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5.3 Estruturas silábicas: vogais e consoantes

5.3.2 Consoantes

5.3.2.6 Uso de <h>: visão geral

Leão (1576, p. 7v) diz que <h> é uma "aspiração" ou "assopro", mas que "[...] os Portugueses não vsamos em pronunciação, posto q a vsemos na scriptura. Porque assi

pronũciamos hom , como, om , & hõra, como, onra, & hoje, como, oje, & hoganno, como, ogãno, & hagora, como, agora, & haver, como, auer." Contudo, constata a realização sonora da letra no caso de duas interjeições: "E soom te parece, q a sentimos na pronunciação de duas interjeições .s. de ha ha, significatiua de riso, & de ah, significatiua de temor, ou indignação." (LEÃO, 1576, p.7v)

Por fim, admite que o uso desta letra, necessariamente, deve-se à etimologia: "Porem ainda que pareça esta aspiração ociosa, pola não pronũciarmos, he porem necessaria, para guardar a orthographia dos nomes Latinos, & Gregos, para per ella se conhecer origem, & etymologia dos vocabulos, & para differença delles [...]" (LEÃO, 1576, p. 7v). Acaba destacando, também, os usos singulares da letra <h>, quando seguindo <c>, <n> e <l>, próprios da Língua Portuguesa. Diz ele:

Mas os Portugueses, por teermos tres pronunciações proprias, & peculiares nossas, que os Latinos não tinhão, para que nos faltão as figuras, supprimolas com a aspiração, dizendo: ch. lh. nh. Porque sem aspiração, não achamos letras cõ que as formar: por teerem muito differente pronunciação, da que dão as dictas letras, sendo tenues, & não aspiradas. De maneira que aspiramos o l. & o .n. o q nenhũas outras nações fazem, & aspiramos o.c. em vocabulos nossos peculiares, soando a dicta letra aspirada de differente maneira, do que soa nos vocabulos Latinos, ou Gregos, q outros si se aspirão. Porq doutra maneira soa o .c. em esta palauara, tacha, do que soa em a palaura, mechanico. (LEÃO, 1576, p. 8-8v)

Pereira (1666) também fala da aspiração da letra <h> sentida nas interjeições "hâ, hâ", de alegria, "ah, ah"', de temor ou "oh, oh", de espanto. Ao comentar as pronúncias próprias do Português, não existentes na Língua Latina, afirma o ortógrafo que

Usamos tambem de h , sem vermos força alguma de aspiraçam, em tres termos differentes, quays sam: ch, lh, nh; onde experimentamos tres diversas pronunciaçoens proprias da nossa lingua, q os Latinos nam conhecéraõ: pelo que venho a crer q o h, para com os Portuguezes, hũas vezes he aspiraçam, como a dos Latinos; outras he verdadeyra letra cõ a qual sem aspirarmos, distinguimos as tres referidas pronunciaço s, sentindo bem diversa toada no

cha, lha, nha. (PEREIRA, 1666, p. 55)

E, a partir desta colocação, fala sobre o grupo <ch>:

Donde advirtimos q se o Latim põem aspiraçam depois do c: como em

charitas, chorus, & outras semelhantes; nòs a naõ ponhamos, porq assim

fugiremos a toada diversa do Latim, q no Portuguez faz, charidade, choro. Pois bem se vé a diversidade, q entre nossas palavras ha, de caco, a cacho; de marca, a marcha, & assim digamos, caridade coro.

Pelo que para conformarmos nossa toada, com a Latina, cha, cho, & chu dos Latinos, tiraremos o h, & em lugar do seu che, & chi, poremos, que, & qui; & assim dizendo elles, chelidanium, diremos nós, quelidonio; dizendo elles;

Monarchia, diremos, Monarquia. (PEREIRA, 1666, p. 55-56)

Franco Barreto (1671, p. 132) distingue três funções para a letra <h>: "[...] realmente serve de letra, de aspiraçã, & distinçã." Considera <h> letra quando possibilita a formação dos dígrafos <ch>, <lh> e <nh>. Adverte, apenas, que, nas palavras em que os latinos escreviam <ch>, em Português, será escrita sem o <h> (por exemplo, Anchora – Ancora), e caso sejam nomes próprios, deverá ser mantido apenas se o sentido do nome, com a ausência do <h>, for alterado. É aspiração nas interjeições e é de distinção quando serve para esclarecer possíveis ambiguidades entre verbos e conjunções (por exemplo, he, do verbo ser e e conjunção). Feijó (1734) praticamente têm as mesmas ideias sobre o uso da letra, mas indicando a manutenção dela, principalmente para marcar a origem gracolatina da palavra.

Nos sermões, muitas palavras são escritas com <h>. De modo geral, temos:

• em junção com outras consoantes, formando os dígrafos <ch> (para o som [ʃ]), <lh> (para [ʎ]) e <nh> (para o som [ɲ]).

achou (SS C6, l82; SRSI C33, l549) China (SS C3, l42) Euangelho (SS C4, l41-42; SRSI C6, l70) mulher (SRSI C6, l74) Maranhaõ (SS l4) nenhum (SRSI C15, l238; SS C17, l258) Senhor (SS C60, l958; SRSI C20 l306)

• na formação dos falsos dígrafos: ph (= [f]), th (= [t]) e ch = [k])

• em início de palavra

todas as ocorrências do verbo ser na 3a pessoa, singular do Presente do Indicativo (96 ocorrências no SRSI e 172 no SS: SRSI C2, l11; SS C78, l1254)

verbo haver e variações (SS C56, l889; SRSI C13, l197) (mas, 1 ocorrência do verbo haver sem o <h> inicial: SRSI C13, l199-200)

hoje (SRSI C49, l833; SS C63, l1025-1026) hum (SS C70, l1124; SRSI C49, l853) hiaõ (SS C4, l45)

Hebreo (SRSI C15, l233)

• entre vogais, separando hiato

Abraham (SRSI C21, l369) sahem e variações (SS C3, l38) cahe (SS C13, l187) reprehensaõ (SS C49, l794) comprehede (SRSI C28, l444) concluhio (SS C83, l1343) restituhia (SRSI C36, l611)

Mas também são escritos hiatos sem <h> mediador:

sair (SRSI C31, l536) rainha (SRSI C32, l520-521) ainda (SS C51, l837; SRSI C33, l555) raizes (SS C14, l206) reedificar (SS C71, l1145) refree (SRSI C40, l676)

5.3.2.7 <x> com valor fonético de [is]

exaqui (1 ocorrência no SRSI C12, l186) eisaqui (1 ocorrência no SRSI C29, l501)

Neste grupo de palavras, ocorre flutuação entre as sequências <is>/<ys> e <x>. Coutinho (1974) diz que, no período fonético e, por influência latina, <x>, sempre no fim de palavra, representava [is]. Assim, a flutuação encontrada no sermão pode ser resquício dessa escrita. Nunes de Leão (1576) e Franco Barreto (1671) apontam o <x> apenas como representação do som [ʃ]. Diz Leão (1576, p. 20v):

He letra dobrada, que consta de .c. & .s. em algũus vocabulos, & em outros de .g. & .s. (...) Mas isto he quanto aa pronunciação das palauras Latinas. Porque a pronunciação que agora damos a esta letra, he Arabica, da menria que os Mouros pronuncião o seu, xin (...) per que denotamos a dicta pronunciação Arabica, como nestas palauras: paixão, caxa, enxada, coxim.

Franco Barreto (1671, p. 173-174) afirma que "Nenhũ nome nosso acaba x, & assi nos, que dos Latinos procedem, nos a mudamos z [...] ainda que alguns por se mostrarem Latinos, escrevem estes, & outros taes cõ x."

Feijó (1734, p. 102) também diz que "[...] Os Portuguezes sempre pronunciamos o X nas nossas palavras com diverso som, carregando nelle com força, como Caixa, Coxim, Payxaõ, Queixada, Queixûme etc." Mas, no final de sua obra, ao comentar as palavras pronunciadas errado, fala sobre a palavra eis/eys, deixando transparecer que seria possível, para a pronúncia do <x>, semelhança com o segmento <is>:

Dizem os nosso Vocabularios, que he hum adverbio demonstrativo, que serve para mostrarmos algũa cousa, e nasce do Latim En, ou Ecce. Eu so repáro na escripta das letras Eis, porque se o devemos escrever assim, porque assim sôa na pronunciaçaõ; v. g. Eis aqui : Eis ahi etc porque naõ devemos de escrever Eisâme : Eishausto : mas Exâme, e Exhausto? Se me responderem que estes assim se escrévem no Latim: direi eu: Logo no Portuguez do mesmo modo que pronunciamos Eis, pronunciamos tambem

Ex! que naõ ha duvida. Logo porque naõ havemos de escrever, e dizer. Exaqui : Exahi. Entaõ Eis, ou Eys?

Respondem, que no som da pronunciaçaõ estaõ iguaes; mas os que escrevem

Eisaqui : Eisahi etc tem mais fundamento; porque quando queremos mostrar

hum homem, dizemos Eilo aqui : e a hũa mulher Eila aqui etc. O erro de

Eis, ou Ex, he veis. O P. Bento Pereira diz Eys, e Ey. Mas ou se escreva com i, ou y, sempre faz dithongo de ei, ou ey. (FEIJÓ, 1734, p. 286-287)

Então, se o ortógrafo faz esse comentário é porque a sequência <ex> já era pronunciada também com ditongação [eɪs].