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Os textos literários para as crianças estão sujeitos a regras e convenções pelas quais se devem reger, como é o caso do princípio da ficcionalidade.

Um dos protocolos necessários para a leitura do texto literário é o princípio da ficcionalidade, segundo o qual o texto não é uma cópia do mundo empírico e histórico- factual. Quer-se com isto dizer que o texto literário obedece a uma convenção estética e não a uma convenção de congruência histórico-factual, permitindo, contudo, gerar efeitos perlocutivos, ou seja, o texto literário possui a capacidade de originar uma modificação dos ambientes cognitivos dos seus receptores.

A leitura destes textos convida-nos, intencionalmente, a diversas interpretações e promove uma multiplicidade de sentidos, sendo por conseguinte, polissémico.

Já Adolfo Simões Muller (1985) escrevia que “ uma criança que lê, pode encontrar a varinha mágica que lhe permita entrar no mundo do sonho e da realidade. Dar-lhe essa leitura é despertá-la”.

A ficção é uma necessidade do ser humano. A criança é atraída acima de tudo pela vida e só o é pela mensagem simbólica que é a literatura na exacta medida em que esta a ajuda a compreender a vida. Ela situa-se ora muito próxima do real, ora em mundos fantásticos e maravilhosos.

Foi a partir da colectânea de Perrault, Os contos da Mãe Gansa, que os contos tradicionais passaram a ser a base de muita ficção infantil.

O texto constrói um mundo (com personagens, espaços, tempos…) e não pode obviamente dizer tudo sobre esse mundo. Ele pede ao leitor que complemente os espaços em branco, “pede ao leitor que faça parte do seu trabalho” (Eco, 1994, pág.9).

A leitura que efectuamos de um texto pressupõe conhecimento do mundo. O discurso utilizado, por vezes mais do que o conteúdo, condiciona a forma como o leitor modelo vai reagir. A colaboração do leitor também pode ser pedida através de “técnicas de lentidão”, permitindo-lhe “passeios inferenciais”, passeios imaginários. “ Os leitores para poderem prever como irá desenrolar-se a história voltam-se para a sua própria experiência de vida ou para o conhecimento que têm de outras histórias” (Eco, pág.56).

O texto pode impor ao leitor um ritmo de leitura, através das descrições, que constituem uma estratégia de abrandamento que o autor crê necessário à “fruição do texto” (Ibidem, pág.66).

Segundo Umberto Eco, “a regra fundamental para abordar uma obra de ficção é o leitor aceitar tacitamente um pacto ficcional (…) o leitor tem de saber que [se trata de] uma história imaginária, sem que por isso pense que o autor está a dizer mentiras” (pág.81).

O fascínio da ficção reside no facto de a mesma nos encerrar “dentro dos limites do seu mundo e induzir-nos, de uma maneira ou de outra, a levá-la a sério” (Ibidem:84).

Para se ler uma obra de ficção, segundo o mesmo autor, “ é preciso ter alguma noção dos critérios de economia que rege o mundo ficcional. Os critérios não estão lá ou antes eles devem ser pressupostos no momento em que se tenta inferi-los com base no próprio texto” (Ibidem:118).

A ficção fascina-nos bastante porque nos oferece a oportunidade de exercer sem limites as nossas faculdades, quer para percebermos o mundo, quer para reconstruir o passado. Nas obras de ficção, procuramos uma fórmula que dê sentido à nossa existência.

“Ao longo de toda a nossa vida, procuramos uma história das nossas origens, que nos diga porque nascemos e porque vivemos” (Ibidem: 146).

Encontramos obras que permitem a um leitor bastante jovem contactar, desde muito cedo, com um conjunto de valores considerados essenciais no quadro de um projecto educativo de gerações mais jovens. São eles, entre outros, os da amizade, da bondade, da solidariedade, do cumprimento da palavra dada, do respeito pela natureza, do amor à vida e, principalmente, o da aceitação de que o Outro, embora física, cultural ou psicologicamente diferente, deve ser respeitado, amado e educado para crescer autonomamente, sem tentativas, por parte daqueles que representam os educadores, de destruição dos seus próprios valores.

A personagem de uma história oferece ao leitor uma existência paralela. Ela apresenta-lhe um “espelho” no qual o leitor se revê. A personagem ficcional fascina o jovem leitor e contribui para a construção da sua identidade.

A ficção é algo de interessante porque suscita a liberdade de imaginar, de sonhar, de criar. Muitas vezes, através de uma história imaginária podemos encontrar o testemunho de um país, uma época, uma cultura…

A imaginação é uma faculdade importante, estruturante da personalidade.

Georges Jean refere que “ela não é uma fuga ao real: é uma energia transformadora que actua sobre a realidade, enriquecendo-a. Cultivar a imaginação é aumentar a nossa capacidade de conhecer e compreender a realidade” (1976)

Teresa Colomer (2003:40) afirma que a literatura é uma ferramenta muito efectiva que permite conhecer a nossa herança cultural e educativa, pois:

“Crea un espacio situado entre el mundo interior y la reealidad exterior donde se pueden negociar y ensayar sentimientos, emociones e ideas, donde se puede ‘ser outro sin dejar de ser uno mismo’, de forma que la literatura sirve como un poderoso instrumento de socialzación en el seno da le cultura.”

Com frequência, encontramos marcas de humor ou de situações insólitas, segundo o mundo de referência empírico e histórico-factual.

Para Nelly Novaes Coelho (1984: XI), a literatura é:

A experiência vital transformada em Palavra; é uma voz privilegiada que liga o homem aos outros homens e lhe permite um Conhecimento mais profundo do Mundo em que

ele deve viver e actuar. Experiência que funda o Prazer e o Conhecer, proporcionada pelo fenómeno literário precisa ser descoberta desde a infância.

Actualmente, a tendência dominante em literatura para os mais jovens é mostrar o mundo como espaço de descoberta, fruição e prazer.