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Flutuação no emprego de <eo>/<eos> e <eu>/<eus> e <ua> e <oa>

5.3 Estruturas silábicas: vogais e consoantes

5.3.1 Vogais

5.3.1.6 Flutuação no emprego de &lt;eo&gt;/&lt;eos&gt; e &lt;eu&gt;/&lt;eus&gt; e &lt;ua&gt; e &lt;oa&gt;

Os pronomes possessivos de 3a pessoa, singular e plural (seu, seus) apresentam, para a escrita do ditongo <eu>, flutuação de escrita da semivogal <u> por <o>:

seo (16 ocorrências no SS: C21, l320; C52, l820)

seu (17 ocorrências no SRSI: C6, l55; C8, l106 e 5 no SS: C13, l185; C30, l461)

seos (2 ocorrências no SRSI: C23, l404; C24, l392 e 7 no SS: C42, l657; C77, l1255) seus (2 ocorrências no SS: C10, l129; C36, l559 e 7 no SRSI: C3, l22; C22, l366)

O mesmo ocorre com a 3a pessoa, singular do verbo dar, do Pretérito Perfeito do Indicativo:

deo ( 1 ocorrência no SRSI: C47, l793 e 2 no SS: C60, l953; C71, l1159) deu (2 ocorrências no SRSI: C35, l592; C42, l695)

Já em agoa (1 ocorrência no SRSI: C17, l288) e agua (1 ocorrência no SS: C55, l895 e 2 no SRSI: C39, l675; C42, l707), há a troca do primeiro elemento do ditongo <ua> por <o>.

Estas flutuações provavelmente refletem o que ocorria na pronúncia. Por serem sons foneticamente semelhantes95 ([u] – [o]), a troca de um som pelo outro é plausível. Inclusive, observando as indicações dos ortógrafos, notamos que, de fato, a flutuação era muito recorrente e, em certos casos, tolerada.

O fato é que, nestes casos, ocorrem, sempre, ditongos.

Leão (1576), ao explicar os ditongos existentes em Português, especificamente os formados por <eu> e <oa>, exemplifica cada tipo, respectivamente com as palavras seu e

agoa. Sobre o último tipo, explica que "[...] vem despois do .g. em lugar do .u. liquido, que

vinha em vocabulos Latinos despois do .q. como de aqua, agoa. equa, egoa. lingua, lingoa. & em outros meros Portuguses [...]" (LEÃO, 1576, p. 31) Ou a pronúncia inicial fosse com [o] e, depois, devido à semelhança com o som [u], passou a haver variação ou, havendo uma gradiência96 [o] – [u], ela se estabilizou em função de [u] ou se categorizou como [u].

Pereira (1666), ao tratar dos ditongos, aborda os formados pela vogal <u>, denominando-o de "segundo gênero de ditongos". Ao abordar as várias espécies de ditongos deste gênero, considera:

a) sobre o segmento <ua>: "Quando se junta u, com a ou se põem antes, ua, como na palavra, igual, ou se põem depoys, au, como na palavra causa. (PEREIRA, 1666, p. 41)

b) sobre o segmento <eu>: "Quando se junta com e, ou se põem antes, ue, como na palavra baque; ou se põem depois eu, como na palavra, deu, posto que muytos doutos escrevem, deo, id est, dedito." (PEREIRA, 1666, p. 41) Neste caso, o ortógrafo aborda, inclusive, a questão da flutuação deu-deo existente na época.

Já no final de sua obra, ao expor listas de palavras para serem "melhoradas" na escrita e na fala, Pereira tem por "tolerada" a forma agoa, mas sugere a forma "melhorada" agua. Claramente, tal flutuação era muito recorrente também, a ponto de merecer a atenção do ortógrafo.

Para Barreto (1671), escreve-se com o ditongo <eo>, além das 3as pessoas, singular, dos verbos de 2a conjugação no Pretérito Perfeito do Indicativo, o verbo dar. Já com o

95 "Dois ou mais sons são foneticamente semelhantes quando compartilham um número maior de propriedades

fonéticas do que se opõem por elas." (CAGLIARI, 2002, p. 34) Assim, "Os sons que são foneticamente mais

semelhantes têm maior chance de se realizarem como variantes e, por isso, constituem os sons mais suspeitos

de não serem fonemas em uma língua." (CAGLIARI, 2002, p. 33) Podem ser, pois, alofones.

ditongo <eu>, é escrito o pronome seu. O próprio ortógrafo chega a comentar a semelhança entre os dois sons [u] e [o]: "He grande a semelhança, que [o] t cõ o u, que se nã se t conta cõ a pronunciaçã facilmente se ouve ũ por outro [...]" (BARRETO, 1671, p. 81) Ao falar do ditongo <ua>, considera que:

Delle usamos alguns nomes, como agua, egua, fragua, legua, lingua, mingua, &c: ainda que nossos ortografos escrevem estes nomes per oa, agoa, egoa, fragoa, legoa, lingoa, &c. Porem nã consideram (ao menos os dous primeyros) que sómente mudamos o q, g, conservando sempre o u, companheyro insceparavel do q, & tamb companheyro, que ainda quando o q, desaparece fica elle immovel o proprio lugar, & que assi de aqua, equa, dizemos agua, egua. (BARRETO, 1671, p. 106)

Ou seja, para o ortógrafo, a única letra que se transforma é o <q> em <g>. E, no final de sua obra, ao sugerir correções que "a inorancia do vulgo t corrutas", tem por errada a forma agoa e correta agua.

Feijó (1734), ao final de sua Ortografia, elabora uma extensa lista de "erros communs da pronunciaçam do vulgo, com as suas emendas em cada letra". Ao retratar a palavra água, tem por emenda agoa, mas, explica:

Agoa, dizem huns do Latim Aqua; e tem razaõ para mudarem o u em o,

assim como mudaõ o q em g; porque todos dizem Egoa de Equa; e naõ ha mais razaõ para huma versaõ, que para outra. Outros dizem Agua, fazendo o

u liquido, porque naõ se carrega nelle com o g; assim como em Aqua, se naõ

carrega nelle depois do q. De hum, e outro usaõ os nossos Auctores: Agoa he mais usado. O vulgo erradamente diz Auga, e Augoa. (FEIJÓ, 1734, p. 172- 173)

De acordo com o escrito, em agoa, há um hiato, já que o ortógrafo não admite ditongo formado por <oa>. No segundo caso também corrente, o <u> não apresenta propriedade fonética, pois, segundo Feijó, ele é usado na forma líquida, além disso, o ditongo também não ocorre, pois

Alguns dizem, que tambem ha dithongos de Ua, ue, ui, e uo, e allegaõ por exemplos as palavras Guarda, Guerra, Quebra, Guincho, Quotidiano etc. E eu digo, que naõ se devem chamar dithongos; porque estes sempre tem o som de duas vogaes; e em nenhuma das palavras referidas sôa o U com a vogal seguinte; e a razaõ he, porque o U depois de G, e depois de Q sempre se faz liquido, e perde toda a força de vogal; e por isto senaõ percebe o seu som na pronunciaçaõ das palavras referidas. (FEIJÓ, 1734, p. 26)

Sobre as pronúncias de seu, diz Feijó (1734, p. 24): "Ha dithongos de Eu, como Meu, Teu, Seu: Meus, Teus, Seus, Deus. Mas como estas palavras na nosssa pronunciaçaõ, mais parecem ter som de O, que de U; porque este se exprime com mais difficuldade, alguns as escrevem com dithongo de Eo: Mêos, Têos, Sêos, Dêos, o que naõ reprovo."97 Nas emendas,

seo é a forma a ser corrigida.