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O objetivo desta seção é, a título de esclarecimentos, assumirmos posicionamentos sobre alguns termos que são utilizados neste trabalho e que não estão devidamente fundamentados ou que, pela diversidade de abordagens teóricas, estabelecem relações de sinonímia.

Assim, usamos como sinônimos os termos gênero textual, gênero de texto, gênero discursivo e gênero de/do discurso. Nos textos de nossa autoria, damos preferência a gênero discursivo ou de/do discurso, em respeito ao dispositivo analítico que elaboramos com base em Bakhtin (2003, 2004). Contudo, respeitamos as formas utilizadas pelos demais autores citados, quando resenhamos ou fazemos alusão às suas obras.

Utilizamos também intercambiavelmente os termos domínio discursivo e esfera da atividade humana, respeitada, igualmente, a designação utilizada por cada autor referendado. Compreendemos que sujeito não é uma entidade concreta, material, um indivíduo no mundo, mas, na perspectiva da AD, definimos sujeito como um lugar sócio-histórico e ideológico aberto, vazio, que pode ser ocupado por diferentes sujeitos empíricos (pessoas, indivíduos) nas múltiplas e complexas relações sociais.

Neste trabalho, a expressão condições de produção pode se referir, distintamente, a texto (condições de produção textual) ou a discurso (condições de produção do discurso). Quando empregada relativamente a texto, essa expressão aparece em especial no nosso quadro analítico, no momento em que submetemos as APT às discussões dele decorrentes.

Charaudeau & Maingueneau (2004, p. 114-15) informam que essa expressão, empregada nos trabalhos que se alinham para além dos limites da definição trazida por Pêcheux (1969/GADET & HAK, 1997), terminou por adquirir um sentido geral, assimilando-se muitas vezes a contexto, sendo melhor compreendida se substituída pela expressão situação de comunicação, já que em se referindo a texto o termo pode ser considerado do ponto de vista da pragmática como uso da língua em determinado contexto, referente às circunstâncias e fatores que condicionam esse uso.

Assim sendo, no processo de análise das APT, correlativo aos itens constituintes do nosso quadro analítico, condições de produção equivale à explicitação da situação de produção do texto, a saber: a indicação de objetivos para a produção textual; a

indicação de destinatários para o texto; a indicação do contexto social de circulação do texto; a indicação do veículo ou suporte de publicização do texto; a indicação do gênero textual a ser produzido; a indicação da variedade e/ou registro da produção textual e, por fim, se há, nas APT, proposta de socialização dos textos produzidos.

Charaudeau & Maingueneau (idem) lembram que condições de produção, em se referindo a discurso, inscrevem-se na filiação da Escola Francesa de Análise do Discurso, alicerçada na expressão marxista de condições econômicas de produção, tal qual foi utilizada por Pêcheux (1969/GADET & HAK, 1997). Conforme pensadas por Pêcheux, as condições de produção envolvem não só as situações objetivas do locutor e de seu interlocutor, no processo de comunicação, mas, sobretudo, as representações imaginárias dos lugares que os interlocutores atribuem um ao outro. Segundo ainda Charaudeau & Maingueneau (idem), as relações entre os lugares não constituem comportamentos individuais, não remetem à fala (à parole saussuriana) nem à psicologia (ao indivíduo dotado de uma capacidade cognitiva), mas dependem da estrutura das formações sociais e decorrem das relações de classe, tais como descritas pelo materialismo histórico.

Para esses autores “as condições de produção desempenham um papel essencial na construção dos corpora, que comportam necessariamente vários textos reunidos em função das hipóteses do analista sobre suas condições de produção consideradas estáveis” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p. 114). Por esse viés, neste trabalho, em nos referindo às condições de produção do discurso, incluímos, pela perspectiva de Pêcheux (1969, GADET & HAK, 1997), as representações imaginárias que se atribuem reciprocamente os autores dos livros didáticos e os alunos do ensino médio, não apenas como indivíduos, não apenas como sujeitos empíricos, mas justamente pelos lugares sociais ocupados por esses sujeitos no jogo (discursivo) por nós revelado na constituição e análise do corpus de nossa pesquisa, as atividades de produção de textos dos livros didáticos investigados.

Como compreender, então, sujeito como lugares vazios preenchidos, representados pelos autores dos livros didáticos e pelos alunos do Ensino Médio, no jogo discursivo de suas representações por imagens recíprocas? Possenti (2004, p. 99) apresenta a tese de que o sujeito pode ser concebido como algo mais que um lugar por onde o discurso passa e que, portanto, não sendo apenas um vetor, o sujeito age, produz atividade, mesmo que por imagens e representações, conforme discutimos à frente.

Essa concepção de sujeito nos leva, necessariamente, a aceitar os seguintes princípios, conforme propõe Possenti (2004, p. 99):

1 – os sujeitos são igualmente sociais e históricos e integralmente individuais – para evitar o subjetivismo desvairado e a identificação do sujeito como uma peça;

2 – cada discurso é integralmente histórico e social e integralmente pessoal e circunstancial – para evitar a ideia de que o sujeito é fonte de seu discurso e a de que é o discurso que se dá;

3 – cada discurso é integralmente interdiscurso e integralmente relativo a um mundo exterior – para evitar a ideia de que o discurso refere-se diretamente às coisas e a de que tudo é discurso ou que a realidade, se houver uma, é criada pelo discurso;

4 – cada discurso é integralmente ideológico e/ou inconsciente e integralmente cooperativo e interpessoal – para evitar a ideia de que o sujeito diz o que diz materializando as suas intenções e a de que o sujeito não tem nenhum poder de manobra e que o interlocutor concreto é irrelevante;

5 – o falante sabe (integralmente?) o que está dizendo e ilude-se (integralmente?) se pensar que sabe o que diz (ou que só diz o que quer) – para evitar que se desconheçam os saberes que os sujeitos acumulam em sua prática histórica e que se conclua disso que nada lhes é estranho ou desconhecido.

Utilizamos o termo intertextualidade no sentido tradicional de “relações entre textos”, seja por alusão, citação, paródia, paráfrase, de forma ou de conteúdo. Já interdiscurso/interdiscursividade, utilizamos com os sentidos empregados pelos teóricos da AD, como “relações entre discursos” ou ainda como sinônimo de memória que, por sua vez, não é arquivo material nem cognitivo. Memória são “redes de sentidos”, pré-construídos, já-ditos que retornam no dito, (re)significando os dizeres. Seguindo a proposição de Bakhtin (2003, 2004) evitamos qualquer polêmica e aproximamos texto e enunciado, mesmo tendo consciência dos severos cortes epistemológicos que fizemos em tal relação de sinonímia. Por outro lado, em nos referindo às APT, compreendemos texto no sentido empregado pela Linguística Textual, como dotado de textualidade (características que o tornam diferente de um amontoado de frases), “ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal” (COSTA VAL, 1999, p. 3).

CAPÍTULO SEGUNDO

METODOLOGIA DA PESQUISA E CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

Na primeira seção deste capítulo apresentamos a metodologia da pesquisa, incluindo uma subseção em que apresentamos considerações sobre o dispositivo de análise. As seções 2.2 a 2.4, ao final do capítulo, estão reservadas à constituição do corpus da pesquisa, isto é, descrição das atividades de produção de textos no interior dos livros didáticos analisados.