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2.1 Metodologia

2.1.1 Considerações sobre o dispositivo de análise

O dispositivo analítico conforme delineado neste trabalho baseia-se, em seus fundamentos constitutivos gerais, nas sugestões apresentadas por Orlandi (2000) para o processo de análise segundo se faz nos campos teóricos da Análise de Discurso de tendência francesa (AD). Por essa perspectiva, o analista deve visar à explicitação dos processos de significação que subjazem a todo enunciado, não para buscar o sentido verdadeiro “por trás do enunciado”, mas para revelar uma (possível) relação de sentidos que constituem a natureza (semântica) dos objetos semióticos. Para Orlandi (2000, p. 59):

a proposta é a da construção de um dispositivo da interpretação. Esse dispositivo tem como característica colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras.

Para alcance de tais objetivos, o analista deve, primeiramente, proceder ao trabalho, digamos, material do processo, que consiste na organização (constituição) do corpus segundo os objetivos da pesquisa. Nessa etapa, alguns pressupostos devem ser compreendidos:

a) o de que a própria escolha do objeto de análise envolve interpretação, já que o analista se posiciona de um certo lugar (teórico) e assume princípios que o direcionam à seleção do objeto semiótico passível de análise;

b) não é possível interpretar sem descrever e, consequentemente, o pressuposto de que o ato de descrição envolve, seguramente, uma interpretação.

Assim sendo, o distanciamento esperado do analista de discurso faz-se por meio da introdução no dispositivo dos princípios teóricos que deverão conduzi-lo no processo de análise, em nosso caso, os dez critérios de análise segundo a perspectiva teórica de Bakhtin (2003 e 2004), elencados anteriormente, bem como o quadro analítico das APT conforme adaptamos de Costa Val (2003), como apresentamos acima.

Segundo ainda Orlandi (2000, p. 61) “é preciso que ele [o analista] atravesse o efeito de transparência da linguagem, da literalidade do sentido e da onipotência do sujeito”. Para tanto, ele, o analista, deve trabalhar no limiar da interpretação a partir da assunção de duas pressuposições, conforme nos ensina Pêcheux (1975/1997, p. 160- 162):

1) A primeira consiste em colocar que o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões, proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc., mudam

de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as

empregam.

A segunda requer a assunção da existência de uma formação discursiva, isto é, a matriz do sentido: “chamaremos, então formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada numa conjuntura dada, terminada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa [de uma APT] etc.)”. O conceito de formação discursiva leva Pêcheux a teorizar sobre o papel do interdiscurso, o “todo complexo com dominante” que caracteriza o complexo das formações ideológicas:

2) Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao “todo complexo com dominante” das formações discursivas, intricado no complexo das formações ideológicas definido acima.

Pêcheux (idem) afirma que é próprio de toda formação discursiva dissimular, pelo simulacro de transparência de sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso.

No processo de análise, o analista deve explicitar o modo como se dá o encadeamento do pré-construído naquilo que Pêcheux (1975/1997, p. 62) chamou de articulação, de sentidos materializados no objeto em estudo, em nosso caso, as atividades de produção de textos presentes nos livros didáticos para o Ensino Médio. O pré-construído é o princípio de que “ ‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, em outro lugar e independentemente’, isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas” (idem).

O que faz, então, o analista, frente a um objeto semiótico em análise, frente, portanto, a um conjunto de APT (em uma coleção de LDEM)? “Ele o remete imediatamente a um discurso que, por sua vez, se explicita em suas regularidades pela sua referência a uma outra formação discursiva que, por sua vez, ganha sentido porque deriva de um jogo definido pela formação ideológica dominante naquela conjuntura.” (ORLANDI, 2000, p. 63). Tudo isso porque “em grande medida o corpus resulta de uma construção do analista” (idem).

E como se dá o processo de análise propriamente dito? Ainda é Orlandi (2000, p. 77-81) quem nos orienta. Diante de um dado conjunto de APT, o dispositivo teórico- metodológico servirá para a identificação dos processos remissivos de constituição dos sentidos, aos jogos significativos, modos de funcionamento de um dado discurso através de três etapas em que, na condição de analistas, após uma minuciosa descrição das condições das APT no interior dos LDEM, partiremos para a desuperficialização do material semiótico à busca do funcionamento de um discurso dado:

1ª – passagem da superfície linguística das APT para o discurso;

2ª – passagem do objeto discursivo para o processo discursivo (identificação/explicitação da formação discursiva);

3ª – remissão do processo discursivo à formação ideológica de que faz parte.

O processo analítico propriamente dito, conforme resumimos nas três etapas aqui enunciadas, só poderá ser realizado no próximo capítulo, o terceiro desta tese. O que fazemos a seguir é o processo, que é também, como vimos, interpretativo, de constituição do corpus através da descrição dos LDEM e das condições de ocorrência das APT.

BLOCO A – SITUAÇÃO DAS APT NOS LIVROS DIDÁTICOS DAS CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS.

O Bloco A é constituído pela descrição das condições de aparecimento das atividades de produção de textos presentes nas coleções 01, 02, 03 e 04. Como veremos, as duas primeiras coleções, de Química e de Física, não apresentam nenhuma APT. Para efeito de análise, contudo, conforme faremos no próximo capítulo, a ausência de atividade não deixa de ser um fator significativo do processo discursivo, por isso procedemos à descrição desses livros didáticos.