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4 ALGUNS ASPECTOS DO ENSINO DE ESPANHOL EM INTERFACE COM

6.5 Considerações sobre o uso do presente do subjuntivo na formulação

de mandatos, em situações interacionais, no cenário “residência” com alinhamentos “pai-filha”, “mãe-filha” e “criança-criança”

Como já foi mencionado anteriormente, a análise dos erros de natureza sociolingüística constitui o âmago desta tese, cujo objetivo é desvendar como elementos pragmalingüísticos derivam erros socio- pragmáticos.

Para esta análise, considerou-se como domínio do erro sociolingüístico a situação comunicativa na qual os interlocutores estão inseridos, o grau de assimetria entre eles, o cenário, o enquadre e o alinhamento ou posicionamento pessoal de cada participante na interação. Esse contexto determina o tipo de discurso, que diz respeito ao que se está falando, para quem se está falando e, dependendo do momento, em que se está falando. A extensão do erro foi considerada do morfema marcador da pessoa verbal aos marcadores de cortesia, que determinam o efeito das escolhas lingüísticas dos aprendizes no interlocutor, considerando o grau de formalidade e de polidez na formulação dos atos diretivos. Por exceder, dessa forma, o limite da sentença e atingir o sucesso do ato comunicativo, esses foram considerados erros globais.

A descrição das formas, que os aprendizes empregaram na formação de elocuções com força ilocutória diretiva42, revelou que o imperativo ocorre, comparativamente, com maior freqüência que qualquer outra forma, a saber: 76,80% nas produções por falantes nativos; 23,46% nas produções por aprendizes do nível inicial e 28,60% por aprendizes do nível avançado. A freqüência de uso do imperativo coincidiu, também, no alinhamento adulto- criança.

A taxonomia dos erros43 revelou um total de 36,72% de erros de registro nas produções de aprendizes do nível inicial e 18,19% nas produções de aprendizes do nível avançado, resultando em erros mais freqüentes na interação que em erros de polidez, independente o registro.

42 Ver Item 6.2.2 As ocorrências em espanhol platino e em português do Brasil, neste capítulo. Ver Item 6.3 A descrição dos erros, neste capítulo.

Com a evidência dos dados coletados, conclui-se, por uma parte, que o uso do imperativo e da maioria das formas, com força ilocutória diretiva, é equivalente nas duas línguas. Por outra parte, existe uma área de conflito que deriva erros de natureza socio-pragmática, que diz respeito ao registro que os aprendizes escolheram para cada situação interacional e que se manifestaram, principalmente, na desinência verbal do imperativo.

As presentes observações restringem-se, somente, aos erros de registro, que se tornam aparentes se for considerado o domínio desses erros, ou seja, a situação interacional. Os exemplos representam os alinhamentos entre adultos (A-A), entre crianças (C-C), entre um adulto e uma criança (A- C) e entre uma criança e um adulto (C-A) e pertencem às produções dos aprendizes do nível inicial (I) e avançado (A), como já observado antes.

A título de ilustração, transcreveram-se, a seguir, algumas das ocorrências encontradas nos corpora:

- ¿Donde estás tu? ¡*Venga comer un bucadito! (C-C; I)

- Papá, *pare de roncar yo quero dormir (C-A; I)

- Papá, *traiga el zol, ¿zi? (C-A; I)

- ¿Papá, *compra esta revista? (C-A; A)

- ¡*Va jugar la parque! (A-C; I)

- ¡Maria! ¡Por favor, *apague la luz y se *va duermir! (A-C; I)

- Hijito, mi bebe! *Venga para se suciar en la arena. (A-C; A)

- *Colga para mi los cigarrillos.(A-C; A)

- María, venga comer y salga de la televisión. (A-C; A)

Em todos esses exemplos, observa-se a desinência verbal correspondente ao uso do pronome de tratamento usted, que, no espanhol, expressa distância, pouca intimidade e assimetria entre os interlocutores. Nos contextos interacionais descritos anteriormente, não é importante o uso de usted, pois cria um grau de formalidade desnecessário, característico da interação entre esposos ou entre pais e filhos de duas gerações atrás. A interação entre crianças requer um registro informal. Na interação entre adultos e crianças, pode ser empregado por uns e outros, segundo suas intenções comunicativas: se empregado pelos pais, denota reprimenda; se empregado pelas crianças, distanciamento. Corresponde a todos esses exemplos o uso do pronome de segunda pessoa, vos, no caso do espanhol vertente platina, ou tu, no caso do espanhol peninsular.

Esse erro de adequação induziu o interrogante a questionar sobre o porquê do uso do pronome de tratamento usted, em situações interacionais, nas quais ele não deveria ocorrer.

6.5.1 O presente do subjuntivo em espanhol e em português

Para Echeverría (2001), o paradigma desinencial do imperativo em espanhol coincide com o do português:

Cant-a (tú) Cant-a (tu) Cant-á (vos)44

Cant-e (usted) Cant-e (você)

Cant-ad (vosotros) Cant-ai (vos)

Cant-e-n (ellos) Cant-ê-m (vocês)

Vend-e (tú) Vend-e (tu)

Vend-é (vos)

Vend-a (usted) Vend-a (você)

Vend-ed (vosotros) Vend-ei (vos) Vend-a-n (ustedes) Vend-a-m (vocês)

Part-e (tú) Part-e (tu)

Part-í (vos)

Part-a (usted) Part-a (você)

Part-id (vosotros) Part-i (vos) Part-a-n (ustedes) Part-a-m (vocês)

Porém, há uma diferenças. É importante observar, por exemplo, a correspondência entre as formas verbais para os pronomes de tratamento tu e usted, no espanhol, e tu e você, no português:

Em Espanhol Em português ¡Trae!(tú) Traze! (tu) ¡Traé! (vos)

¡Traiga! (usted) Traga! (você) ¡Sigue! (tú) Segue! (tu) ¡Seguí) (vos)

¡Siga! (usted) Siga! (você) ¡Ven! (tú) Vem! (tu) ¡Vení! (vos)

¡Venga! (usted) Venha! (você) ¡Para! (tú) Pára! (tu) ¡Pará! (vos)

¡Pare! (usted) Pare! (você) ¡Compra! (tú) Compra! (tu) ¡Compra! (vos)

¡Compre! (usted) Compre! (você)

44 Echeverría (2001) omite a forma do imperativo em segunda pessoa do singular, vos, característica da região platina.

¡Ve! (tu) Vai! (tu) ¡Andá! (vos)

¡Vaya! (usted) Vá! (você) ¡Marcha! (tu) Marcha! (tu) ¡Marchá! (vos)

¡Marche! (usted) Marche! (você)

O pronome você é o pronome de tratamento, na maior parte do Brasil45, para a segunda pessoa, cuja forma verbal imperativa corresponde ao presente do subjuntivo. Esse tempo verbal denota formalidade, além de indicar uma maior distância entre os interlocutores do que o imperativo, no presente do indicativo, de segunda pessoa tu, quando acompanhado pelo tratamento de respeito o senhor, a senhora. O pronome de tratamento tu, por sua vez, é de registro coloquial e usado como recurso retórico para reforçar um mandato ou chamar a atenção46.

Em espanhol, entretanto, a forma verbal no presente do subjuntivo corresponde ao pronome de tratamento de segunda pessoa usted, de uso restrito a situações interacionais formais ou quando o falante quer colocar- se a uma certa distância do interlocutor. O tratamento de registro coloquial, de segunda pessoa, corresponde aos pronomes tu e vos: a desinência verbal correspondente a tu coincide nas duas línguas; já no que diz respeito ao pronome de tratamento vos, elas diferem muito.

Desse modo, a análise dos erros dos aprendizes, falantes nativos de português, evidenciou que eles tendem a aplicar as regras de formação do imperativo em presente do subjuntivo, como no uso mais difundido na sua

45 Com algumas exceções no norte e sul do Brasil.

46 Uma descrição detalhada deste fenômeno se encontra no artigo As formas alternantes do

língua materna, na formulação de ordens em língua espanhola, em contextos de familiaridade e proximidade entre os interlocutores. Essa tendência se explica pela semelhança morfológica e fonológica da conjugação do presente do subjuntivo nas duas línguas. Porém, existe uma grande diferença: esse uso não combina com as regras interacionais na língua espanhola. O presente do subjuntivo constitui um marcador pragmalingüístico de registro informal, no português, mas que denota formalidade no espanhol. A transferência da língua materna dos aprendizes originou um erro de natureza socio-pragmática, pelo qual produziram elocuções inadequadas para a interação entre pais e filhos.

Assim sendo, é responsabilidade do professor ajudar o aprendiz a entender alguns fenômenos da língua-alvo, que podem confundi-los. Os erros de natureza socio-pragmática podem ser sanados, mediante a conscientização dos aprendizes sobre a importância das pistas de contextualização, nas situações interacionais face a face. O uso do imperativo, no presente do subjuntivo, constitui uma pista lingüística importante para determinar o alinhamento entre os interlocutores, assim como o tom de voz e os gestos e o uso de marcadores de polidez. A prática da interação face a face deve ser explorada, nas aulas de espanhol como língua estrangeira, de maneira que dê conta das suas nuances lingüísticas, prosódicas e discursivas, as quais podem entrar em conflito com a língua materna dos aprendizes.

A partir do pressuposto de que o uso determina a forma lingüística, precisa-se do máximo de informação para esclarecer a natureza e o funcionamento da língua-alvo. Cabe ao professor dosar a apresentação dos

recursos expressivos da língua para ajudar os aprendizes no desenvolvimento de sua competência lingüística e sociolingüística e na satisfação de suas necessidades comunicativas, habilidades chave para sua inserção em uma cultura diferente.

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