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Um dos temas caros aos estudiosos da Língua Portuguesa é o da periodização da língua. Como salientam Ilari; Basso (2007, p. 20),

As periodizações ajudam-nos a organizar nossos conhecimentos de como a língua foi mudando ao longo do tempo e têm um caráter de síntese, pois

57 Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor Leste e São Tomé e Príncipe 58 Para um quadro mais detalhado do processo de unificação ortográfica do português, ver Souza (2009).

levam em conta não só as mudanças estruturais (isto é, as mudanças que aconteceram na fonética, na morfologia e na sintaxe), mas ainda as funções sociais que a língua foi assumindo (por exemplo, a capacidade de servir de veículo para novos gêneros, literários ou não) e os graus de estandardização pelos quais passou (por exemplo, na ortografia e no modo de apresentação dos textos).

Assim, ao encararmos a história externa da língua (relações entre o Português – cultura – sociedade – política), temos por seus marcos delimitativos os períodos arcaico (de suas origens até o século XVI), clássico (do Renascimento até o século XIX) e moderno (século XX até a atualidade). Já do ponto de vista da escrita, logo, da ortografia, são considerados os períodos fonético, etimológico ou pseudo-etimológico e simplificado59.

Para o primeiro período ortográfico, o fonético, compreendido desde o início da escrita em Língua Portuguesa até o século XVIII (conforme Cagliari, 2006), é comum a ideia de que a escrita tentava representar a pronúncia das palavras60. Coutinho (1974) elenca como características desse período:

para as vogais (embora representadas como hoje, com algumas particularidades):

a) <i> pode ser representado por <y> e <j> (y = hi, mjnas = minhas); se semivogal61, era substituído por <h> (cabha = cabia);

b) formavam hiato, inicialmente, devido à queda de consoante medial (maa < mala), depois, para indicar vogal tônica (ceeo = céo);

c) a nasalação das vogais era feita por meio do til ( ~ ), dois acentos ( ´´ ) que, por sua vez, também podia indicar vogal oral, como em Bragáá (Braga), <m> e <n> (que mantinham mesmo valor fonético: omrra, senpre).

para as consoantes:

a) <b>, trocado por <v> (influência latina ou espanhola): aber = haver;

b) <c>, com valor da fricativa surda [s] antes de <o> e <u> (particon = partiçom, cunucuda = cunuçuda); às vezes cedilhado antes de <e> e <i> (reçebi); usado antes de <z>

59 Embora vários estudiosos tenham sugerido delimitações para os períodos da língua, não há coincidência entre

as diversas propostas. Ilari; Basso (2007) apresentam, à página 21, um quadro comparativo de algumas das principais propostas de periodização do Português. Nele, fica evidente a falta de correspondência entre datas e denominações. Veja, também, Souza (2009).

60 Nos dizeres de Coutinho (1974, p. 71), "Apesar de certa flutuação gráfica que se observa na grafia das

palavras, a preocupação fonética transparece a cada momento. A língua era escrita para o ouvido."

61 Possivelmente, o linguísta refere-se à adaptação latina da letra grega <y>. No Grego, essa letra podia ser

parte de ditongo (logo, semivogal). Assim, não devemos tomar a classificação dada pelo autor em termos fonético-fonológicos.

para indicar o som [ks] (faczo = faço); com ou sem cedilha, assumia valor de [z] (doncela, fecerom); usado antes de <t>, com valor de vogal (derecto); usado juntamente com <h>, assumia valor da velar [k] (nuncha = nunca);

c) <f>, de uso dobrado no início ou interior dos vocábulos (ffreima);

d) <g>, antes de <e> e <i>, representa o som velar [g] (aprouge = aprougue); já antes de <a>, <o> e <u>, assumia valor da alveopalatal [ʒ], às vezes acompanhado de <i> (mangar = manjar, agia = aja); para ter o som da velar [g] antes de <a>, era seguido por <u> (Guabriel = Gabriel); como latinismo, com valor [i] no grupo <gn> (regno = reino);

e) <h>, usado em início de palavra devido à etimologia, mas, às vezes, esse princípio era omitido ou não era justificado (hordenar, por exemplo); podia indicar vogal aberta ou monossílabo tônico (he, hi); quando no meio de palavras, para indicar separação de hiato (sahir) ou a semivogal <i> ou a nasal <ĩ>;

f) <j>, podia substituir o <g> (jente = gente); entre vogal, podia ser representado por <i> e <y> (aia = aja, oye = oje);

g) <ll>, utilizado no meio da palavra (por influência latina) ou no fim, para distinguir valor de velar do valor de alveolar; entre vogais, para indicar o som da palatal [ʎ] (vallam = valham), que também podia ser representado por <li> (filia = filha);

h) <m>, quando antecedia consoante, indicava nasalação da vogal precedente, era usado inclusive antes de alveolar ou dental (emsinar, aquemtar);

i) <n>, antecedendo uma consoante, mesmo que labial, indicava nasalação da vogal anterior (linpo, anbos); podia ter valor da palatal nasal [ɲ] (tenio = tenho, vena = venha); quando geminado, assumia também o valor de [ɲ] (por influência espanhola): aranna = aranha;

j) <p>, entre vogal nasal e <n>, não possuia valor fonético (selepne)

k) <q>, antes de <e> e < >, assumia som [k] (aqela, q n); o mesmo som podia ser representado pelo grupo <qu>, quando antecedia <a> e <o> (quada = cada, riquo = rico);

l) <r>, geralmente, ocorria geminado no início e meio de palavras para diferenciar o som fricativo velar [x] do tepe, contudo, na forma simples, também podia representar o som [x] (tera = terra, recorer = recorrer);

m) <s>, podia substituir <c> e <ç> (cima = sima, composisom = composiçom); podia iniciar palavras sozinho (star = estar, screver = escrever); simples, podia representar o som da

fricativa surda [s] (poso = posso), dobrado, podia representar o som da fricativa sonora [z] (cassado = casado), dobrado, podia ocorrer no início e no meio das palavras (sseu = seu);

n) <v>, substituído por <u>;

o) <x>, representava o som [s] (dixe = disse); em fim de palavra, por influência latina, podia ter valor de [is] (rex = reis),

p) <z>, com valor de [s], podia iniciar palavras ou vir no seu interior (zapateiro = sapateiro, lanzar = lançar).

No período etimológico ou pseudo-etimológico, há a influência e recuperação de grafias latinas e gregas, devido ao movimento renascentista, que redescobriu a cultura clássica. Contudo, nem todas as grafias de palavras empregadas nesse período justificam-se pela etimologia: ao lado dos empréstimos puramente latinos (lúcido, flutuar, trêmulo), o pedantismo fazia com que ocorressem "travestimentos etimológicos"62 de palavras vulgares, como também o uso equivocado de muitas grafias, devido a pouco ou nenhum conhecimento das línguas clássicas. Para este período, destaca Coutinho (1974) as seguintes características:

• uso de consoantes geminadas e insonoras;

• uso de grupos consonantais impropriamente chamados gregos (th, ph, rh),

• emprego de letras como <y>, <k> e <w> sempre que ocorressem nas palavras originárias.

Finalmente, o período simplificado, iniciado em inícios do século XX, com as primeiras ideias de reforma ortográfica (especialmente, com a Ortografia Nacional – 1904, de Gonçalves Viana), buscou conciliar princípios fonéticos e etimológicos, com o intuito de se chegar a um padrão uniforme da ortografia.

62 Nos dizeres de Coutinho (1974).

4 OS SERMÕES

Por serem impressos, os textos dos sermões obedecem a rigores formais e técnicos próprios de cada impressor. Estes rigores revelam, em última análise, o cuidado estético do livro, vinculado à sua perfeita legibilidade. Como bem lembra Araújo (2008, p. 384),

Da tradição manuscritora o livro recolheu, naturalmente com adaptações e ampliações, uma certa injunção estética que atende, em absoluto privilégio, à legibilidade do texto. Trata-se, com efeito, daquela busca de uma disposição harmônica dos elementos graficamente acomodados em qualquer suporte de escrita, cuja distribuição nesse espaço sempre levou em conta o formato da

materia scriptoria, o equilíbrio entre tal formato e a simetria interna da

página, a proporção entre massa de texto e ornamentos, títulos, notas etc., e por fim o inequívoco ordenamento das partes distintas que integram o corpo da obra. Assim, o exame da organização da página impressa não pode prescindir, em grande número de pormenores, do exame dos princípios que orientaram a constituição da página manuscrita, norteadores, em última instância, da própria diagramação do livro tal como se mostra até hoje.

Assim, nesta seção, abordaremos estas questões estéticas, presentes na elaboração gráfica dos dois sermões de Vieira.