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O problema da comunicação capitalista no Brasil se torna ainda mais complexo pelo vultoso crescimento da integração do setor de comunicação de massa pelas determinações do mercado capitalista (SMYTHE, 1977) durante o século XX, do qual se alimenta hoje e que lhe amplia o poder ao paroxismo. Sua função no sistema produtor de mercadorias se justapõe ao seu papel na (re)produção da cultura, borrando os limites entre campos aparentemente autônomos. Na América Latina, em geral, não foi diferente, pois o que se observou foi o avanço dos padrões estritamente comerciais no setor de comunicação de massa em detrimento dos político- ideológicos, que não desapareceram, mas passaram a obedecer a estruturação de mercados oligopolizados.

No caso de setores como o das radiodifusões e telecomunicações a questão se complica ainda mais pelo papel que os governos assumiram desde pelo menos à década de 1930 na definição dos concessionários da exploração do espectro eletromagnético e pela estruturação eminentemente comercial conferida ao sistema. Não se trata apenas da entrega de mercado para alguém na forma de concessão, mas da organização de um setor estratégico na produção ideológica que se distribui conforme o jogo político vigente (reforçando o ponto de vista de Miliband (1999)). Compreendido isto tudo, dificilmente se pode ignorar a dimensão totalizante da indústria cultural e seu papel estratégico no jogo político-social de organizador social, político e cultural (IANNI, 1999) fundado em um quadro em que a dimensão econômica soa com maior ênfase.

A consolidação e manutenção da hegemonia burguesa na América Latina durante o século XX, com suas variações nas alianças entre as burguesias nacionais nascentes, o capital estrangeiro, as oligarquias agro-exportadoras, as classes médias (novas e tradicionais) ou populares, foi um processo diverso, turbulento e difícil (CARDOSO; FALETTO, 1973). A

dinâmica se deu acompanhando processos nacionais e internacionais de desenvolvimento do capitalismo global que favoreceram diferentes grupos, conforme o contexto particular em que cada nação se inseria no sistema mundial de mercado. Foi durante esse mesmo período em que grandes países da região como Brasil, México e Argentina viram consolidarem-se seus mercados internos, em boa parte sob os auspícios da política econômica de substituição de importações e da ideologia desenvolvimentista.

A consolidação de mercados nacionais de bens de consumo duráveis se deu, no geral, de forma concomitante ao estabelecimento de indústrias culturais, capazes de fazer circular mensagens, valores e idéias fundamentais à reprodução do capitalismo em sua nova fase que se instaurava na América Latina. Na medida em que iam se ampliando os estratos sociais que participavam desse mercado, meios de comunicação como a televisão iam perdendo o seu caráter “elitista” e assumindo linguagens e gostos mais “populares”, integrando culturalmente também esses mesmos estratos que iam sendo integrados economicamente ao sistema de circulação de mercadorias. A produção cultural em larga escala passou, assim, a integrar fundamentalmente o complexo sistema de produção de mercadorias, tornando-se não só “também” mercadoria, mas “antes de tudo” mercadoria.

Nesse ínterim, o Estado latino-americano atuou como pólo convergente dos interesses particulares (e particularistas) ao mesmo tempo em que desempenhou o papel de promotor do desenvolvimento, com políticas industrializantes de incentivo ao capital industrial nacional e internacional. Catalisou, então, o processo de desenvolvimento econômico do capitalismo em parte desses países ao qual estava atrelado o dos meios de comunicação de massa. Todavia, promoveu também a integração cultural por outros motivos que não puramente econômico. No Brasil, por exemplo, sob o jugo da Ditadura Militar, a doutrina da Segurança Nacional buscou integrar o país por meio das vias de comunicação e transporte, fazendo com que assim o Estado levantasse toda a infra-estrutura necessária para que se pudesse ter um sistema nacional de comunicação. Passavam a fazer parte do sistema regiões e estratos sociais que não estavam em condições de fazer o mesmo pela via diretamente econômica.

Pode-se dizer que entre os anos 1930 e 1960 se estabeleceu a base do modelo comercial de comunicação eletrônica de massa que vigora até hoje e que fez submergir as incipientes experiências alternativas. Segundo Fox,

in many countries, the early public-service goals and government ownership, subsidy and regulation of broadcasting inevitably clashed with powerful national and international forces behind commercial broadcasting. Politically powerful national and foreign industries were interested in the media as advertising vehicles (1988, p.13)

Embora hoje se trate de um sistema bastante diferente em diversos aspectos, o fundamento mercantil se impôs de tal forma que não se pode falar de recuo significativo do setor privado . Não é de se estranhar, então, que os principais grupos de radiodifusão latino-americanos hoje tenham suas raízes nesse período .

Quando se fala de sistema de exploração privada da radiodifusão com fins mercantis, como o que se estabeleceu nos países latino-americanos, é preciso pressupor que existe um tipo de controle que emana diretamente da condição de propriedade privada que é atribuída ao serviço de comunicação social. Embora esse controle encontre suas mediações, ele opera um papel importante na configuração da comunicação estabelecida.

A forma como foram selecionados os indivíduos que ocuparam essas posições de “donos” das comunicações na América Latina variam de acordo com os diversos contextos sócio-políticos correspondentes a cada um dos países: com a seleção “natural” dos mercados via concorrência, com a sagacidade de proprietários/administradores atentos às oportunidades (e aos oportunismos), com o favoritismo por parte de grupos políticos que buscaram privilegiar seus correligionários e assim ampliar seu espectro de influência, com o clientelismo (troca de favores) entre governos e poderes locais e regionais, com a política de filtro ideológico patrocinada por movimentos anti-comunistas, só para mencionar as mais citadas. No entanto, das diversas formas particulares que se apresentam, permanece constante no quadro geral a figura do empresário capitalista tomando o controle do setor, com diferentes maneiras de se materializar nas realidades nacionais.

Se a burguesia se valeu em séculos anteriores dos veículos de comunicação para “vender” suas idéias e assim derrubar reis e governos, no século XX as aspas se tornaram desnecessárias, e a expressão se realiza em toda sua crueza. Com o estabelecimento da indústria cultural, a ideologia passa a ser o próprio produto que a burguesia vende. Se a função da ideologia burguesa é promover seu interesse particular à condição de interesse geral, a indústria cultural materializa isso como nunca antes sob a forma de dividendos. Ao lucro privado do empresário corresponde a

(in)satisfação do consumidor na busca de entretenimento, informação, fruição etc. E na América Latina, como se vê, não aconteceu de forma diferente.

O controle político que pode se materializar na forma de censura, regulação ou mesmo da exploração direta por parte do Estado foi abdicado em nome do controle econômico, que entrega ao mercado e ao poder privado o papel de estruturadores do conteúdo e da forma da comunicação de massa. Vê-se no âmbito da cultura a repetição do mito capitalista do “trabalho livre”, em que o poder coercitivo em sua forma mais crua é suspenso em nome de um tipo de dominação mais difusa, porém, mais efetiva. Se é verdade que os indivíduos donos de meios de comunicação de massa não interferem diretamente na produção dos conteúdos, como atestam seus vários defensores, também é verdade que não o fazem por não ser preciso, haja vista que já compõem o grupo dos maiores beneficiados com a forma atual de funcionamento da indústria cultural. Ao mesmo tempo, apenas aparentemente de forma paradoxal, esses mesmos indivíduos detêm o poder, que emana de sua posição, de interferir pontualmente na produção de conteúdos e na definição das perspectivas se acharem necessários, como comprovam inúmeros casos na história da América Latina e do mundo.

O processo de consolidação das indústrias culturais nacionais se valeu, ainda, da dinâmica de entrada de capital internacional (primordialmente estadunidense) na América Latina nas décadas de 1950, 60 e 70. Corporações como NBC, ABC, CBS e Time-Life injetaram capitais nos mercados de comunicação fundamentais para a estruturação da nova fase, o que sobrepujou grandes representantes do momento anterior como os Diários Associados de Assis Chateaubriand. A modernização do setor que contou com tal apoio criou um hiato entre as empresas líderes supercapitalizadas e a série de outros concorrentes.

Apesar desse movimento inicial, seguiu-se uma redução da influência americana (STRAUBHAAR, 1983) e o capital estrangeiro foi obrigado a se retirar do setor, resguardando o domínio direto sobre as máquinas nacionais de produção simbólica para as burguesias nacionais. Isto de certa forma atendeu as reivindicações de movimentos progressistas que questionavam a assimetria internacional no fluxo de comunicação (UNESCO, 1983), no entanto expressou também as limitações de tal bandeira que não conseguiu ultrapassar os limites do nacionalismo. As décadas de 1970 e 80, apesar de já sentirem sintomas da crise do modelo desenvolvimentista, assistiram a consolidação e fortalecimento de mega-estruturas de comunicação como as Organizações Globo e a Televisa, que comprovam o poderio das indústrias culturais latino-

americanas frente aos interesses dos capitais internacionais por um lado e às reivindicações por democratização da comunicação por outro.

Quando a crise atingiu em cheio países como o Brasil, os eixos centrais do novo modelo de comunicação já estavam assentados de forma suficiente para que fosse assegurada a sua manutenção. A infra-estrutura já havia sido levantada pelo Estado e as posições dos empresários de radiodifusão em geral já estavam distribuídas de tal forma que permaneceram praticamente as mesmas ao longo dos próximos trinta anos.