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O componente socio-pragmático nas aulas de espanhol como língua estrangeira: os diálogos em Mafalda como modelo de interação social

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Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística

Rua Barão de Geremoabo, n°147, CEP: 40170-290 Campus Universitário – Ondina, Salvador – BA Tel: (071)336-0790/8754 Fax (071)336-8355 E-mail: pgletba@ufba.br

O COMPONENTE SOCIO-PRAGMÁTICO NAS AULAS DE

ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA:

OS DIÁLOGOS EM MAFALDA COMO MODELO DE

INTERAÇÃO SOCIAL

por

CECILIA GABRIELA AGUIRRE SOUZA

Orientadora: Profa Dra Eugênia Maria Galeffi

Salvador

2003

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

O COMPONENTE SOCIO-PRAGMÁTICO NAS AULAS DE

ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA:

OS DIÁLOGOS EM MAFALDA COMO MODELO DE INTERAÇÃO

SOCIAL

por

CECILIA GABRIELA AGUIRRE SOUZA

Orientadora: Profa Dra Eugênia Maria Galeffi

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Letras.

Salvador

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Biblioteca Central – UFBA S729 Souza, Cecilia Gabriela Aguirre.

O componente socio-pragmático nas aulas de espanhol como língua estrangeira

: os diálogos em Mafalda como modelo de interação social / por Cecília Gabriela

Aguirre Souza. - 2003. 159 f. : il.

Apêndices.

Orientadora : Profa. Dra. Eugênia Maria Galefii.

Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras,

2004.

1. Competência comunicativa. 2. Estudo e ensino - Falantes de espanhol.

3. Paradigma (Lingüística). 4. Pragmática. I. Galeffi, Eugênia Maria. II. Uni-

versidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.

CDU - 811.134.2(07)

CDD - 460

(4)

A

Álvaro, meu esposo, pelo seu apoio constante e pelo seu amor.

A María Elisa e Agnes, minhas filhas queridas, pela alegria e força para procurar a cada dia novas metas.

(5)

AGRADECIMENTOS

São tantos e tão especiais...

A Nossa Senhora da Conceição de Jesus, por iluminar meu caminho, proteger minha família e ouvir minhas orações.

A minha avó, Doña Elisa, e a minha mãe, Marta (in memoriam).

A meu esposo, Álvaro, e a minhas pequenas filhas, María Elisa e Agnes, pela paciência e cooperação, pelo seu amor e alegria.

A meu pai, Aníbal, e a minha irmã, María, por aceitar a distância.

A minha orientadora, Professora Eugênia, pelos conselhos, observações e confiança em minha capacidade.

À Professora Célia, pela sua guia precisa e pelo seu exemplo. E à Professora Eneida.

À Professora Dra Angelita Martinez, pelas orientações esclarecedoras, tanto em questões acadêmicas como pessoais.

A Silvina e Cristina, minhas amigas e colegas argentinas, pela sua ajuda. E a Marcela, amiga do coração.

Ao Curso de Pós-Graduação da UFBA, pelo apoio, infra-estrutura, qualidade e pela simpatia dos seus professores, pesquisadores e funcionários.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Aos alunos e professores da Universidad Nacional de La Plata, da Universidade Federal da Bahia e das Faculdades Jorge Amado, aos meus colegas argentinos e baianos, enfim a todos aqueles que entrevistei, pela confiança em prestarem seus depoimentos e a doação dos seus tempos. Muito obrigado,

Por possibilitarem essa experiência enriquecedora e gratificante, de maior importância para meu crescimento como ser humano e profissional.

(6)

El lenguaje ni siquiera está hecho para que se crea en él, sino para obedecer y hacer que se obedezca.

Las formas fundamentales de la palabra no son el enunciado de un juicio ni la expresión de un sentimiento, sino “el mandato, la prueba de

obediencia, la aserción, la pregunta, la afirmación y la negación”, frases muy breves que mandan la vida y que son inseparables de las empresas o de los grandes trabajos.

- ¿Listo?

-

- Adelante.

(7)

RESUMO

Estudo sobre as produções de atos de fala diretivos em contextos de familiaridade e proximidade por aprendizes de espanhol, com o intuito de verificar como os operadores pragmalingüísticos transmitem significados pragmáticos na língua materna dos aprendizes e na língua alvo, com a finalidade de garantir o sucesso do ato comunicativo, uma vez que esses aprendizes não se encontram imersos na cultura da língua alvo, que, nesta pesquisa, é a língua espanhola. Para contribuir com o ensino de espanhol como língua estrangeira, especificamente, com a elaboração de material didático, aplicou-se ás elocuções produzidas por aprendizes de espanhol a metodologia da Análise de Erros de Corder (1967), classificando os erros segundo a análise qualitativa de Taylor (1986) e a análise quantitativa de Lennon (1991). Utilizou-se um método experimental de coleta de dados: um exercício de preenchimento de lacuna, elaborado com base em tiras de Mafalda, nas quais as personagens interagem em contextos formais e informais. O emprego das tiras se justifica pela análise dos alinhamentos das personagens, dos enquadres interativos e das pistas de contextualização, em cada situação interacional, fundamentando-se na Sociolingüística Interacional. Legitimou-se a língua falada por elas pela comparação com elocuções realizadas por falantes nativos, as quais também operam como referência na análise das elocuções produzidas pelos aprendizes. Focalizaram-se os atos de fala diretivos descritos por Searle (1979), diretos e indiretos, e classificaram-se as produções dos informantes segundo as formas descritas na Gramática comunicativa del español de Matte Bom (2000), para pedir ações e dar ordens, pedir objetos, expressar desejos, aconselhar, sugerir, recomendar, ameaçar e incitar à ação. Da comparação entre os corpora, conclui-se que há, nas duas línguas, os mesmos recursos para expressão de ordens, embora existam diferenças nos marcadores pragmalingüísticos que operam a nível socio-pragmático. Observou-se que os aprendizes tendem a empregar, em com textos familiares e informais, o presente do subjuntivo na formação do imperativo. Acredita-se que esse fato ocorre devido à transferência do presente do subjuntivo correspondente a você, pronome de tratamento mais difundido no Brasil, que denota tanto familiaridade como distância. Na língua espanhola, o presente do subjuntivo tem valor pragmalingüístico correspondente ao pronome de tratamento

usted, de uso restrito a situações de formalidade e assimetria entre os

interlocutores. Desse modo, os aprendizes devem tomar consciência dessas diferenças para garantir um ato comunicativo bem sucedido.

(8)

ABSTRACT

The present study is about the production of directive speech acts in contexts of familiarity and proximity by students of Spanish, Brazilian Portuguese native speakers. The intention is to verify how pragmalinguistic markers transmit pragmatic content both in the students’ native language and target language, with the objective of fostering the success of the communicative act, since the students are not immersed in the community where the target language is spoken, Spanish, in this case. In order to contribute to the teaching of Spanish as a foreign language, specifically, with the creation of material for didactic use, Corder’s (1967) methodology of Error Analysis is applied. Errors are classified according to Taylor’s (1986) qualitative and Lennon’s (1991) quantitative analysis. An experimental method is used to collect data: a fill-in-the-blank exercise, prepared after Mafalda’s comic strips, where characters interact both in contexts of formality and informality. The use of such comic strips is justified by the analysis of the characters’ footing in various situations, their interactive frames and clues of contextualization, based on the principles of Interactional Sociolinguistics. The validity of the language spoken by the characters is confirmed by comparison with the correspondent directive act produced by Spanish native speakers, whose production also serves as a comparative bases for the production of Portuguese native speakers. Searle’s (1979) directive acts are on focus and are classified according to the

Gramática comunicativa del español by Francisco Matte Bon (2000),

specifically, asking someone to do something, giving orders, asking for objects, expressing wishes, advising, suggesting, recommending, threatening and encouraging an action. From the comparison between the two corpora it is concluded that there are basically the same resources in both the Portuguese and Spanish languages to express an “order”. However, there exists a difference in pragmalinguistic markers, operating on the socio-pragmatic level. Portuguese native speakers tend to use, in familiar and informal contexts, the subjunctive present tense for the production of imperatives. It is believed that this occurs because of linguistic transference form the students’ native language to the target language, corresponding to the use of the subjunctive present tense você, second person pronoun, which denotes proximity as well as distance between speakers. In Spanish, the subjunctive present tense has pragmalinguistic value corresponding to the third person pronoun, also corresponding to the formal usted. This form of treatment is restricted to situations of asymmetry and distance between speakers. Thus, it is necessary that students of Spanish grow aware of such differences in order to produce successful communicative acts.

(9)

LISTA DE QUADROS

QUADRO O1 Delimitação do escopo de estudo segundo as definições

em Calvo (1994). 34

QUADRO 02 Interpretação das formações discursivas em conflito a partir da análise de Mussalim (2000) que se refere à vinheta.

45

QUADRO 03 Interpretação das formações discursivas em conflito a

partir da análise de Mussalim (2000) mediante tiras. 48

QUADRO 04 Lista de Ocorrências em Mafalda. AP.C

QUADRO 05 Lista de Ocorrências: Falantes Nativos. AP.D QUADRO 06 Comparação entre o Quadro 04, APÉNDICE C, e o

Quadro 05, APÉNDICE D. 10

QUADRO 07 Lista de Ocorrências: Aprendizes Nível Inicial (L.E. I, II,

III) AP.E

QUADRO 08 Lista de Ocorrências: Aprendizes Nível Avançado (L.E. IV,

VI, VII, IX) AP.F

QUADRO 09 Comparação da Produção dos Falantes Nativos, APÊNDICE D, com a Produção dos Aprendizes, APÊNDICES E - F.

104

QUADRO 10 Taxonomia de Erros, segundo as Fontes de Erro de Taylor (1986).

120

QUADRO 11 Explicação dos Erros de Interferência. 127

QUADRO 12 Explicação dos Erros de Supergeneralização. 128 QUADRO 13 Explicação dos Erros por Desconhecimento das

Restrições das Regras. 129

QUADRO 14 Explicação dos Erros por Aplicação Incompleta de Regras. 131

QUADRO 15 Explicação dos Erros Discursivos. 132

QUADRO 16 Explicação dos Erros com Base em Hipóteses Falsas. 134 QUADRO 17 Explicação dos Erros Sociolingüísticos. 136

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A Nível Avançado A-A Adulto-Adulto A-C Adulto-Criança A.P. Apéndice C-A Criança-Adulto C-C Criança-Criança I Nível Inicial

L.E. Língua Espanhola

N° Número

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 O PARADIGMA DA LINGUISTICA DA COMUNICAÇÃO 19

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARADIGMA DA

COMUNICAÇÃO 30

2 OS QUATRO COMPONENTES DA COMPETÊNCIA

COMUNICATIVA 35

2.1 O MODELO DE CANALE E SWAIN 35

2.2 O MODELO DE BACHMAN 37

2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOIS MODELOS 38

3 MAFALDA NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO

DISCURSO E DA SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL 41

3.1 SOBRE A INTERAÇÃO EM MAFALDA 51

4 ALGUNS ASPETOS DO ENSINO DE ESPANHOL EM

INTERFACE COM O PORTUGUÊS 68

4.1 A PROXIMIDADE DO ESPANHOL COM O PORTUGUÊS 68

4.2 O ENSINO DE ESPANHOL E PORTUGUÊS PARA

ESTRANGEIROS 70

5 METODOLOGIA 76

5.1 O SURGIMENTO DA ANÁLISE DE ERROS 78

5.1.1 Procedimentos para a realização de uma análise de

erros 79

5.1.1.1 A coleta de dados 79

5.1.1.2 A identificação dos erros 81

5.1.1.3 A descrição dos erros 83

5.1.1.4 A explicação dos erros 84

5.1.1.5 A avaliação dos erros 87

5.2 AS LIMITAÇÕES DA ANÁLISE DE ERROS 90

5.3 O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO, DA IDENTIFICAÇÃO E DA

DISTINÇÃO DOS ERROS 92

6 OS CORPORA 97

6.1 ANÁLISE DOS DADOS 99

6.2 A identificação dos erros 99

6.2.1 As ocorrências do espanhol platino 100

6.2.2 As ocorrências em espanhol platino e português, vertente

brasileira 103

6.2.3 A definição de erro 116

6.3 A descrição dos erros 118

6.4 A explicação dos erros 124

6.4.1 Erros de interferência 125

6.4.2 Erros intralinguais 127

(12)

6.4.2.2 Erros por desconhecimento das restrições das regras 128 6.4.2.3 Erros por aplicação incompleta de regras 130

6.4.2.4 Erros discursivos 132

6.4.3 Erros desenvolvimentais 133

6.4.3.1 Erros com base em hipóteses falsas 134

6.4.3.2 Erros sociolingüísticos 135

6.4.3.3 Erros epistêmicos 136

6.5 Considerações sobre o uso do presente do subjuntivo

na formulação de mandatos em situações interacionais no cenário “residência” com

alinhamentos “pai-filha”, “mãe-filha” e “criança-criança”

137

6.5.1 O presente do subjuntivo em espanhol e português 140

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 144

REFERÊNCIAS 149

APÉNDICES 158

Exercício de Preenchimento de Lacuna Aplicado a Jovens

Argentinos da Universidad Nacional de La Plata AP. A Exercício de Preenchimento de Lacuna Aplicado a Jovens

Brasileiros da Universidade Federal da Bahia e das Faculdades Jorge Amado

AP. B

Lista de ocorrências: Mafalda AP. C

Lista de ocorrências: Falantes Nativos AP. D

Lista de ocorrências: Aprendizes do Nível Inicial AP. E Lista de ocorrências: Aprendizes do Nível Avançado AP. F

(13)

INTRODUÇÃO

Como é constrangedor ser mal interpretado!

Em dezembro de 1998, cheguei à cidade de Salvador. Natural da Argentina, onde as pessoas são reservadas e só se abrem após um ritual de apresentações e referências, me encantei com a alegria, a generosidade e a informalidade das pessoas, com quem comecei a interagir. Ofereceram-me tudo quanto estava a sua disposição. Mas, com o tempo, tornaram a manifestar todo tipo de expectativas: solicitavam dinheiro, o carro, aulas particulares de inglês ou espanhol, traduções de textos científicos, enfim, favores que demandavam grande atenção e responsabilidade, requeridos de forma mais ou menos imperativa. Fiquei com a impressão de que se pedia com leveza demais; senti-me até invadida na minha privacidade.

Existe o ditado em espanhol que diz: Favor con favor se paga. Mas a noção de agradecimento não implica que se deva pedir algo em compensação pelo favor recebido, pois se percebe nesse fato uma atitude gananciosa. É avaliada dessa forma, também, a pessoa que pede muito e quem não faz referência ao inconveniente que pode estar causando. Assim, por desconhecimento das regras de interação social, eu interpretei mal as atitudes de diversas pessoas e essas atitudes me chocaram, por estarem contrapostas com os costumes do meu grupo social.

Eu tinha recebido muito, é claro, mas não consegui entender, nesse momento, que ao aceitar a solidariedade das pessoas, aceitava também o compromisso irrecusável de atender as suas solicitações, manifestas

(14)

imediatamente. É importante ressaltar que eram elas que tinham se colocado a minha disposição, em primeiro lugar, mas, para meu olhar estrangeiro, pareciam estar cobrando tamanha gentileza. Muitas vezes, recusava seus favores, por não serem necessários para mim, e incorria num erro pragmático terrível por desrespeitar o implícito Você não sabe com quem

está falando? Pelo desacato, fui acusada de metida e de ter um certo ar de

superioridade. Porém, nunca antes tinha sido avaliada dessa forma. Jamais tinha sido considerada uma pessoa soberba pelo meu grupo social e familiar. Depois soube também do implícito: Quem tem, tem que dar a quem não tem, prática social aparentemente estabelecida por motivos histórico-sociais e raciais. Foi assim que também recebi o estigma de ingrata e pouco solidária e fiquei profundamente constrangida. Um fracasso pragmático absoluto!

Enquanto me defrontava com os questionamentos do processo de adaptação em uma sociedade diferente, cursava disciplinas como aluna especial no Instituto de Letras da UFBA, me preparando para o exame de ingresso ao Curso de Pós-Graduação e, simultaneamente, dando aulas de espanhol para um Instituto de ensino livre. Em uma parte do livro de textos utilizado nas aulas, apresentavam-se as solicitações seguintes como equivalentes do ponto de vista pragmático:

1) ¿Puede usted atendeme, por favor?, em espanhol peninsular, e 2) ¿Puede ser tan amable de atenderme?, na variante mexicana.

Ao recorrer a minha competência pragmática nativa, considerei raro, em espanhol platino, formular um pedido com cortesia marcada e, ainda, utilizando o pronome, formal, de segunda pessoa: usted. Com tais marcadores e com a entonação apropriada, essas perguntas indicariam uma

(15)

certa insatisfação ou impaciência com o interlocutor. De fato, como indica Carricarburo (1997), o argentino parece, perante falantes hispano-americanos, pouco cortês e muito informal. Desse modo, confirmando minha intuição de falante nativa, percebo que existe a tendência, entre os jovens, de formular pedidos e perguntas, utilizando o pronome de segunda pessoa,

vos, sem cortesia marcada (discúlpeme, por favor...). Hoje, o uso de usted no

espanhol platino não só marginaliza socialmente, mostrando que a pessoa não tem intimidade com aquele grupo, senão taxa esse falante como maior ou idoso. Carricarburo explica que o eixo da solidariedade cresceu sobre o eixo do poder, fazendo com que as distâncias sociais e psicológicas se encurtassem.

Contrariamente, como descreve um cartaz que descobri no interior de um ônibus: “Fale mais Bom Dia, Por favor, Desculpe, Obrigado, Gentileza nunca é demais!”, a impressão que deixaram minhas tribulações pragmáticas é de um povo baiano pouco cortês e pouco formal, sujeito a implícitos determinados pelo grau de autoridade, segundo seu posicionamento familiar ou social.

Assim, do confronto entre as regras pragmáticas do grupo ao qual pertenço com as da comunidade na qual pretendo me inserir, e com os primeiros passos no ensino da minha língua mãe, surgiu o interesse por pesquisar as possíveis instâncias de interação social, nas quais se produz um evento comunicativo mal sucedido, quando as duas línguas entram em contato.

O conceito de competência comunicativa constitui o centro da fundamentação teórica deste trabalho, pois contempla as distintas

(16)

competências que o falante nativo possui e que o aluno de línguas deve aprender. Então, o primeiro passo da pesquisa foi em direção da evolução dos conceitos chomskianos de competence e performance.

Conseqüentemente, no primeiro capítulo, relatam-se algumas das diferenças entre o paradigma estrutural-gerativista e o paradigma da lingüística da comunicação, sem deixar de mencionar os pesquisadores e suas contribuições que, de distintas áreas das ciências humanas, possibilitaram o surgimento da noção de competência comunicativa. São essas teorias que constituem a base para a análise das tiras de Mafalda.

No segundo capítulo, descrevem-se as quatro competências que os aprendizes têm que desenvolver para interagir na cultura, cuja língua estão aprendendo. Mencionam-se dois modelos descritivos, a saber: o modelo de Canale e Swain e o modelo de Lyle Bachman. Nas considerações finais sobre esses dois modelos, explica-se por que se prefere o termo competência

socio-pragmática, antes de competência sociolíngüística (CANALE; SWAIN,

1980) ou competência pragmática (BACHMAN, 1990).

No terceiro capítulo, realiza-se uma análise exaustiva das tiras de

Mafalda. O enfoque da análise parte, por um lado, do conceito de formações discursivas (FOUCAULT, 1971) e, por outro, das noções de enquadre interacional e esquema de conhecimento (TANNEN; WALLAT, 1998), pistas de contextualização (GUMPERZ, 1998) e footing ou alinhamento

(GOFFMAN, 1998), para argumentar porque se considera Mafalda relevante para o desenvolvimento da competência socio-pragmática dos aprendizes de espanhol.

(17)

No quarto capítulo, torna-se necessário descrever, na medida do possível, a situação do ensino de Espanhol no Brasil. Na verdade, as publicações sobre o aprendizado dessa língua, interface com o português, são muito difíceis de conseguir, pois as livrarias não contam com elas no seu estoque, nem no catálogo; além disso, os trabalhos feitos se restringem às universidades, onde foram produzidos, cujo acesso depende da política de divulgação de cada órgão.

No quinto capítulo, faz-se referência à necessidade da adoção de um enfoque comunicativo nas aulas de espanhol, com ênfase na aproximação dos aprendizes, no que diz respeito às diferenças culturais entre sua língua materna e a língua alvo. Ainda nesse capítulo, fundamentam-se os recortes lingüísticos para observação na presente pesquisa. Descreve-se, minuciosamente, a metodologia da Análise de Erros, proposta por Pit Corder (1967), e suas subseqüentes revisões; e se discutem as contribuições de Lennon (1991) sobre os problemas na definição, identificação e distinção dos erros. Nesse capítulo, ainda se apresenta a metodologia utilizada na coleta e na análise dos dados escritos por alunos dos níveis elementar e avançado dos Programas de Letras com Espanhol, em duas instituições educativas de Salvador: a Universidade Federal da Bahia e as Faculdades Jorge Amado. Apresentam-se, então, os resultados obtidos pela análise dois corpora da pesquisa, com vistas à elaboração de material didático que, com o aproveitamento de material autêntico, contribua com o aprimoramento da competência socio-pragmática, conscientizando os aprendizes da importância das sinalizações lingüísticas, prosódicas e discursivas na interação face a face.

(18)

Nas Considerações Finais, observam-se as conclusões sobre os resultados da análise de erros dos aprendizes de espanhol, com relação às características de Mafalda discutidas no terceiro capítulo.

(19)

1 O PARADIGMA DA LINGÜÍSTICA DA COMUNICAÇÃO

O termo langue foi utilizado por Saussure, no Curs de linguistique

générale em 1916 (2000), e o termo competence foi utilizado por Chomsky,

no Aspects of the theory of sintax, em 1975 (1978) para se referir ao objeto de estudo da lingüística. A langue de Saussure (2000) é definida como “um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSURE, 2000, p.17). Competence é o conhecimento lingüístico que o falante-ouvinte-ideal possui da sua língua particular. A competência lingüística se concretiza num conjunto de unidades e de regras que permitem construir e compreender todas as orações gramaticais de um idioma. Por isso, a competência é sistemática, regular, formalizável. Chomsky (1978) também parte de uma hipótese de homogeneidade: a competência é comum e idêntica em todos os falantes de uma mesma comunidade lingüística. Assim, segundo o paradigma estrutural-gerativista, ficam fora da língua, ou da competência lingüística, a fala e o desempenho, entendidos como a variação, o individual, o contextual, o ocasional.

A partir da década de 1960, se inicia um movimento que substitui o paradigma estrutural-gerativista. Porém, os novos conhecimentos não anulam as teorias precedentes, mas bem as expandem de modo mais amplo. As contribuições da concepção filosófica da língua como ação, os avanços em análise do discurso, a análise da conversação, o estudo da etnografia da fala

(20)

e outros estudos sobre o uso da linguagem põem em relevo a performance chomskiana e constituem o paradigma da Lingüística da Comunicação.

Seu desenvolvimento deu à luz novas disciplinas, que iriam fazer contribuições decisivas sobre o fenômeno comunicativo. A Sociolingüística demonstrou que tanto a hipótese da homogeneidade era falsa, como era possível apreender e explicar, com método científico, o fenômeno da variação. A Psicolingüística estabeleceu leis para explicar os processos de produção, compreensão, memorização, de aprendizagem e aquisição. A Etnolingüística mostrou que conhecer uma língua também é assinalar uma forma de ver o mundo e de participar de uma cultura. A Semiótica sublinhou a importância dentro da Lingüística de outros códigos, como o gestual, o proxémico e o icônico. A Pragmática buscou explicação para a enunciação, a referência, a dimensão factual da linguagem, para os implícitos e a argumentação. Como conseqüência desses avanços, para abarcar o novo objeto da Lingüística, se procurou uma definição mais próxima da realidade, com as possibilidades descritivas e explicativas das ciências da linguagem.

Dentro das contribuições, no âmbito da Antropologia e da Sociologia, cabe destacar os pesquisadores Dell Hymes e Erving Goffman. Por um lado, Dell Hymes (1991), no seu artigo On Communicative Competence, estabelece o conceito de competência comunicativa, apontando o significado referencial e social da linguagem. Considera que a Lingüística não só deve se ocupar da estrutura da linguagem, mas também, das regras da fala, dando conta das formas em que os falantes associam distintos modos de falar, tópicos ou tipos de mensagens, com cenários particulares e atividades. A importância das regras de fala se sublinha nas palavras seguintes:

(21)

There are rules of use without which the rules of grammar would be useless. Just as rules of sintax can control aspects of fonology, and just as semantic rules perhaps control aspects of sintax, so rules of speech acts enter as a controlling factor for linguistic form as a whole [...] (HYMES, 1991, p. 15).1

O termo proposto por D. Hymes é um conceito que tem uma grande força como ferramenta organizadora das ciências sociais e é utilizado com grande freqüência na Lingüística e na Psicolingüística, especialmente, com relação à aquisição da primeira e da segunda língua. A competência

comunicativa corresponde à extensão do conceito chomskiano de

“competência lingüística”, porque inclui a capacidade ou habilidade de utilizar as regras interacionais e discursivas na comunicação. Também representa a reformulação qualitativa do seu significado e uma mudança de perspectiva, em toda a concepção da linguagem, e representa a passagem da lingüística teórica à aplicada, da microlingüística à macrolingüística, do paradigma gerativo a um novo paradigma, isto é, o paradigma do texto, do discurso e da pragmática.

Por outro lado, Erving Goffman (1998), no seu artigo A Situação

Negligenciada, pede a lingüistas, sociolingüistas, antropólogos e sociólogos

que observem um fenômeno pouco estudado até o momento: a situação social, destacando a fala como centro de atenção. Então, esse estudioso propõe o seguinte problema:

Um estudioso interessado nas propriedades da fala pode se ver obrigado a olhar para o cenário físico, no qual o falante executa seus gestos, simplesmente porque não se pode descrever completamente um gesto sem fazer referência ao ambiente extra-corpóreo no qual ele ocorre. E alguém

1 “Há regras de uso sem as quais as regras gramaticais resultariam inúteis. Do mesmo modo que as regras sintáticas podem controlar aspectos da fonologia e as regras semânticas podem talvez controlar aspectos da sintaxe, as regras dos atos de fala atuam como fatores que controlam a forma lingüística na sua totalidade” (a tradução é da autora desta tese).

(22)

interessado nos correlatos lingüísticos da estrutura social pode acabar descobrindo que precisa se voltar para a ocasião social, toda vez que um indivíduo possuidor de certos atributos sociais se fizer presente diante dos outros. Ambos os estudiosos precisam, portanto, olhar para o que chamamos vagamente de situação social. E é isto que tem sido negligenciado

(GOFFMAN, 1998, p. 13).

É dessa forma que E. Goffman convida os pesquisadores a examinar a situação social como local de pesquisa. Tal estudo pressupõe um arcabouço teórico bem mais vasto, que é do interesse da Sociolingüística Interacional, importante tradição de pesquisa em Análise do Discurso, que se dedica a observar o uso da fala em contextos sociais específicos. Então, considera a natureza sutil e indireta das mensagens, a posição do interlocutor, a partir do contexto interacional, a complexidade de qualquer tipo de encontro face a face, e indaga onde se situa o contexto de fala. Os trabalhos desenvolvidos nessa área variam segundo o interesse do pesquisador, que pode dar maior ou menor ênfase ao fenômeno lingüístico ou ao fenômeno interacional. Porém, as análises que caracterizam essa tradição cooperam também na construção do evento comunicativo, seguindo as orientações iniciais de Dell Hymes, e marcam a pesquisa na análise do discurso oral.

Dentro dessa tradição, destacam-se, entre outros, os estudos do próprio Erving Goffman sobre a situação comunicativa e o conceito de footing, datados de 1964 e 1979 respectivamente2. Ele introduz o conceito de

footing na interação face a face e redefine o papel do falante e ouvinte em

uma situação comunicativa concreta. Entende-se por footing o alinhamento, a postura, a posição ou projeção do eu de um participante na sua relação

2 Nesta tese se faz referência às traduções desses artigos, datada de 1998, contidas no livro

(23)

com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção. John J. Gumperz (1998) define as convenções ou pistas de contextualização que evidenciam a intencionalidade do falante e guiam o interlocutor na inferência dessas intenções. As pistas de contextualização podem ser: a) lingüísticas, como alternância do código, de idioleto ou de estilo; b) paralingüísticas, como o valor das pausas, o tempo de fala, as hesitações; e c) prosódicas, como a entoação, o acento e o tom. Também existem pistas não vocais, como o direcionamento do olhar, o distanciamento entre os interlocutores, suas posturas e seus gestos, entre outras. Deborah Tannen e Cynthia Wallat (1998) estabelecem a diferença entre os enquadres interativos e os esquemas de conhecimento operados pelos falantes, em situação comunicativa. Os termos enquadre e esquema podem ser entendidos indistintamente como estruturas de expectativas. As autoras preferem, porém, a diferenciação entre duas estruturas de expectativas: o termo enquadre é aplicado com referência à noção antropológica e sociológica de enquadre interpretativo de interação; e o termo esquema, com referência à noção de esquemas de conhecimento da Psicologia e da Inteligência Artificial.

Já no âmbito da Filosofia da Linguagem, cabe destacar as contribuições de J. L. Austin3, no que diz respeito aos atos de fala e a sua taxonomia; de J. R. Searle4, quanto a sua discussão e reformulação; e de P. Grice5, quanto à proposta do princípio de cooperação e às máximas conversacionais.

3 Ver AUSTIN, J.L. (1990) 4 Ver SEARLE , J. R. (1979)

(24)

Os filósofos analisam a linguagem comum e partem da dimensão factual da linguagem, reconhecida de longa data, por exemplo, como a diferenciação entre ação verbal e ato verbal, já feita por Bühler (1961).

Austin (1990), em sua obra Quando dizer é fazer, trata o problema das relações entre enunciados descritivos ou asserções susceptíveis de uma valoração, em termos de verdade ou falsidade, e enunciados não descritivos, aos quais se assina uma valoração de felicidade. Por exemplo, “O gato está no tapete” é uma asserção, mas “Peço perdão” é um enunciado performativo, pois, com sua enunciação, o falante não só diz, senão faz alguma coisa: cumpre um ato de arrependimento, no caso, que não se pode avaliar como verdadeiro ou falso, porém pode resultar em algo que se conseguiu mais ou menos. Austin demonstra que essa oposição pode ser superada se o ato lingüístico for considerado como unidade de análise da linguagem.

Quando dizer é fazer contém a tese em que o filósofo expõe a

teorização sobre os usos da linguagem. Austin (1990) se pergunta sobre o que significa “dizer alguma coisa” e conclui que equivale a realizar três atos simultâneos: um ato locutório, um ato ilocutório e um ato perlocutório. O ato locutório se constitui na produção de sons (ato fonético), organizados em palavras com estrutura sintática (ato fático), tendo condições de expressar um sentido e uma referência (ato rético). Assim, “dizer alguma coisa” consiste em realizar um ato locutório analisável nos três atos descritos acima.

Ainda “dizer alguma coisa” também equivale a usar a linguagem, porém Austin (1990) considera a caracterização de uso insuficiente para dar conta do que acontece na comunicação. As palavras utilizadas - no ato

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locutório - se explicam através do contexto, dependendo do modo como são usadas. A execução de um ato de fala precisa da especificação da força com a qual o falante quer que o interlocutor perceba as palavras. Esse ato se denomina ilocutório e sua força se manifesta com um verbo, denominado performativo, expresso na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, por exemplo, “eu prometo”, “eu ordeno”, “eu afirmo”. O ato ilocutório é, por sua vez, um ato parcial, distinto do terceiro tipo de ato, denominado perlocutório, no qual se manifesta a atividade da fala. Esse terceiro ato indica os efeitos causados sobre os sentimentos, pensamentos e ações de quem ouve. Então, “ordenar, prometer, advertir, ameaçar” são exemplos de atos ilocutórios, mas “persuadir, perturbar, obstaculizar, dissuadir” são perlocuções.

A elaboração de uma nova teoria do significado requer uma lista de verbos performativos capazes de explicitar as possíveis forças dos enunciados. A força de um enunciado não se deve expressar unicamente mediante um performativo explícito, pois o modo, a prosódia, os vários tipos de advérbios e os mesmos gestos podem ser interpretados contextualmente e contribuir com a definição do modo em que um enunciado deve ser entendido.

Austin (1990) especifica muitos verbos na língua inglesa e os reagrupa em cinco classes: veridictivos, exercitivos, comissivos, comportamentais e expositivos.

Os sucessivos desenvolvimentos na teoria dos atos lingüísticos partem de estudos americanos. Em 1969, J. R. Searle publica Os atos lingüísticos como ensaio de Filosofia da Linguagem. Sua caracterização dos atos de fala é

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essencialmente lingüística. Ele considera o ato ilocutório como base da comunicação lingüística e enumera as condições necessárias e suficientes para a realização desses atos, mediante regras que pertencem à “competência lingüística” dos falantes. Searle (1979) reelabora o esquema do ato lingüístico de Austin e propõe uma taxonomia alternativa dos atos ilocutórios:

(i) Representativos: caracterizam-se pela finalidade ilocutória que compromete o falante a expressar a verdade da proposição enunciada. Assim, todos os membros dessa classe podem ser valorados em função da sua verdade ou falsidade. Formam parte desse grupo as asserções, constatações, explicações, classificações, descrições e os diagnósticos.

(ii) Diretivos: sua finalidade ilocutória consiste em provocar a atuação do interlocutor. Seu conteúdo é sempre uma ação futura. Pertencem a essa classe o mandato, a solicitação, a pergunta, o convite e o conselho.

(iii) Comissivos: correspondem à definição austiniana, ainda que alguns membros sejam omitidos. Comprometem o falante com uma ação futura. Entre esses atos se encontram os verbos prometer, jurar,

ameaçar, oferecer.

(iv) Expressivos: a finalidade ilocutória desses atos coincide com a expressão do estado psicológico relativo ao conteúdo proposicional. Pertencem a esse grupo verbos como agradecer, felicitar, lamentar,

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(v) Declarativos: a execução de um ato desse tipo determina a correspondência entre o conteúdo proposicional e um estado do mundo. Pertencem a esse tipo de ato verbos como casar, declarar

guerra, nomear, despedir, deixar herança. A condição de

sinceridade não subsiste, pois se substitui pela referência em um sistema normativo extralingüístico, seja do Direito, da Igreja, do Estado ou da Legislação privada. O conteúdo proposicional pode variar.

Para Papi (1996), o interesse na proposta do filósofo americano reside na possibilidade que oferece de estudar os atos de fala de um ponto de vista sintático, tentando estabelecer uma correspondência entre as diferenças que surgem da aplicação dos diversos critérios de finalidade ilocutória, condição de sinceridade, adaptação entre palavra e mundo e as estruturas sintáticas profundas dos enunciados performativos de cada classe. Segundo a lingüista italiana, resulta evidente e comprovado, pela prática comunicativa, que os enunciados são compreendidos através das modalidades expressas, dependentes, por sua vez, da valoração do impacto que os próprios enunciados exercem sobre o contexto e sobre o interlocutor, em termos de elocução e perlocução. Porém, é difícil estabelecer a quais componentes estruturais se devem relacionar os distintos resultados interpretativos. Isso acontece, sobretudo, quando o enunciado não expressa diretamente a própria força ilocutória, como no caso dos denominados atos lingüísticos

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Um enunciado como Te aconselho que não tente pode atuar, em determinado contexto, como um conselho, mas, nas circunstâncias apropriadas, pode assumir a força de uma ordem ou de uma ameaça. Similarmente, um enunciado como É tarde, dirigido para uma criança pela noite, não atua como uma simples asserção ou constatação, senão como uma expressão indireta do ato lingüístico de conselho ou ordem para dormir. Mas, quais são os elementos da estrutura responsáveis por essas interpretações? E, como deve a teoria dar conta disso?

Uma primeira hipótese estabelece que os enunciados possuem uma força literal intrínseca e especificável, através da sua gramática, e uma força indireta que deve ser inferida contextualmente. Existe uma correspondência entre forma e força da frase, pela qual os três tipos principais - interrogativo, afirmativo e imperativo - se associam respectivamente a um performativo de pergunta, asserção e ordem (ou solicitação). Não obstante, no maior número dos casos, os enunciados não têm, no contexto, a força literal que a sua gramática lhes concede em abstrato. Por outro lado, uma mesma elocução pode ser expressa por uma ampla variedade de formas, como por exemplo, para expressar uma solicitação:

Me empreste seu carro, vai!

Não me empresta seu carro, não?

Você pode me emprestar seu carro?

Você poderia me emprestar seu carro?

Eu gostaria que me emprestasse seu carro.

Você se importaria se peço seu carro emprestado?

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Me sinto envergonhado de ter que pedir seu carro emprestado.

Eu ficaria muito grato se você me emprestasse seu carro.

Você faz um favor para mim? Me empresta seu carro? (etc.)

Searle (1975) propõe atribuir uma força literal aos enunciados e realizar a análise das forças indiretas, a partir de inferências contextuais, conforme o princípio de cooperação de Grice (1982).

Finalmente, H. P. Grice (1982), em seu artigo Lógica e conversação, elabora um princípio geral denominado Princípio de Cooperação, expresso nos termos seguintes: Faça sua contribuição conversacional tal como é

requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado (GRICE, 1982, p. 86).

Esse princípio se articula com quatro sub-princípios ou máximas qualificadas, em termos de quantidade, qualidade, relação e modo:

Máxima de quantidade

1. Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido (para o propósito corrente da conversação).

2. Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.

Máxima de qualidade

Trate de fazer uma contribuição que seja verdadeira. 1. Não diga o que você acredita ser falso.

2. Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada.

Máxima de relação 1. Seja relevante. Máxima de modo Seja claro.

1. Evite obscuridade de expressão. 2. Evite ambigüidades.

3. Seja breve (evite prolixidade desnecessária). Seja ordenado (GRICE, 1982, p. 86).

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Para Calvo (1994), as máximas não devem ser consideradas códigos de uma lei estrita, mas sim, princípios reguladores que podem ser aplicados com certo grau de liberdade, originando implicaturas, termo utilizado por Grice, de uma forma gradual, a depender da lucidez ou perspicácia do interlocutor. Ou seja, quando se tenta dar sentido a um enunciado que, em determinado contexto, não se possa interpretar literalmente, a interpretação se orienta, a partir de uma série de características básicas: o enunciado deve ser pertinente, informativo, verdadeiro ou deve respeitar os outros preceitos das máximas. O significado que se obtém, a implicatura, resulta da adesão ao princípio de cooperação, entendido como guia da interação verbal entre interlocutores.

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO

Martins (2002) compara os escopo da sociolingüística interacional com o escopo dos modelos descritivos de Austin, Searle e Grice, em quanto à forma em que descrevem a produção lingüística e social do significado. A sócio-lingüística interacional analisa o conhecimento sócio-cultural-cognitivo que se constrói e expressa na interação face a face. Tal conhecimento compreende a interpretação sobre a situação comunicativa, os papéis desempenhados e os enunciados produzidos pelos participantes. Esta tradição de análise aponta para desvendar quão bem sucedida é a comunicação e como este sucesso está relacionado ao conhecimento

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sociolingüístico. Assim, se concentra na forma em que os membros de uma comunidade identificam os eventos de fala, como o input social varia no curso da interação e como o conhecimento social produz a interpretação das mensagens. O significado é construído, portanto, por um processo de sinais lingüísticos e não lingüísticos ancorados no contexto. Grice, por outro lado, desenvolveu um modelo de significado baseado na noção de cooperação e nos mecanismos racionais de dedução de significados. Searle, a partir dos estudos de Austin, aprofundou a teoria dos atos de fala, que parte do princípio que a função da língua é executar ações tais como “pedidos”, focalizando as formas pelas quais significado e ação são desenvolvidos através da língua.

Martins observa que os estudos de Goffman e Bateson, representantes da sociolingüística interacional, pretendem formular uma perspectiva a respeito da organização da experiência social, na qual se inclui a comunicação via língua. Destaca a contribuição desses autores para a construção de uma perspectiva sócio-interacional do discurso. Entretanto, os estudos de Grice e Searle não podem ser definidos como teóricos do discurso, mas como filósofos da linguagem interessados na questão do significado dos enunciados lingüísticos.

Em síntese,

“podemos resumir as teorias de Grice e Searle em termos de três limites: a visão reificada do contexto, a perspectiva harmoniosa da comunicação, e a visão idealizada e estável do significado literal. A sociolingüística interacional, por sua vez, parte da necessidade de uma análise empírica do contexto significativo aos participantes, não faz a equivalência entre interação e harmonía e busca analisar o significado, inclusive o literal, como uma construção sócio-cultural”. (Martins 2002)

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Conclui que a fronteira entre a pragmática griceana e a sócio-lingüística interacional não é clara nem definida, pois muitas das concepções incorporadas pelos dois campos são comuns, a saber, as noções de contexto, comunicação e significado. Não obstante, colocam o problema da indeterminação como problema teórico relevante na descrição dos processos inerentes à interação, ao discurso e ao uso da língua.

Em decorrência dessas considerações, em primeiro lugar, é preciso destacar a interdisciplinaridade do paradigma da comunicação, produto das inúmeras contribuições de diversas áreas do conhecimento, tais como, a Filosofia da Linguagem e a Pragmática, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Semiótica, a Etnolingüística, entre outras, que resultaram na sua definição e no estudo, ao longo das décadas de 1960 a 1980.

Em segundo lugar, cabe ressaltar também que o conceito de

competência comunicativa teve um grande impulso, na área do ensino de

segundas línguas, associado ao enfoque comunicativo. Então, o estudante de línguas necessita desenvolver sua competência comunicativa, a qual pressupõe a “competência lingüística”. A pesquisa e a aplicação dos avanços nessa área têm lugar, majoritariamente, no ensino e na avaliação de inglês como segunda língua. Porém, ainda há muito por fazer, no que diz respeito ao ensino de espanhol como segunda língua.

Em terceiro lugar, esse caráter interdisciplinar perpassa a elaboração do presente trabalho, que se embasa nas contribuições teóricas dos pesquisadores descritos acima. Assim sendo, parte-se da análise do contexto situacional, enquanto “enquadres”, esquemas de conhecimento e pistas de contextualização, em uma história em quadrinhos - Mafalda -, considerada

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representativa do modelo de interação social, para antecipar possíveis erros socio-pragmáticos em aprendizes de espanhol.

Para Martins (2002) o termo sócio-pragmática abrange as abordagens que vão da análise da conversa etnometodológica, a pragmática (de Grice), a teoria dos atos de fala (de Austin e Searle), a sociolingüística variacionista, a etnografia da comunicação e a sociolingüística interacional. Por isso, se considera apropriado enquadrar o presente estudo dentro da sócio-pragmática, pois se aplicam conceitos da teoría dos atos de fala, da pragmática e da sociolingüística interacional. Além do mais, é uma das habilidades, descritas por Blum Kulka (1992), sobre o que os alunos de línguas devem desenvolver no que diz respeito à sua competência pragmática.

Desse modo, em suma, entende-se que a competência comunicativa dos falantes comporta tanto o conhecimento prévio das regras de conduta como as máximas conversacionais (GRICE, 1982) e sua instrumentalização intralingüística. Essas máximas supõem um acordo social mútuo, prévio à interação, que determina como se realiza um ato comunicativo bem sucedido. O fundamento teórico do estudo fica assim delimitado, como demonstra o quadro que se segue:

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Contexto Fenômenos pragmático-lingüísticos gramaticalizáveis

Fenômenos gramaticais propriamente ditos

No contexto social, os fenômenos pragmáticos estão regidos por leis sociais, que regem a maioria das condutas lingüísticas do homem. As leis do contexto social são conotativas e particulares e só são previsíveis socio-pragmaticamente, como cortesia ou descortesia, hierarquia ou igualdade, relevância ou irrelevância social, por exemplo, além de depender de um aprendizado intensivo dos parâmetros sociais, para que possam ser dominadas, de forma aceitável, pelos falantes.

Elementos factuais que aparecem em relação ao contexto social e comportam as implicações ou máximas, as funções da linguagem e, os atos de fala, subsidiariamente. Em relação ao contexto social e individual, por exemplo, a organização modal da enunciação e outros elementos lingüísticos e paralingüísticos adquirem valor pragmático.

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2 OS QUATRO COMPONENTES DA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

O impacto do conceito de competência comunicativa foi muito importante na aquisição e no ensino das segundas línguas, por estar relacionado com a abordagem comunicativa. Não obstante, não existe uma visão unitária desse conceito ou das habilidades subjacentes. Os modelos mais destacados são os de Canale e Swain e o de Lyle Bachman.

2.1 O MODELO DE CANALE E SWAIN

O modelo de Canale e Swain (1980) é, geralmente, o mais citado na descrição da competência comunicativa. Para eles, a competência

comunicativa consta de quatro áreas de conhecimento e habilidade: a

competência gramatical, a competência sociolingüística, a competência discursiva e a competência estratégica, como pode ser visto a seguir:

 A competência gramatical implica a capacidade de produzir e compreender, com precisão, o significado literal das enunciações, o que pressupõe o domínio do código lingüístico, verbal e não-verbal.

 A competência sociolingüística aponta para a capacidade de transmitir e compreender elocuções, apropriadamente, em distintos contextos sociolingüísticos, segundo fatores contextuais como o status dos participantes, ou o propósito, as normas e as convenções da interação. A

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propriedade das elocuções diferencia entre propriedade de significado e de forma. A propriedade de significado refere-se ao grau em que as funções comunicativas (por exemplo, ordenar, queixar-se, ou convidar), atitudes (de cortesia e formalidade, por exemplo) e idéias são consideradas apropriadas numa situação dada. A propriedade de forma refere-se à medida que o significado dado (como funções comunicativas, atitudes e proposições ou idéias) é representado de forma verbal ou não-verbal, considerada apropriada, num contexto sociolingüístico dado. Essa noção de propriedade de forma inclui a competência interacional, que comporta a propriedade cinética e proxémica, também.

 A competência discursiva implica a habilidade de combinar formas gramaticais e significado, para obter um texto oral ou escrito, unificado em distintos gêneros, como uma narração oral ou escrita, um ensaio argumentativo, um relatório científico, uma carta comercial, ou um grupo de instruções. A unidade do texto se atinge mediante a coesão de forma (com a articulação estrutural das formas para permitir a interpretação do texto) e a coerência de significado (com o relacionamento dos distintos significados dentro do texto, incluindo significados literais, funções comunicativas ou atitudes).

 A competência estratégica supõe fazer uso de um conjunto de estratégias verbais e não-verbais, tanto para resolver as dificuldades na comunicação, seja pelas condições desfavoráveis na comunicação real, seja pela competência insuficiente em uma ou mais áreas da competência comunicativa, como também para ressaltar a efetividade da comunicação.

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2.2 O MODELO DE BACHMAN

O modelo de Bachman (1990) provém da área da avaliação de línguas e separa a habilidade lingüística comunicativa em duas: a competência organizativa e a competência pragmática. A competência organizativa inclui as habilidades, relativas à estrutura formal da língua, que permitem produzir e reconhecer frases gramaticalmente corretas, incluindo seu conteúdo proposicional e ordenando-as na forma de textos. Essas habilidades são de dois tipos: a competência gramatical, que inclui a competência do uso lingüístico e é similar à noção de competência gramatical de Canale e Swain (1980); e a competência textual, que inclui o conhecimento das convenções para unir os enunciados em um texto, componente similar à competência discursiva desses mesmos estudiosos.

A competência pragmática desenvolve um aspecto importante para o uso comunicativo da língua: as relações entre os signos e os referentes, por um lado, e entre os usuários da língua e o contexto, por outro. São essas relações que irão se constituir em competência ilocutória e competência sociolingüística. A primeira implica a análise das condições pragmáticas, que determinam se um enunciado é aceitável ou não, e se refere à relação entre as elocuções e os atos ou funções que os falantes tentam realizar. A segunda se refere à caracterização das condições que determinam quais enunciados são apropriados em determinadas situações, apontando para as características do contexto de uso da língua. Essa última competência é

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similar ao conceito de competência sociolingüística de Canale e Swain (1980).

Além da competência organizativa e pragmática, Bachman também define a competência estratégica, mas, diferentemente de Canale e Swain (1980), ele tenta descrever os mecanismos pelos quais a competência estratégica opera, incluindo três componentes: valoração, planificação e execução.

2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DOIS MODELOS

Dos modelos descritos acima se depreende que existe uma diferença importante entre a competência pragmática de Bachman (1990) e a competência sociolingüística de Canale e Swain (1980). A primeira se refere à relação entre as elocuções e os atos ou funções que os falantes tentam realizar, incluindo a competência ilocutória, a qual implica a análise das condições pragmáticas que determinam se um enunciado é aceitável ou não. A segunda diz respeito aos fatores contextuais, como o status dos participantes, ou ao propósito da interação, suas normas e convenções. A competência sociolingüística se refere à propriedade, à naturalidade das elocuções e às diferenças culturais; a competência pragmática aponta para o desenvolvimento do vocabulário e das regras do discurso.

Ambas as definições estão intimamente ligadas. Porém, a competência sociolingüística de Canale e Swain (1980) constitui ponto de partida do

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presente trabalho, uma vez que aponta para questões que afetam o ensino do componente socio-pragmático da língua alvo. A competência de Bachman se coloca em relevo, porque estabelece a diferença entre a competência ilocutória (a qual implica a análise das condições pragmáticas) e a sociolingüística (que se refere à caracterização das condições que determinam quais enunciados são apropriados, em determinadas situações, apontando para as características do contexto de uso da língua). Dessa forma, observa-se que ambas contribuem com o objetivo de analisar as condições pragmáticas, que determinam se um enunciado é aceitável ou não, para descrever a relação entre as elocuções e os atos ou funções que os falantes tentam realizar. Para se referir às competências que um aluno de língua estrangeira deve desenvolver, prefere-se fazer uso do termo

competência socio-pragmática (BLUM KULKA, 1992), pois se considera

uma síntese das duas definições.

Por conseguinte, o conceito de competência comunicativa sublinha a importância dos elementos pragmáticos na comunicação e na aquisição de línguas, apresentando importantes implicações didáticas. Para ensinar a se comunicar, numa segunda língua, já não se pode reduzir o ensino ao estudo da gramática dessa língua; faz-se necessário também o ensino dos outros componentes da competência comunicativa. Os estudantes de segunda língua devem aprender a transmitir e reconhecer as intenções comunicativas (competência pragmática); a transmitir e reconhecer elocuções apropriadas, socialmente, segundo o contexto de ocorrência (competência sociolingüística); a elaborar e compreender textos, orais ou escritos, no contexto adequado (competência discursiva), e dispor de recursos para

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resolver as dificuldades que puderem ocorrer na comunicação (competência estratégica). Além do mais, é importante propor atividades didáticas que relacionem os distintos tipos de competência e contextualizem o ensino da língua.

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3 MAFALDA NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO DISCURSO E DA

SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL

Por que considerar as situações em Mafalda como recurso para desenvolver a competência comunicativa dos aprendizes de espanhol? A resposta para essa pergunta é: por uma série de razões. De um lado, pelas formações discursivas em tensão, de outro, pelas estruturas de expectativas que estão em jogo na interação das personagens e, basicamente, pelas características que partilha, ou não, com outros representantes do gênero

história em quadrinhos.

Os cartunistas constróem suas historinhas, tendo à disposição uma variada gama de elementos que, por serem convencionalizados, facilitam sua fruição, por uma audiência heterogênea quanto ao momento histórico, à classe, à categoria intelectual, ao tipo psicológico, idade, sexo, entre outros fatores. Esses fatores determinam o código de leitura, que distingue cada leitor, e modificam o tipo de atenção com que esse leitor aborda os quadrinhos. Mas, de fato, uma história em quadrinhos, que é produzida para um público determinado, num momento histórico determinado, também é consumida por outros públicos, podendo cada leitor identificar elementos diferentes. Posto que a recepção varia com o código adotado por quem decodifica a mensagem, diversos leitores poderiam identificar nas tiras diversas ordens e hierarquias de valores.

Na história em quadrinhos analisada por Umberto Eco (1993) - Steve

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da ordem estabelecida, visão reproduzida pela maioria dessas histórias, embora existam outras tiras, como Mafalda, que não são consideradas como representativas do gênero, por apresentar uma visão diferente. Já a Turma

da Mônica não apresenta uma visão do mundo desafiante, mas bem reflete a

hierarquia de valores e as brincadeiras que povoam o mundo das crianças. Umberto Eco (1993) destaca que as histórias em quadrinhos pareçem um gênero ideologicamente determinado pela linguagem elementar, baseada num código bastante simples, fundamentalmente rígido, e obrigado a narrar mediante personagens-padrão. Em grande parte, fazem uso de modos estilísticos já introduzidos por outras artes e adquiridos pela sensibilidade do grande público, após muito tempo, reduzidos a puros artifícios convencionalizados. Assim só lhes seria possível, às historinhas, comunicar conteúdos ideológicos inspirados no mais absoluto conformismo. Em Steve

Canyon, como em Dick Tracey também, para citar outro exemplo, U. Eco

(1993) entrevê a adesão a um American Way of Life, misturado com Lenda Hollywoodiana, de modo que a estória e a personagem servem de modelo de vida para o leitor médio. Porém, existem exemplos como Mafalda e Minduim que fazem uso dos mesmos elementos comunicativos, mas com a finalidade de exprimir uma declaração ideológica fundada no protesto e na oposição. (ECO, 1993, p. 155).

Em Mafalda, encontram-se abundantes referências ao contexto histórico em que foi produzida. Publicada no período compreendido entre 1964 e 1973, nos jornais Primera Plana e El Mundo e na revista Siete Dias

Ilustrados, seu autor, Quino, nunca se auto-imaginou como crítico do

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acreditou que o humor tivesse esse poder. Não obstante, como toda pessoa que trabalha em um meio deve-se adequar à modalidade jornalística dele e sendo Primera Plana um jornal de atualidade nacional e internacional, Quino optou por refletir a problemática da época. As referências, que se fazem nas tiras, à China, África, América Latina e à condição feminina, entre outras questões, têm a ver com o que, naquele tempo, se acreditava firmemente: o Terceiro Mundo e a mulher conseguiriam reverter sua situação de oprimidos.

A denúncia e a crítica da sociedade, a injustiça social e a ordem de prioridades e privilégios, na Argentina e no mundo, se evidenciam na interação entre suas personagens. Embora um gênero distinto do literário, acredita-se que a produção gráfica e humorística de Quino também possa ser considerada “uma forma de estetização da política” (MOREIRAS, 2001, p. 25), visto que é evidente seu engajamento histórico, promovido pelo meio jornalístico em que foi produzida, e o posicionamento histórico-político que manifesta, representativo do sentimento geral da sociedade. Ainda, como afirma Alberto Moreiras (2001, p. 25):

O estado nacional-popular latino-americano, que define ou sutura a produção simbólica da região, desde o início do século XX até o final da década de setenta, constituía uma forma de

estetização da política (grifo da autora desta tese) –

certamente assim o foi para José Vasconcelos, mas também para Fernando Ortiz e até para Angel Rama, sem falar de Jorge Luis Borges, Octavio Paz, ou toda a literatura do boom. A razão crítica para todo esse período era um projeto estético-historicista que buscava salvaguardar e reforçar a especificidade do poder social latino-americano (o argentino, o mexicano etc.) contra um lado de fora ameaçador ou invasor.

[...] A estética [...] era um meio em direção ao historicismo,

mesmo que se possa também dizer que este, na medida em que era um historicismo culturalista, era entendido simultaneamente como um meio de satisfação estética.

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A declaração ideológica, na obra de Quino, manifesta-se quando, já no âmbito da Análise do Discurso, se aplica às elocuções das personagens o conceito de formações discursivas:

um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 1971).

Uma formação discursiva determina o que pode ou deve ser dito, a partir de um certo lugar social, e é marcada por regularidades, ou seja, por regras de formação que se constituem em mecanismos de controle, os quais estabelecem o interno (o que pertence) e o externo (o que não pertence) a uma formação discursiva. Assim, define-se sempre em relação a um externo, quer dizer, a outras formações discursivas que são incorporadas por ela, numa relação de confronto, aliança, dominação, antagonismo, dando caráter heterogêneo ao discurso, uma vez que sempre existe a presença do Outro, no próprio interior da formação discursiva. Considera-se, como parte constitutiva do sentido, o contexto histórico-social, sendo os sentidos e a formação ideológica, ou confronto de forças, construídos em um dado momento histórico. Veja-se, por exemplo, esta vinheta sobre a liberdade:

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Vinheta 16

Formação discursiva (FD) FD de opressão FD de privilégios

Um menino negro da cidade de Nova Iorque, na tentativa de desenhar a Estátua da Liberdade, não consegue ver nela senão um palhaço.

Objetiva traduzir o que a estátua da liberdade significa para a população negra nova-iorquina: uma burla.

Remete ao que a estátua significa para a população branca nova-iorquina: o símbolo da liberdade.

Quadro 02 - Interpretação de formações discursivas em conflito, a partir da análise de Mussalim (2000), no que se refere à Vinheta 1.

No desenho do menino negro, se evidencia a oposição de duas formações discursivas: uma, remetendo à falta de direitos e de liberdade dos cidadãos negros norte-americanos; outra, remetendo ao privilégio dos cidadãos brancos. No olhar do menino negro, a Estátua da Liberdade não representa senão a negação dos seus direitos e da sua liberdade, injustiça

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que a sociedade impinge sobre a população negra norte-americana. E precisamente é essa negação que remete ao discurso do Outro, do branco, que desfruta dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, representados pelo presente da França aos Estados Unidos.

A vinheta pode estar fazendo referência ao período compreendido entre 1964 e 1965, quando ocorre, nos Estados Unidos, país envolvido na guerra do Vietnam, uma explosão racial sem precedentes, que reivindicava a igualdade de direitos civis para negros e brancos7. Seu líder, Martin Luther King, posteriormente assassinado, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em outubro de 1964. Em junho desse mesmo ano, o senador do Arizona, Barry Morris Goldwater, neto de um judeu polaco, que tinha emigrado para os Estados Unidos, e membro da fascista John Birch Society, candidatou-se à presidência pelo partido republicano. Essencialmente anti-comunista, Goldwater realizou uma das campanhas mais cruentas contra os democratas, fazendo-os responsáveis pela degradação moral do país. Ele exigiu que os negros fossem tratados com mais rigor e prometeu uma política exterior de paz pela orça. Para complementar a análise anterior, considerem-se as seguintes tiras:

7 Para uma descrição completa do contexto histórico da produção de Quino, ver QUINO (1988) Mafalda inédita

Referências

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