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Considerar-se-á microrregião o agrupamento de municípios limítrofes a exigir planejamento

integrado para seu desenvolvimento e integração regional, que apresente, cumulativamente, características de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico -social e administrativa.

65 dos critérios que lhe fixamos. Por conseguinte, a região não existe por si mesma” (SANTOS, 2009 [1971], p. 16). Se utilizássemos a agricultura, por exemplo, para propor uma regionalização do estado de São Paulo, certamente teríamos recortes regionais distintos daqueles que teríamos se partíssemos da silvicultura. Assim é que, se utilizamos o termo região, devemos definir os critérios utilizados para definir nossa regionalização. A opção pela regionalização da SEADE/EMPLASA deve-se ao seu embasamento na rede urbana, ou seja, os agrupamentos de municípios apresentam um ou mais municípios que, em função da sua maior oferta de serviços em relação aos seus vizinhos, estabelecem uma zona de influência. É por essa razão que, a nosso ver, esse estudo se aproxima mais da abordagem por nós sugerida de que a Defensoria Pública, enquanto prestação de serviço, pode ser compreendida a partir da zona de influência que cria em uma determinada fração do espaço. Fração que, por sua vez, também se relaciona com a zona de influência já criada pelo conjunto de serviços dos centros urbanos onde essa instituição está instalada.

Por outro lado, as regiões metropolitanas e as aglomerações urbanas criadas por lei mais atrapalham do que ajudam no que se refere aos objetivos de nosso estudo. O problema aqui é o caso das novas regiões metropolitanas, pois as aglomerações urbanas criadas obedecem à sugestão do trabalho de 2011. No caso das regiões metropolitanas, a criação de uma está geralmente associada à criação também de um “fundo de desenvolvimento metropolitano”, o que significa um maior aporte de recursos para os municípios envolvidos. Dessa forma, quando da criação legal de uma região metropolitana prevalecem antes os critérios políticos que aqueles fundados no estudo da realidade. Por conseguinte, ainda que as instituições estatais responsáveis por subsidiar as decisões ofereçam pareceres num dado sentido, a decisão final é sempre política. Em relação às duas regiões metropolitanas criadas, pouco do sugerido pelo estudo SEADE/EMPLASA foi observado. A região metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte compreende um grupo de municípios que na sugestão das entidades estaduais correspondiam a uma aglomeração urbana e três microrregiões (aglomeração urbana de São José dos Campos e microrregiões do Alto Paraíba, do Litoral Norte e da Mantiqueira). Como há a possibilidade de mais recursos, todos os municípios querem participar de uma região metropolitana, o que torna a pressão política bastante forte no momento da decisão legal. Nesse caso, foram muitos os municípios atendidos, apesar de que um rigor maior na aplicação dos critérios da legislação estadual resultaria na transformação apenas da aglomeração urbana de São José dos Campos em região metropolitana, uma vez que a conurbação é bem evidente nesses municípios. Embora agrupe unidades territoriais existentes no estudo SEADE/EMPLASA, trabalhar com esse

66 agrupamento provocaria a perda de detalhes nos mapas que elaboraríamos em nosso estudo. Por isso, optamos por manter as quatro unidades territoriais de antes. No que diz respeito à região metropolitana de Sorocaba, caso optássemos por trabalhar com essa região o problema seria ainda maior. Essa região abrange parte dos municípios da aglomeração urbana de Sorocaba, toda a microrregião de São Roque, alguns municípios das microrregiões de Itapetininga e do vale do Ribeira. Essa opção do governo estadual fez com que restassem sem regionalização alguns municípios que antes faziam parte da aglomeração urbana de Sorocaba. Como na prática, eles continuam influenciados por Sorocaba, preferimos manter o recorte territorial anterior.

Como já dissemos, uma regionalização é sempre uma escolha. Optamos por aquela que acreditamos ser a mais pertinente em função dos critérios que adotamos para compreender o uso do território pela Defensoria Pública. Isso não significa que ela seja perfeita, pois certamente apresenta limitações. Como o objetivo de nosso trabalho não é propor uma regionalização para o estado de São Paulo, faremos uso da que ora apresentamos a fim de buscar uma melhor compreensão das ações da Defensoria.

Importa relembrar aqui, todavia, que no atual período a rede urbana se estrutura em função das relações capitalistas de produção. As densidades e rarefações obedecem a uma organização do espaço com o objetivo de atender aos desígnios do mercado. As variáveis utilizadas para compreensão das redes urbanas, assim como para os estudos de regionalização, são, sobretudo, econômicas. Os fixos e fluxos analisados pelos estudos do IBGE , da SEADE e da EMPLASA são antes a expressão da dinâmica capitalista. Essa dinâmica tem sido a principal determinante dos processos de migrações, urbanização e modernização do território nacional. Pensar a localização e a relação entre sistemas de objetos e sistemas de ações hoje é inevitavelmente considerar os processos econômicos. Ainda que não seja o único fator a influenciar as localizações e migrações das pessoas, a economia capitalista exerce grande influência sobre a vida da maior parte da população. Por essa razão, utilizamos os estudos sobre rede urbana e regionalização da forma como são realizados (em função de variáveis econômicas). Entretanto, nossa intenção não é aceitar acriticamente esses estudos, mas ir além, tentando revelar suas limitações. Eles nos mostram, por exemplo, as concentrações populacionais e a influência que um centro urbano exerce sobre os demais. Todavia, ao apresentar as cidades como um nó em uma rede, perdemos a compreensão de que uma cidade é um subespaço heterogêneo, existindo grandes diferenças entre os diversos lugares que a compõem. Por outro lado, os fluxos que são utilizados como variáveis nesses estudos são aqueles realizados pelos agentes hegemônicos, ficando de lado a necessidade de se

67 compreender o quanto esses fluxos são inacessíveis a um grande número de indivíduos. Um problema que daí resulta é que essas limitações dificilmente são levadas em conta pelo planejamento estatal, por exemplo. E a Defensoria pode ser aqui incluída. Ao escolher a localização de uma unidade de atendimento, leva-se em consideração a concentração populacional e a acessibilidade do centro urbano. Olha-se para as variáveis mais gerais da organização do espaço pelas demandas capitalistas. Como vimos, a Defensoria Pública de São Paulo tem hoje suas principais unidades nos municípios de maior população e que correspondem aos principais nós da rede urbana estadual. Contudo, a heterogeneidade dos subespaços urbanos e os diversos níveis de acesso aos transportes apresentados pelas diferentes classes sociais ficam em segundo plano. Dessa forma, no atual período de globalização, é importante considerar a relevância do meio técnico-científico-informacional e sua importância para a configuração das redes.

Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional. (SANTOS, 2008 [1996], p. 238).

A constituição do meio técnico-científico-informacional é possível, uma vez que “a ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço, da mesma forma que participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais)” (SANTOS, 2008 [1994], p. 48). Todavia, é necessário ressaltar que os subespaços requalificados como meio técnico- científico-informacional atendem antes aos agentes hegemônicos da economia e da sociedade que às pessoas como um todo. Por essa razão, “(...) apesar de uma difusão mais rápida e mais extensa do que nas épocas precedentes, as novas variáveis não se distribuem de maneira uniforme na escala do planeta. A geografia assim recriada é, ainda, desigualitária (Ibidem)”. A despeito de sua ubiquidade planetária, o meio técnico-científico-informacional apresenta dimensões variáveis segundo os lugares, podendo apresentar-se como superfícies contínuas, como zonas mais ou menos vastas ou como simples pontos. Sendo assim, pode-se afirmar que:

Do ponto de vista da composição quantitativa e qualitativa dos subespaços (aportes da ciência, da tecnologia e da informação), haveria áreas de densidade (zonas “luminosas”), áreas praticamente vazias (zonas “opacas”) e uma infinidade de situações intermediárias, estando cada combinação à altura de suportar as diferentes

68 modalidades do funcionamento das sociedades em questão (SANTOS, 2008 [1994], p. 48, grifo do autor).

Desse modo, seria mais correto falarmos não em rede urbana, mas em rede de “zonas luminosas”, ou seja, uma rede em que se articulam os subespaços onde se instala o meio técnico-científico-informacional. E como este serve essencialmente aos agentes hegemônicos, fica mais clara a compreensão do significado das redes urbanas. Quanto aos fluxos, eles são parte do espaço geográfico. Há fluxos hegemônicos e fluxos hegemonizados, há aqueles dotados de maior eficácia e rapidez e aqueles mais lentos. O espaço geográfico é a totalidade e, por isso, abriga todos eles. O que comumente se tem como rede urbana a partir dos diversos estudos técnicos é a associação dos subespaços onde prevalece o meio técnico-científico- informacional, articulados por um conjunto de fluxos hegemônicos. A rede urbana é, desse modo, um subsistema do espaço total. É indispensável que olhemos para essa totalidade, considerando o interstício das redes e buscando a realidade daqueles agentes que, apesar de em maior número, são hegemonizados e muito menos móveis. É preciso considerar o espaço de todos, tendo em mente que as redes só são reais aos agentes hegemônicos:

(...) o espaço global seria formado de redes desiguais que, emaranhadas em diferentes escalas e níveis, se sobrepõem e são prolongadas por outras, de características diferentes, desembocando em magmas resistentes à “resificação”. O todo constituiria o espaço banal, isto é, o espaço de todos os homens, de todas as firmas, de todas as organizações, de todas as ações – numa palavra, o espaço geográfico. Mas só os atores hegemônicos se servem de todas as redes e utilizam todos os territórios (Ibidem, p. 50, grifo do autor).

Essas considerações nos são úteis para tentar compreender se o uso do território pela Defensoria é mais amplo, buscando o espaço banal, ou se restringe ao subespaço das redes. A segunda hipótese parece prevalecer, como veremos mais adiante. E isto é sem dúvidas um limitador do alcance de suas ações, considerando-se que seu público-alvo são as pessoas mais pobres, a quem as possibilidades de deslocamento são muito mais restritas.

Raros são os trabalhos a respeito de redes urbanas que consideram os fluxos hegemonizados. Pioneira nos estudos sobre a rede urbana paulista, Maria Adélia de Souza (1975) trouxe uma importante contribuição para a compreensão do tema ao relacionar a renda das pessoas aos seus deslocamentos para outros centros urbanos em busca de serviços. Ela observou que:

A mobilidade das pessoas em busca de equipamentos e serviços para a satisfação de suas necessidades e de suas aspirações é função da renda. Por consequência, o deslocamento de um indivíduo (...) é função do nível de renda. A chegada [a um

69 centro] é função do nível de renda, e da oferta, mais ou menos rara, mais ou menos diversificada, de equipamentos e serviços (SOUZA, 1975, p. 253)29.

Isso é o que lhe permite afirmar em trabalho mais recente (SOUZA, 1992, p. 119) que se “não há renda, não há rede”. Ou seja, àquilo que os estudos correntes chamam de rede urbana não têm acesso senão aqueles com renda. A estrutura em rede é expressão de uma demanda de serviços raros por parte de certas categorias socioprofissionais e pessoas de rendas mais altas. No entanto, a demanda por serviços banais cria o que a autora chama de estrutura em “graph” (unívoca). Isso se expressa quando se constata que

(...) os mais pequenos centros se constituem em centros de evasão e mantém relações com centros imediatamente superiores e, de outro lado, os grandes centros polarizam centros de tamanho diverso. O primeiro caso se estabelece entre municípios vizinhos e o segundo de qualquer direção, para o polo regional (Ibidem, p. 121).

Com razão, ela afirma que “(...) é a inferência da renda e do tipo de serviço demandado que determinam a orientação dessa estrutura espacial em rede ou em ‘graph’ ou em outra estrutura qualquer (ibidem, grifos da autora)”. Não restam dúvidas de que a estrutura de relações espaciais em rede é insuficiente para a compreensão do espaço geográfico em sua totalidade. Quando consideramos o uso do território pelas pessoas pobres, tal fato se torna ainda mais evidente. Entretanto, lidamos aqui com uma instituição que, ao priorizar sua instalação nos municípios de maior população e optar por um modelo de atendimento que espera que as pessoas venham em busca do serviço, aceita implicitamente os pressupostos de uma organização do espaço em rede. Aceitar aqui não significa necessariamente de maneira consciente optar por eles, mas, por uma razão ou outra, ainda que sem saber, trabalhar sobre esses fundamentos.

Acreditamos no imperativo de elaboração de outras abordagens teórico-metodológicas para tratar mais adequadamente da totalidade das relações espaciais nos e entre os centros urbanos. Aceitando a ideia de que a rede urbana é insuficiente, precisamos de novas categorias de análise que, por seu turno, exigirão novas metodologias e dados estatísticos capazes de permitir seu desenvolvimento. O conceito de “conexões geográficas” proposto por Souza (1992) se apresenta como possibilidade para superarmos as limitações das redes. Segundo a autora, as:

29 No original: La mobilité des personnes à la recherche d’équipements et services pour la satisfaction de leurs

besoins et de leurs aspirations, est fonction du revenu. Par conséquent, le déplacement d’un individu [..] est fonction du niveau de revenu. L’arrivée est fonction du niveau de révenu, et de l’offre, plus ou moins rare, plus ou moins diversifiée, d’équipements et services.

70 (...) conexões geográficas realizam a universalização (totalidade) em tempos e espaços diferenciados do território (singularidade e simultaneidade). Fala-se em conexões, pois as relações que se estabelecem entre urbanizações e sistemas produtivos se conectam em espaços geográficos, os mais distintos e variados, na escala do planeta (SOUZA, 1992, p. 124).

E, para a compreensão dessas conexões geográficas, o cotidiano assume uma dimensão fundamental, pois “indiscutivelmente o cotidiano caracteriza a conexão geográfica (Ibidem, p. 125)”. A partir dessas reflexões da autora, nossa intenção é que elas possam orientar as nossas e que possamos contribuir em alguma medida para uma melhor sistematização do conceito de conexões geográficas. Estamos certos de que a compreensão não apenas das ações da Defensoria Pública, mas de muitos outros serviços, exige esse aperfeiçoamento teórico.

É nesse sentido que, para o estudo que ora realizamos, a questão não é apenas se em determinado centro urbano há tal ou qual serviço mais ou menos raro, mas também qual o grau de mobilidade dos diversos agentes, que faz com que eles sejam mais ou menos capazes de ter acesso a esse centro. Nesse sentido, o acesso estará intimamente relacionado não apenas à proximidade, mas também à renda: tem acesso quem está perto ou quem, estando distante, tenha renda suficiente para chegar facilmente aos lugares que oferecem os serviços. Entre os resultados obtidos por Maria Adélia de Souza (1975) sobre os deslocamentos realizados em busca de diversos serviços, é possível constatar que, entre as pessoas que buscam os centros mais bem dotados de equipamentos e serviços, aquelas residentes nos municípios vizinhos são a maioria. Entre estas, há variação quanto à renda, mas há principalmente pessoas de média e baixa renda. Quando consideramos as pessoas que residem em municípios mais distantes, as de renda mais baixa são menos frequentes. Esses dados parecem confirmar a hipótese de que para as pessoas de menor renda o acesso à rede urbana é bastante restrito. As distâncias lhes limitam as possibilidades.

Os serviços da Defensoria Pública são destinados exclusivamente a pessoas de renda mais baixa, como já o vimos. Isso significa que a parcela da população que busca ser atendida é aquela para quem a mobilidade representa um problema ou, dito de outro modo, são pessoas que dependem muito da proximidade para terem acesso a um determinado bem ou serviço. No capítulo 4, investigaremos o quanto essa relação é ou não verificável. Antes disso, contudo, olhemos mais atentamente como o processo de urbanização paulista contribuiu para a configuração dos subespaços intraurbanos, produzindo desigualdades no uso do território. Essas desigualdades intraurbanas são importantes para a compreensão das relações entre a DPESP e os pobres nas cidades.

71 Urbanização e “cidades caóticas”

Em seu livro “A urbanização brasileira”, ao tratar da organização interna das cidades, Milton Santos fala em cidades caóticas. A similitude dos problemas exibidos por todas elas, tais como emprego, habitação, transportes, lazer, água, esgotos, educação, saúde etc., é reveladora da carência vivida por grande parte de suas populações. Mais ou menos visíveis, a depender do tamanho das cidades, esses problemas estão em toda parte. O agravamento dessa situação, Santos atribui à urbanização corporativa, realizada essencialmente na segunda metade do século passado. Esse tipo de urbanização, “(..) empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das consequências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais” (SANTOS, 2005 [1993], p. 105).

A despeito desse processo se intensificar sobremaneira no Brasil a partir dos anos 1950 com a industrialização, é preciso não esquecer que a formação da maior parte das cidades do interior paulista resulta de um grande empreendimento capitalista, do qual participaram grandes firmas. Como bem relata Monbeig (1984 [1977]), a ocupação do interior paulista foi um lucrativo empreendimento especulativo organizado por grandes empresas:

Uma empresa de loteamento deve dispor de grande capital, para fazer face às enormes despesas de publicidade e às da organização das glebas. Três grupos, interessados diretamente ou não na venda dos sítios, exerceram uma ação decisiva sobre a colonização interior, depois da crise de 1929: a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Sociedade Colonizadora Brasileira e a Companhia de Terras do Norte do Paraná (MOMBEIG, 1984 [1977], p. 238).

Os grandes lucros eram auferidos pelos grandes produtores, pelas empresas de colonização, pelas empresas ferroviárias, pelas primeiras indústrias etc. Os pobres, quando conseguiam, compravam pequenos sítios o mais próximo que podiam das ferrovias e dos centros urbanos, mas pouco contavam com empréstimos oficiais para o plantio das lavouras. No que diz respeito ao acesso a lotes mais próximos das cidades, a especulação já era intensa:

O preço dos lotes aumenta violentamente quando nas proximidades do patrimônio. E ainda maior pelo fato de, em geral, corresponderem a espigões, onde os solos costumam ser de boa qualidade. Junto à Marília, à entrada da cidade, em outubro de 1946 não se encontrava facilmente 1 alqueire a menos de 20.000 cruzeiros e em certas chácaras ele atingia o preço recorde de 50.000. No vale do rio do Peixe, a uma dezena de distância, em solos de qualidade inferior, o alqueire caía a 5.000 até 10.000 cruzeiros (MOMBEIG, 1984 [1977], pp. 236-237).

Com a intensificação da industrialização e a modernização do campo, o êxodo rural em direção às cidades maiores foi significativo. O crescimento populacional foi acompanhado

72 do incremento da especulação imobiliária. Trata-se de um mecanismo perverso que aflige principalmente os mais pobres. Com razão, Santos (2005 [1993], pp. 106-107) afirma que:

A especulação imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos convergentes: a superposição de um sítio social ao sítio natural; e a disputa entre atividades ou pessoas por dada localização. A especulação se alimenta dessa dinâmica, que inclui expectativas. Criam-se sítios sociais, uma vez que o funcionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeiçoando-os às suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais atrativas e, também, uns e outras, mais valorizados. Por isso, são as atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto aos lugares de residência, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhes pareça mais conveniente, segundo os cânones de cada época, o que também inclui a moda. É desse modo que as diversas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo. O