• Nenhum resultado encontrado

5.3 Estruturas silábicas: vogais e consoantes

5.3.2 Consoantes

5.3.2.3 Uso de <ç>

Nos sermões, há o uso da letra <ç>. Em grande parte dos casos, ela ocorre sempre em início de sílaba, mas nunca iniciando palavra.

mençaõ (SS C3, l21) lanço (SRSI C32, l531) força (SS C24, l372) acção (SS C28, l435) Valença (SRSI C8, l109)

Há apenas um caso, o da palavra çarça (SRSI C25, l410) em que <ç> ocorre no início da palavra. Contudo, neste caso e nos demais, seu valor fonético é, provavelmente, da fricativa surda [s].

Bento Pereira (1666) dedica uma regra ao tratamento de como se usar o <ç> ("Regra 13: Para se usar do ç, que tem plica por baixo"). Inicia a regra definindo o valor sonoro da letra:

Ainda que a letra ç, com plica, como a que puzemos, faz muy differente som do que de c, sem plica, quando se junta as vogays, a, o, u, que tem entam força de q, com tudo o mesmo som faz com plica, & sem ella, quando se junta com e, i, & entam nam se lhe deve por plica, poys he escusada.

A primeyra parte se deyxa bem ver na diversidade destas palavras, Barca, &

barça, forca, & força; capa, & çapa, copa, & çopa; cuba, & çuba.

A segunda parte do que dissemos, se conhece nestes vocabulos, ceyra cingir, os quays do mesmo modo soam, como se lhe puzessem ç, cõ plica, ceyra

cingir, pelo que nam só he escusado porselhe, mas he erro. (PEREIRA,

Depois, estabelece alguns parâmetros sobre seu uso. O primeiro foca a origem latina: basta observar se a palavra, em Latim, era escrita com <s> seguido de <a>, <o> ou <u>, então, não se usaria o <ç>, mas <s>. Mas se a palavra fosse "totalmente portuguesa", "[...] no principio se escreverám com ç, v. g. çapa, çotam & tambem no meyo, caçapa, caçote; ou nas ultimas dos nomes acabados em aça, eça, iça, oça, uçu: como sam ameaça, cabeça, cortiça, carroça, carapuça." (PEREIRA, 1666, p. 77-78), como também se terminadas por -ança, - ença, -arça, -urça etc.

Leão (1576), ao explanar sobre a letra <c>, também fala das diferenças sonoras quando seguida das vogais. Para ele, o <c> tem som "próprio" quando é seguido por <a>, <o> e <u>, como em comédia, por exemplo. Contudo, destaca outra pronúncia:

Mas agora damos a esta letra differente pronunciação, exprimindoa com .e. & .i. como a pronunciamos, quando lhe accrescentamos a cifra, ou cercilho, ajuntãdo a estas vogais, a. o. u. Porque para exprimirmos as cinquo vogaes todas de hũa mesma pronũciação, dizemos, ca, que, qui, co, cu, como se vee nestas palauras de hũa mesma substãcia, & paretesco: vacca, vacqueiro, vacquinha, vaccona, vaccum. E para pronunciarmos, a. o. u. junto ao c. como e. i. poemoslhe hũa cifra, ou cercilho de baxo, que fica fazedo hũa specie de .z. & dizemos: çapato, çoçobrar, çurrador. A qual cifra nõ poeremos, quãdo depois do .c. se segue e. i. como faze os idiotas. Porque o .c. junto aas dictas letras, não póde dar outro soido, segundo a pronunciação destes tepos. (LEÃO, 1576, p. 5-6)

Assim, essa outra pronúncia (possivelmente da fricativa [s]), representada pela letra <ç>, podia ocorrer em início de palavra, se seguida das vogais <a>, <o> e <u>.

Para Barreto (1671), o <c> não apresenta diferentes ofícios. Ele apenas adquire um valor diferente conforme o contexto onde se insere:

Digo poys que o C, he ũ so, & nã ha dous ces; màs que assi como as vogaes se notam ser breves, ou lõgas cõ os acentos grave, agudo, ou circunflexo, assi quando o c, sobre a, o, u, ouver de soar como s, lhe poremos por bayxo uma risquinha, que chamamos cedilho, nesta forma ç, & escusaremos multiplicar letras. Sobre e, i, nã ha mister essa risquinha; & assi ferirà sobre todas as vogaes, como diz Quintiliano, cõ aquella brandura, que esta letra de si te; como se ve nestes exemplos; maçan, açucena, çifra, poço, açucar. Serve tãbe este sinal para distinçã de algũs nomes, que cõ o cedilho te uma significaçã, & se elle outra, como se ve nestes exemplos; caca, caça; moca, moça; capa, çapa; roca, roça; faca, faça; cota, çota; Franca, França, & semelhantes. (BARRETO, 1671, p. 118)

Assim, palavras podem começar com esta letra se a letra seguinte for uma das vogais <a>, <o> ou <u>, de modo que o <ç> tem valor de [s]: "Certo ortografo nosso diz que se pode escrever cõ cedilho, cinco, cinto, cisne, cifra, cesto, certo, cento, màs he erro, porque o cedilho so te lugar quando o c, sobre a, o, u te o soido de s." (BARRETO, 1671, p. 118)

Feijó (1734) como os demais autores, distingue os valores de <c> quando empregado com as cinco vogais. Inclusive, faz o seguinte comentário sobre o ensino desses usos:

E por isso de dous modos se deve escrever a regra do Ca para ensinar esta differença aos meninos da escola: o primeiro he: Ca, Ce, Ci, Co, Cu: pronunciando o Ca, Co, Cu com som de Q. o segundo he: C,a, Ce, Ci, C,o,

C,u, pronunciando o C,a, C,o, C,u, com som de C; e com este som se

pronuncia sempre o Ce, Ci, em ambos os modos. (FEIJÓ, 1734, p. 44)

Então, pondera que a maior dificuldade que há, para a escrita, é a de se saber se determinada palavra deve ser escrita com <c>/<ç> ou <s>. Por isso, explica que entre <c> e <s> há diversidade de pronúncia105, logo, diversidade de representação gráfica. Mas, como ocorria de haver quem não soubesse a correta pronunciação, Feijó estabelece algumas regras, como a da analogia com a Língua Latina das palavras e também reúne, em listas, palavras escritas iniciadas com <ç>. Na lista da forma <ça>, está inclusa a palavra çarça.