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SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL

3.1 SOBRE A INTERAÇÃO EM MAFALDA

Exprime-se aqui uma outra análise, a partir da Sociolingüística Interacional, da forma como Quino gera humor, apontando para o conflito criado entre essa atitude de denúncia e os tipos caracterológicos das suas personagens, por um lado; e observando o uso das pistas lingüísticas, prosódicas e discursivas das falas, por outro, que permita desvendar aspectos lingüísticos e interacionais da fala oral autêntica. Argumenta-se que as tiras de Mafalda podem ser aproveitadas como recurso autêntico, na sala de aula, para o desenvolvimento da competência comunicativa dos aprendizes de espanhol.

O leitor de Mafalda pode apresentar-se perplexo, estupefato, em relação ao fato denunciado ou à crítica feita ao modelo social vigente, mas não se surpreende com respeito às atitudes ou comportamentos das personagens, pois participa do que Pereira Lins (2001) chama de “jogo interativo”.1

1 A análise das estratégias de produção do humor, nas tiras de Quino, feita pela autora merece particular destaque pela profundidade e precisão.

As tiras de Mafalda se organizam em dois enquadres interativos2: por um lado, o enquadre entre as personagens que vão contando sua história; por outro, o enquadre com o leitor do texto de humor. No primeiro jogo interacional, ou seja, na composição das personagens, Quino faz com que elas interajam, de modo que seus esquemas de conhecimento3 sejam postos em complementaridade ou oposição. Nas pistas de contextualização4 (quer dizer, nas falas, nas expressões faciais, nos gestos), se percebe que cada personagem, a partir de seus esquemas de conhecimento, demonstra estranhamento pela atitude uns dos outros, pois suas estruturas de expectativas não são satisfeitas. No segundo jogo interacional da construção das histórias em quadrinhos, a comparação desses esquemas de conhecimento,5 operada pelo leitor, gera humor, visto que descobre a incongruência em relação ao esperado, a partir do próprio modelo social de fazer conexões para produzir sentido nas coisas do mundo, em outras palavras, a partir dos seus próprios esquemas de conhecimento.

A interação entre as personagens, em Mafalda, se estrutura na comparação de distintos “enquadres” (TANNEN; WALLAT, 1998, p. 122).

2 “A noção interativa de enquadre, então, refere-se à percepção de qual atividade está sendo encenada, de qual sentido os falantes dão o que dizem” (TANNEN; WALLAT, 1998, p. 124). 3 “Usamos o termo enquadre para nos referirmos à noção antropológica/sociológica de um enquadre, conforme desenvolvida por Bateson e Goffman, e como Gumperz (1998) usa o termo ‘atividade de fala’. O termo se refere ao sentido que os participantes constroem acerca do que está sendo feito e reflete a noção de footing de Goffman [...] Usamos o termo esquema para nos referirmos a padrões de conhecimento, conforme são discutidos na Psicologia Cognitiva e na Inteligência Artificial. Trata-se de padrões de expectativas e hipóteses sobre o mundo, seus habitantes e objetos” (TANNEN; WALLAT, 1998, p. 122).

4 “[...] é através de constelações de traços presentes na estrutura de superfície das mensagens que os falantes sinalizam e os ouvintes interpretam qual é a atividade que está ocorrendo, como o conteúdo semântico deve ser entendido e como cada oração se relaciona ao que precede ou segue. Tais traços são denominados pistas de contextualização” (GUMPERZ, 1998, p. 100).

5 “Usaremos o termo ‘esquema de conhecimento’ para nos referirmos às expectativas dos participantes acerca das pessoas, eventos e cenários no mundo” (TANNEN; WALLAT, 1998, p. 124).

Quando uma personagem inesperadamente muda de alinhamento,6 desafiando as estruturas de expectativas do senso comum, seja porque age ou pensa como adulto, seja porque derruba o acordo social mútuo, uma outra ou outras personagens demonstram surpresa pelo conflito não- esperado. Já na interação entre o leitor e o autor, a surpresa, representada pela situação de incongruência que causa humor, não gera conflito, pois faz parte do enquadre da piada e por isso é esperada. Também faz parte do enquadre da piada a leitura das incongruências à procura de uma interpretação. Dentro do esquema de conhecimento do leitor, o conflito gerado por essa incongruência vai levá-lo a descobrir a crítica ou denúncia que o autor quer fazer. Segundo Raskin (1985), nas piadas, acontece o que se denomina comunicação non bona fide, em que o ouvinte, que antecipa a situação de incongruência, não vai interpretá-la de modo bona fide e vai procurar fazer as inferências necessárias para entender o texto satisfatoriamente.

Em outras palavras, pode-se dizer que o cartunista fala com seus leitores, através de suas histórias engraçadas, e os leitores, que já antecipam a situação humorística e a denúncia, vão imediatamente à procura do que a situação interacional colocada tem de engraçado e/ou trágico, fazendo inferências sobre o não-esperado, a partir de pistas que estão no código verbal e não-verbal. Ao construir uma relação entre o esperado e o não- esperado, em termos do modelo social, no jogo interativo das personagens, o

6 Um alinhamento pode ser denominado também footing, conceito introduzido por Goffman: “[...] o que chamarei de footing [...]: O alinhamento, ou porte, ou posicionamento, ou postura, ou projeção pessoal do participante [...]” (GOFFMAN, 1998, p. 70).

autor dos quadrinhos proporciona a quebra, na expectativa, que gera a graça e leva à crítica.

Na explicação da interação das personagens de Quino, procura-se revelar a maneira como gerencia as rupturas com as estruturas de expectativas ativadas pelos esquemas de conhecimento das personagens, os quais também operam na interpretação dos acontecimentos e no entendimento do comportamento das pessoas, e os quais são característicos de várias situações de comunicação em distintas culturas. Por esse apelo às estruturas de conhecimento de leitores, em diversos cenários do mundo, se considera que as tiras de Mafalda podem ser utilizadas com aprendizes de espanhol, no desenvolvimento de sua competência socio-pragmática.

Existem vários contextos nos quais as crianças de Quino interagem: na rua, com estranhos e amigos; na própria residência, com seus pais, irmãos e amigos; na escola, com professores e colegas; e nas férias, com seus pais, irmãos, amigos e desconhecidos. O jogo interativo entre esquemas de conhecimento das personagens, em Mafalda, exemplifica-se com sua atuação em dois desses contextos: um institucional - a escola - onde interagem no enquadre “aula”, aparecendo dentro de micro- enquadramentos, tais como, micro-enquadre “prova escrita”, micro-enquadre “exposição oral”, micro-enquadre “argüição”; e outro não-institucional - suas residências - onde, dentro do enquadre “vida doméstica”, as personagens interagem com seus pais e/ou com seus amigos.

Tanto em um, quanto em outro contexto, o comportamento das personagens de Quino vai desafiar as expectativas sobre o modo como crianças devem atuar em sociedade.

Por ser a escola órgão de âmbito institucional, as estruturas de expectativas pressupõem um grau de formalidade, que se evidencia pelo fato de que o professor tem o direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir a interação, exercendo, assim, seu poder sobre os alunos. O professor tem o direito de tomar a iniciativa, geralmente lançando uma pergunta ou fazendo um pedido, enquanto o aluno, num papel de subordinação, atende às condições impostas pelo professor. Do mesmo modo, no cenário “residência”, dentro do enquadre “vida doméstica”, a expectativa criada é de pais exercendo poder sobre os filhos, o que é normalmente caracterizado, também, pelas situações em que os pais mandam e os filhos obedecem e não se espera que estes emitam críticas, nem avaliações em torno do comportamento daqueles.

Nas interações, em geral, as personagens interagem dentro dos enquadres projetados, operando re-alinhamentos e estabelecendo re- enquadramentos que vão definir o jogo interacional que está sendo executado. Isso vai determinar o tipo de discurso, de acordo com o qual está se falando, para quem está se falando e quando está se falando, com o intuito de obter a cooperatividade do interlocutor.

Nas tiras analisadas, a construção do humor é obtida pelo recurso de realinhamento das personagens7. Elas são postas operando footings, com o objetivo de romper com as expectativas ativadas pelos enquadres. O autor processa o “des-enquadramento” das personagens, na medida em que os põe contrariando esquemas de conhecimento do alinhamento projetado, criando ruptura na interação. Essas rupturas se evidenciam nas pistas de

contextualização, nas falas das personagens e em seus movimentos faciais e gestuais, que definem os “re-alinhamentos” em forma de “des- enquadramentos”. Também se torna evidente se as falas das personagens são analisadas em função das máximas conversacionais (GRICE, 1982, p. 86) que estão sendo quebradas. Essas pistas vão mostrar as personagens infantis, atuando em alinhamento-adulto, na medida em que expressam atitudes de reflexão e crítica em relação a posicionamentos políticos e sociais, e desrespeitando o acordo social mútuo, ao quebrar uma das máximas griceanas de interação comunicativa.

Para criar a ruptura dentro da interação, Quino, de modo geral, mostra suas personagens, em dois momentos, dentro da interação: primeiro, comportando-se em sintonia com os esquemas de conhecimento do leitor, ativados em relação ao evento em apresentação; e segundo, operando footing e realinhando-se, conforme se observa na Tira 03:

Tira 03 8

(BUSQUETS, 1999, p. 83, tira 4)

8 Mãe: Vamos comer!

No cenário “residência”, Mafalda atua coerentemente dentro das estruturas de expectativas dos pais, a respeito de uma filha obediente: está sentada à mesa, pronta para comer, depois de ter ouvido o chamado da sua mãe. O pai e o irmãozinho de Mafalda, lavando as mãos no banheiro (quadro 2), e Mafalda, sentada à mesa, criam a atmosfera de cooperatividade familiar e harmonia. Ao ver a mãe com a sopeira (quadro 3), de modo a romper com os esquemas ativados pelo enquadre “almoço”, Mafalda opera um footing e passa a agir como adulto politizado que, em atitude de equivalência de poder, delimita seu território e exerce seu direito de não concordar com “as idéias” da mãe. Mas o conteúdo da fala de Mafalda (quadro 3) mostra que passa a atuar do enquadre “almoço” para um outro enquadre. Seu discurso quebra a máxima de relação (GRICE, 1982, p. 86) - seja relevante9 - e se constitui em uma ruptura dos esquemas de conhecimento, relacionados ao alinhamento “criança”: o autor a alinha com o mundo adulto, ao separá-la do resto da família por questões ideológicas, demonstrando, em uma possível alusão ao Muro de Berlim, o conhecimento que Mafalda tem de política internacional.

A partir da análise de Raskin (1985), considera-se que as interações das personagens se desenvolvem nos scripts professor, aluno, pai, mãe, filho. Porém, há, no exemplo acima, a sobreposição de dois scripts opostos, mas compatíveis (RASKIN, 1985): mãe/filha; adulto alienado/adulto politizado, requeridos para a produção de humor. Poder-se-ia dizer que a noção de

script vista, por Raskin, se aproxima da noção de esquemas de conhecimento

de Tannen e Wallat (1998)10.

O alinhamento “criança-filha”/ “adulto-mãe” é transformado, com a carga semântica das palavras de Mafalda, em “adulto /adulto”. Note-se, também, que, na constatação do prato que vai ser servido, Sopa, ¿verdad?, Mafalda revela que não se surpreende pelo que está sendo oferecido e rejeita a comida com um gesto de menosprezo, em atitude de crítica. Porém, sua solicitação é cortês e formal, em um registro não coincidente com o alinhamento “criança”, escolha lingüística requerida pelo seu novo alinhamento.

O cenário “residência”, enquadre “almoço”, alinhamento criança/adulto, é partilhado pela maioria das culturas. Essa característica, de várias situações em Mafalda, permite que a tira possa ser explorada nas aulas de espanhol para ensinar um aspecto característico da cultura argentina: a hora do almoço ou do jantar, na qual, dia-a-dia, a família toda se reúne, sentando à mesa. Aponta-se especificamente para a categoria de fala do chamado da mãe: ¡A la mesa! O costume da família de se reunir para almoçar e jantar, característico na Argentina, se diferencia do costume das famílias brasileiras, no sentido que cada membro serve seu prato e senta no sofá, no chão da sala ou até leva o prato para comer no quarto.

Para enfatizar a ruptura na interação, Quino, às vezes, coloca Mafalda, ratificando seu alinhamento diferenciado e reforçando a ruptura em uma fala subseqüente, ao apresentar conseqüências ou dar justificativas, por exemplo, como na Tira 04:

Tira 04

(BUSQUETS, 1999, p. 64, tira 2)

Mafalda rompe com o esperado, apelando para o bom senso (quadro 3), e ratifica a ruptura, ao sugerir uma possível conseqüência para o ato da professora: evitar um inútil derramamento de zeros (quadro 5). Ao ratificar a ruptura, o autor reforça o alinhamento em que quer inserir a personagem, reforçando, também, a oposição entre alinhamento anterior - esperado - e alinhamento posterior - não esperado. Assim, no cenário “escola”, observam- se o alinhamento “professor/aluno” (quadros 1 e 2) e o alinhamento “adulto/adulto” (quadros 3 e 4), que remetem, respectivamente, ao enquadre “aula” e ao enquadre “conversa entre adultos”.

O primeiro enquadre é caracterizado pela diferença nas relações de poder, em que a professora tem a autoridade (usa verbos no imperativo) e exerce função hierarquicamente superior, na definição dos papéis desempenhados, dentro da escola. Já no segundo enquadre, a fala de Mafalda quebra a máxima de quantidade (GRICE, 1982, p. 86) - faça com

que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido11 -, pois não reage

à ordem da professora, segundo esperado pelo alinhamento “aluna/professora”. Seu discurso sugere equivalência de papel social, pois, com o uso da primeira pessoa do plural, se alinha com a professora, alinhamento reforçado pela expressão “bom senso”, típico da fala de adulto.

Não obstante, a escolha de uma pergunta no pretérito imperfeito do subjuntivo - um ato de fala indireto com um alto grau de cortesia -, para dirigir-se à professora, revela que Mafalda sabe que está extrapolando os limites. Por isso pede desculpas antes de falar e que tenta justificar sua solicitação, apresentando uma possível conseqüência: “para evitar um inútil derramamento de zeros”. Isso atenua a força ilocutória da “apelação para o bom senso”, porém, reforça o realinhamento. Note-se, também, que a necessária relação semântica operada entre as expressões “derramamento de sangue” (enquadre “guerra”), que evoca a gravidade da situação, e “derramamento de zeros” (enquadre “escola”) auxilia na definição do novo alinhamento e, por conseqüência, do novo enquadre.

Similarmente à Tira 03, essa tira pode ser aproveitada no ensino de espanhol, porém, para ensinar, dessa vez, formas polidas de conversar com adultos.

Fazer com que personagens infantis atuem como adultos é um recurso utilizado por Quino, em quase todas as suas tiras, mas o comportamento mais marcante e de maior incidência é o de Mafalda. Ela atua como adulto intelectual, emitindo críticas a posicionamentos políticos e sociais, o que determina um realinhamento de sua relação com as outras personagens.

Mafalda rompe com a rotina prescrita em interações escolares, familiares e sociais. Quando opera realinhamentos, ela manifesta atitudes de insubordinação e desobediência, enfrentando a professora e seus pais, questionando seus posicionamentos, tentando levá-los ao ridículo. Assim, não é mais a criança que interage com o mundo dos adultos, mas sim um cidadão crítico, politizado, que tenta dar lições de bem-proceder aos pais e à professora, com igual direito de manifestação de opiniões e atitudes de poder. Esse “des-enquadramento” da personagem, dentro das interações, se concretiza a partir da mudança de alinhamento, que é operada através de comportamento verbal e não-verbal.

As pistas de contextualização verbal12 que operam a mudança de alinhamento da personagem Mafalda, na interação, são observadas nos níveis lingüístico, prosódico e discursivo. Em primeiro lugar, no nível lingüístico, o conteúdo das falas, não-pertinente aos esquemas de uma criança de seis anos, define a mudança de alinhamento de criança para adulto. Em segundo lugar, no nível prosódico, as marcações gráficas que sugerem tom e altura da voz, através de tipos diferentes de letras, negritos, reticências, exclamações, guiam a interpretação do interlocutor (outras personagens ou o leitor), no sentido do realinhamento da personagem dentro da interação. Em terceiro lugar, no nível discursivo, estratégias de polidez, mudanças de dialeto e de registro, ou quebra no seqüenciamento de atividades de fala, previsto pelo enquadre, vão proporcionar a percepção do realinhamento da personagem. Esses recursos quase sempre aparecem

12 “Grosso modo, pistas de contextualização são todos os traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais” (GUMPERZ, 1998, p. 100).

simultaneamente numa mesma tira, um completando o outro na definição das mudanças de alinhamento.

Quando a mudança de alinhamento da personagem, dentro da interação, é percebida, principalmente a partir do conteúdo das falas, verifica-se que a carga semântica das palavras remete a outros contextos não-infantis, isto é, o assunto é mudado no decorrer da interação. A Tira 03, acima, é um exemplo em que a fala da personagem causa estranhamento, exatamente, pelo seu conteúdo inesperado.

Vale ressaltar que, quando a mudança de alinhamento da personagem, dentro da interação, é percebida principalmente a nível discursivo, Mafalda, por ser uma criança de seis anos, provoca estranhamento e, por conseqüência, humor, ao aparecer utilizando estratégias de polidez que sugerem estar ela preocupada com a preservação da face negativa da professora. Na Tira 04, já mencionada, a personagem, antes de solicitar que a prova seja transferida para um outro dia, pede desculpas à professora, amenizando a imposição. Além disso, ao usar a primeira pessoa do plural, procura provocar envolvimento, na medida em que expõe o problema da prova não mais só como um problema dela, de Mafalda, e/ou das suas colegas de classe, mas de todas elas, inclusive da professora. Também, é importante observar que o modo como Mafalda faz o pedido, com o uso de uma pergunta na condicional (ela não pede clara e diretamente, ela sugere o pedido), representa uma atitude polida na interação. Outra característica percebida, na tira supracitada, diz respeito ao vocabulário usado pela menina, principalmente, ao utilizar as expressões

não condizem com o dialeto de sua faixa etária e, por conseqüência, muda o registro semiformal, usual entre professor e alunos dentro da sala de aula, para o registro formal, comum em situações interacionais entre adultos que precisam resolver um problema.

Para Gumperz (1998, p. 100), essas pistas de contextualização podem aparecer sob várias manifestações lingüísticas, dependendo do repertório lingüístico de cada participante. Podem ter função semelhante de contextualização os processos relacionados às mudanças de código, dialeto e estilo; alguns fenômenos prosódicos; as possibilidades de escolha entre opções lexicais e sintáticas; e expressões idiomáticas, aberturas e fechamentos conversacionais e estratégias de seqüenciamento, por exemplo.

Ele sublinha o caráter implícito dessas pistas de contextualização, pois seu valor sinalizador depende do conhecimento tácito, por parte dos participantes. Quando os participantes as percebem e as entendem, os processos interpretativos são tomados como pressupostos e acontecem sem serem percebidos. Entretanto, quando o ouvinte não reage às pistas, por desconhecimento da sua função, pode levar à divergência de interpretação e a mal-entendidos. Nesse caso, poder-se-ia dizer que o falante é antipático, impertinente, grosseiro, não-cooperativo ou que não entende o diálogo. Falhas de comunicação desse tipo são avaliadas como gafes sociais e resultam em interpretações errôneas da intenção do falante, pois não serão identificadas como possíveis erros lingüísticos.

Tira 05

(BUSQUETS, 1999, p. 113, tira 3)

Nos quadros 1 e 2, o chamado ríspido da mãe, sua expressão facial e seu dedo apontando para a mancha são pistas de contextualização não- verbal que antecipam os sentimentos dela e o tom imperativo da pergunta. No âmbito lingüístico propriamente dito, o chamado Guille!, em uma fonte maior e em negrito, apontam para o tom de voz, no nível prosódico: a mãe está falando alto, pois está zangada pelo que o menino fez. A situação se reitera entre as duas personagens: Guille novamente escreveu onde não devia e a mãe fica zangada por isso. O menino tenta dar uma explicação que responda, satisfatoriamente, a pergunta dela, apelando a sua imaginação de criança.

A carga semântica da pergunta, sobre a possibilidade de ele dar uma explicação sobre a sujeira na cortina, é, na verdade, um ato de fala indireto, cuja força ilocutória de ordem se transmite, mediante uma implicatura conversacional1. A mãe sabe que só pode ter sido ele, por isso exige, com polidez e ironia, uma explicação. O menino lhe responde literalmente,

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