saber cultural, contribuindo sem dúvida para que se tornem seres humanos mais conscientes, mais informados, flexíveis, tolerantes e culturalmente desenvolvidos.

Estes aspectos serão retomados e modulados no capítulo que se segue. Neste, assumimos a análise de todas as obras de pré-selecção.

Capítulo 4