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Constatação dos problemas do Brasil pela historia, em Mello de Moraes

PARTE II H ISTÓRIA A NALÍTICA

24 PEREIRA DA SILVA, João Manuel Historia da Fundação do Imperio Brazileiro Tomo I Rio

5.2 Constatação dos problemas do Brasil pela historia, em Mello de Moraes

Contudo, nesse período dos anos 1860, no contexto em que ocorre a guerra do Brasil com o Paraguai entre 1865 e 1870, a crítica de Mello de Moraes deixa de se restringir ao estrangeiro para subir o tom e mirar em questões internas do país e, além disso, sua construção argumentativa de crítica ao Brasil frequentemente se norteia pelos valores da civilização, do progresso e do desenvolvimento. A crítica de Mello de Moraes apontava inclusive para a preocupaçao com a historiografia nacional: dizia que "todos os povos civilisados, e mesmo os incultos, tem a sua historia, e todos os governos da terra pagão a bom preço a quem as escreva, pondo á disposição do historiador tudo o que lhe possa interessar para a indagação da verdade", no entanto, lamentava que "o unico paiz da terra que não tem uma historia completa e documentada é o Brasil". A crítica interna recaia tanto sobre uma ideia geral e despersonalizada da entidade Brasil quanto especificamente sobre a figura de seu gestor responsável que diz respeito ao governo:

13 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Á Posteridade. O Brasil Historico e a Corographia Historica do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & Comp., 1867, p. 6-7.

Admire-se o leitor, que entre nós a indefferença é tanta para as cousas da patria, que antes se quer saber o numero de espirros que deu Napoleão III, ou o Rei da Prussia, o numero de riachos e cachimbas, de villas e aldéas da França ou da Prussia, do que saber-se a historia gloriosa do Brasil e a sua geographia; e é por esse desamor, por essa ignorancia, que tantos erros se tem commettido, e tantos males acontecido, e hoje mais que nunca nos acontece, praticamente, com a guerra do Paraguay. Se em outro paiz, que não o Brasil, seu governo soubesse que um individuo era possuidor do mais copioso Archivo de documentos da historia patria, seria esse governo quem procurasse a esse individuo, para os haver; e se elle os divulgasse, seria o proprio governo quem se empenharia, para ve-los no dominio publico: porém veja-se o reverso da medalha e julgue-se do nosso governo, pelo que acontece.14

A lógica argumentativa do excerto permite notar também que, ao apontar o que é e o que deveria ser no Brasil, em sua política e administração, o ato de fala recorria às noções de progresso e de desenvolvimento ao apontar para um descompasso local entre o dentro e o fora e para um atraso temporal entre o Brasil e um estrangeiro idealizado como referência em civilização. Acerca disso, o tom da crítica de Mello de Moraes continuava ascendente:

Facto o mais vergonhoso do mundo! o mais inqualificavel nos annaes das miserias administrativas desta terra! [...] porque entre nós quasi tudo está fóra dos seus lugares: todos servem para tudo; e o que mais é, por meio do patronato, se transforma um mentor da mocidade em um politico ou diplomata de improviso. Não quero emittir juizos temerarios, porque temo a Deos; porém o que posso dizer com franqueza, pelo que se observa, é que quem não tem interesses immediatos pela prosperidade de um paiz, que por conveniencias adoptou, não se póde interessar por suas glorias, e por isso não me admirou que se achasse difficuldades onde o amor do bem publico e das glorias da patria facilitaria a comprehensão.15

Aparentemente, o contexto específico dessa crítica de Mello de Morais possuia contornos inclusive pessoais, considerando que ele, autor, reclamava da incompetência e desatenção do governo o qual estaria falhando no incentivo à produção e publicação de história do Brasil, notadamente a dele:

Quando principiei a escrever e publicar a minha obra sobre o Brasil, pensei que a poderia confeccionar e concluir em 7 ou 8 tomos, pois até ahi podia eu só com as despezas della, como pude com os tomos que correm impressos, e com as outras obras que estão no dominio publico; porém vendo depois que iria mais adiante, pela abundancia de

14 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Op. cit., 1867, p. 7. 15 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Op. cit., 1867, p. 9.

noticias, e que os cinco tomos impressos [...] não tinhão tido a extracção que eu desejava, parei no meio do 6° e do 7°, receiando maiores prejuizos em presença da verba gratis muito conhecida no nosso paiz. A presença de uma lei especial e solidaria, transitada pelas chancelarias me animou a confiança, e tratei de satisfazer ao que elle determina. Mas fui illudido, e tenho que pagar de minha bolsa a reimpressão do 1° tomo da Corographia Historica do Imperio do Brasil, que se está concluindo! Eu não pedi que se me pagasse o meu trabalho, e nem que se me comprasse os documentos da historia patria, nem tambem nada pedi adiantado; mas como já vi, sem autorisação, dar-se 40:000$ pelo feitio de um manuscripto, e 100:000$ pelo feitio de outro; e dar-se, sem que houvesse verba no orçamento, 20:000@ ou 22:000$ ao Italiano Pedro de Angelis, por meia duzia de papeis sem importancia e alguns livros impressos que forão recolhidos á Bibliotheca Publica, por isso me admirou que, em face de uma lei, se falle em verbas e em economias!

Oh! como é lastimoso dizer-se o que se passa no Brasil em relação aos dinheiros publicos! [...]

Falla-se em economias e em guerras, e no entanto lá forão seis escudeiros, com suas familias, acompanhando o cavallo de gesso que vai figurar na exposição de Paris! Sem fallar na grande despreza que se fez na decoração do edifficio da Exposição Nacional. Havia necessidade de mandar-se seis individuos com suas familias para a França representar o paiz, quando alli temos um corpo diplomatico luxurioso, sem nada fazer, e outros derramados por toda a Europa, e mesmo por onde nunca irá um brasileiro?!16

A crítica de Mello de Moraes à administração e ao governo acusava-os de negligência por realizar gastos supérfluos e injustificados, enquanto reclamava de falta de atenção à história do Brasil, sobretudo com aquela que ele próprio escrevera. Mello de Moraes afirmava que "o thesouro nacional, entre nós é a menina dos olhos de quantos espertalhões apparecem nesta bôa terra", e que enquanto os ministros lidam com montantes volumosos e com créditos suplementares, "para a história da Nação nem ha iventuaes!", e que, desse modo, concluia, "esbanjão-se, sem lei, e sem conveniencia publica, os dinheiros do Estado com os protegidos do poder responsavel".17 Os apontamentos críticos de Mello de Moraes contra o que considera ser "vícios e crimes" discorriam também sobre outros tópicos, como a política de condecorar proprietários de escravos que os libertam para que engrossem a fila a caminho da guerra no Paraguai: "em que parte do mundo já se vio dar condecorações aos que libertão escravos para a guerra! [...] Pobre Paiz! Infeliz Povo brasileiro!".18

16 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Op. cit., 1867, p. 10-11. Grifos do original. 17 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Op. cit., 1867, p. 12.

O médico alagoano fazia reclamação semelhante também anos depois, quando em 1873 avisou ao leitor do segundo tomo de sua Historia do Brasil-

Reino e Brasil-Imperio que a obra teve a impressão reduzida porque não achava

"consummidor para ella", e que, assim, convidava "aos curiosos das cousas do Brasil" e aos interessados "na historia fiel e documentada do vasto e opulento Imperio Brasileiro, tão mal fadado por seu desgoverno", a ler "a historia dos annos de 1823 a 1873" em seu periódico o Brasil Historico. Lamentava Mello de Morais que "nesta nossa terra" seria "crime dizer-se a verdade", que via "este mundo no reinado da immoralidade, da loucura, da depravação, e do infortunio para o meu paiz", e que ele sentia que "estava a atravessar a existencia no reinado do egoismo, da corrupção e da indifferença, contemplando com desprezo e nojo a extensa confraria [...] política que vai abysmando o Brasil".19

A história assume, na fala de Mello de Moraes, a função de iluminar a compreensão dos vícios da política e da administração responsáveis pelo estado dos problemas do Brasil, pois, em sua concepção, o país estaria há anos em uma fase na qual isto era possível. Sua construção lógica, por exemplo, recorria à figura histórica de D. Pedro I para afirmar que o "Principe regente, no 1° de Agosto de 1822, conhecendo o espirito publico e já o adiantamento das sociedades, e as condições em que se achava o Brasil, arrancou do peito estas memoraveis palavras [...]. - Está acabado o tempo de enganar os homens". Ou seja, em sua compreensão, o Brasil vivia outra época histórica. Argumentava Mello de Moraes que "antigamente o thesouro publico era do rei, e só o rei podia dispôr delle como entendesse", mas que "hoje, ao contrario, o thesouro publico é da Nação, e só a Nação é que lhe deve dá o destino". Em tempos de monarquia constitucional, dizia Mello de Moraes, o Brasil do presente garantia o direito à qualquer cidadão questionar "sempre que o poder ultrapassar as verbas que lhe forão consignadas para as despezas publicas".20

Desse modo, Mello de Moraes conclamava ao exame das causas dos problemas do país:

19 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Ao Leitor. In:___. História do Brasil-Reino e Brasil- Imperio. Tomo II. Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & C. Rua Sete de Setembro N. 159, 1873, fl. 461. Ver também MELLO DE MORAES, Alexandre José. História do Brasil-Reino e Brasil- Imperio. Tomo I. Rio de Janeiro: Typ. de Pinheiro & C. Rua Sete de Setembro N. 159, 1871. 20 MELLO DE MORAES, Alexandre José. Op. cit., 1867, p. 17. Grifos do original.

Senhores, é necessario que o povo se convença que a politica no nosso paiz não é só o desenvolvimento de idéas, ou crenças sociaes, que resultão em proveito do paiz, e sim, para certos individuos, um meio de vida, o caminho seguro para ter-se posição e fazer fortuna á custa dos sacrificios do povo, o que por si só e pelo seu trabalho nunca obterião; porque sem estudos solidos e convenientes, e sem longa pratica, e amadurecida a experiencia administrativa, não se pode ser Estadista, nem Diplomata, e nem Financeiro, e a prova temos entre nós nos pretendidos estadistas, que ainda não fizerão uma só cousa em proveito do paiz, a não serem as reformas, os regulamentos contraditorios, o esbanjamento dos dinheiros publicos, e os immensos disparates, que correm impressos.21

Segundo a perspectiva compartilhada por Mello de Moraes, a história franqueava o exame das causas dos problemas do Brasil. Em outras palavras, para Mello de Moraes, o conhecimento da história permitiria perceber a causa dos problemas do Brasil, pois considerava que o próprio movimento da entidade Brasil no tempo permitiria a compreensão definitiva de seus entraves do presente. Afirmava Mello de Moraes que "quem tiver acompanhado a marcha do nosso viver social terá conhecido que o Brasil só tem servido para espertos e especuladores, e se caminha como Nação é pelos seus proprios naturaes recursos, e não pelo impulso que se lhe deveria ter dado". Ai residiria a importância da história: nesse cenário problemático do Brasil, a história poderia iluminar as causas de vícios do passado que insistiam se arrastar presente adentro, ameaçando o futuro do país:

Por isso convém que o povo registre na memoria os fastos de sua existencia politica, e se reveja na propria historia, para que se rasgue esse véo phantastico que tanto nos tem illudido, para saber escolher d'entre os seos optimos cidadãos os mais independentes e patriotas para nos representar nos congressos da Nação; porque sendo d'entre elles que se escolhe ministros, não acontece de subirem ao poder os proletarios da sociedade, a ignorancia, a parvoice, a filaucia sem base, ou por toda outra os ganhadores politicos, que tem commettido tantos desacertos, e compromettido a Nação, endividando o Paiz. Saem do poder nestas condições e são proclamados estadistas!! Ora pelo amor de Deos... [...]

Se não achasse agora inconveniencia, contaria resumidamente a nossa historia politica desde 1821 até hoje, e então se conheceria que o patriotismo com que certos individuos apparecem nas praças com as idéas de progresso e de bem publico, é uma Chimera, porque os pretendidos patriotas da nossa terra não são os fabricios Romanos;

são as astutas Sereias, que cantão aos inexperientes, para fazerem delles degráos, para galgar posições officiaes, e mais logo o poder.22 Assim, observa-se que, em sua compreensão, a história assume a função de instrumento para o diagnóstico de problemas do Brasil.23

Em suma, a construção da fala de Mello de Moraes mobiliza critérios de qualificação à administração, ao governo e também à população que, plausivelmente - ou não fariam sentido - , figuravam como elementos circulantes no ambiente cultural da época, participando do jogo da linguagem. Nesse contexto, a concepção de história compartilhada por Mello de Moraes parece tender, de um padrão historiográfico narrativo e edificante de uma ideia de Brasil civilizado, imbuído de confiança no progresso e de ansiedade pelo desenvolvimento do país no futuro, para um padrão mais analítico que busca na história a compreensão dos problemas que produziam no presente uma indignação e que derramam desconfiança sobre o futuro do Brasil.

5.3 Narrativa e análise do Brasil nas lições de história de Joaquim

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