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PARTE II H ISTÓRIA A NALÍTICA

24 PEREIRA DA SILVA, João Manuel Historia da Fundação do Imperio Brazileiro Tomo I Rio

4.3 Narrativa do governo nacional e autóctone

Para fazer um "complemento necessario" ao "quadro minucioso dos acontecimentos que prepararam e firmaram a inteira independencia e completa emancipação", o qual, segundo o próprio autor, fora oferecido pela Historia da

Fundação do Imperio Brazileiro, Pereira da Silva passou então a "esboçar uma

narrativa historica" que se apresentou na forma do livro intitulado Segundo

Periodo do Reinado de Dom Pedro I no Brazil, publicado em 1871.43 De fato, trata-se de uma obra preocupada sobretudo em narrar a trajetória no tempo da organização política e econômica do país entre o retorno da corte portuguesa a

42 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Op. cit., 1865, p. 148-149.

43 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Segundo Periodo do Reinado de Dom Pedro I no Brazil. Narrativa Historica por J. M. Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Garnier, Livreiro Editor, 1871, p. V.

Portugal em 1821 e a abdicação de Pedro I ao trono em 1831. Nessa obra, as construções textuais analíticas, de exame e diagnóstico, são rarefeitas e presentes em reflexões meramente pontuais, de maneira que os valores, julgamentos e opiniões estão evidentes sobretudo na adjetivação da fala da narrativa. O motivo para isso talvez fosse, conforme assumia Pereira da Silva, porque "existem ainda entre nós actores e testemunhas da época que nos propômos descrever".44

Enquanto o eixo de historicização se mantém sobre o estabelecimento da autonomia, a rede causal dessa trama estabelece uma sucessão de acontecimentos que teriam levado o Brasil a transitar entre os "dous periodos historicos" em que constam a regência e o império de D. Pedro I. O primeiro período, de 1821 a 1825, teria sido a época para "criar uma nova nação, fundar- lhe a independencia e garantir-lhe a autonomia, obrigando Portugal e os outros estados soberados da Europa e America a aceita-la como igual e livre". De acordo com Pereira da Silva, uma vez firmada e reconhecida a independência - a qual teria feito o Brasil se concentrar "em uma vida propria" e a espalhar "pelo povo as idéas e aspirações de liberdade publicas e privadas" - , tornou-se explícito os "requisitos" dos quais "carecia o monarcha, diversos dos que o haviam nobilitado durante o primeiro periodo do seu governo". Assim, para Pereira da Silva, o segundo período busca arrolar os acontecimentos do processo de tal adequação do poder, da administração e da política às expectativas de liberdades constitucionais que o país experimentava. O rumo da narrativa que pauta a história desse segundo período orienta-se pela necessidade do Brasil recém independente repelir totalmente tanto "o desinteresse tão manifesto de reconhecer os direitos dos cidadães e de respeitar-lhes as garantias" quanto "a suspeita não só de pretender o imperador recuperar seu poder absoluto, como desfazer o grande facto já consummado da separação das duas nações Portugueza e Brazileira". Tratava-se de definir marcos para o segundo período e buscar inclusive estabelecer "uma tolerancia de opiniões, uma moderação de procedimento, um desejo franco e leal de executar as theorias consagradas na constituição politica do imperio" que pudessem também e de uma vez por todas "substituir aos impetos, paixões e

ardores patrioticos contra o estrangeiro um tino politico e administrativo peculiar".45

Em tal periodização elaborada por Pereira da Silva, a diferenciação entre duas fases históricas não diz respeito apenas a interpretar e catalogar retrospectivamente os acontecimentos que demarcam um ou outro período. Para além da lógica entre continuidade e ruptura, a periodização compõe-se também a partir da imposição de metas e expectativas para o Brasil, as quais definem quando começa e quando termina cada etapa:

É que as idéas, os principios, os costumes, os habitos, e as tendencias e aspirações dos homens; é que as circumstancias, os interesses e as necessidades do paiz; tudo emfim se modificára e transformára, pela revolução material e moral verificada no correr dos tempos. Renovar-se deviam, portanto, as qualidades e habilitações do chefe da nação, e iniciar-se um outro systema politico de governo, pois que cumpre aos reis amoldar-se á marcha dos acontecimentos e á tendencia dos animos dos povos, para poderem dirigir a sociedade no meio de suas alternativas continuadas e crescentes dificuldades.46 Desse modo, a periodização é estabelecida não apenas pela identificação e agrupamento de mudanças no tempo, por meio da visão retrospectiva de quem narra o passado, mas a periodização se estabelece inclusive pela vontade de mudança de quem avalia o caminho percorrido desde o passado, e que, ao olhar criticamente ao presente e com esperança para o futuro, define as etapas da história que terminam no alcance do ponto de chegada.

Anos depois, em 1878, Pereira da Silva ainda publicou o prosseguimento dessa história. Em Historia do Brazil de 1831 á 1840, tratou do que considerou ser o período "incontestavelmente o mais interessante, dramatico e intructivo", pois, dizia, as "regencias de eleição" que governaram o Império do Brasil durante a menoridade de D. Pedro II encontravam-se "despidas do necessario prestigio e desherdadas de atribuições que rodeiam o poder de autoridade e força", e, ainda que "mais fracamente organisadas que as presidencias de republicas", as regências do período tiveram que enfrentar sedições contra o governo centralizado no Rio de Janeiro. Para Pereira da Silva, o turbulento Período Regencial teria, no entanto, manifestado "robustos

45 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Op. cit., 1871, p. VI-VII. 46 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Op. cit., 1871, p. VI.

talentos, virtudes singulares" e outros "predicados de muitos dos distinctos personagens que participaram dos acontecimentos occorridos", sobretudo valorosos considerando o "tão oscilante e movediço solo" e as "tão desenfreadas paixões" que teriam fomentado e propagado "a maior confusão de doutrinas e theorias subversivas da moral e da politica". Valendo-se da distância no tempo, "passados quazi trinta e oito annos depois que termináram os governos regenciáes durante a menoridade", entende Pereira da Silva que, "na quadra actual em que tudo parece correr mais veloz e rapidamente que outrora", havia "espaço já sufficiente para serem imparcialmente julgados" os fatores que atuaram entre 1831 e 1840: "suas ideas, principios e sentir sumiram-se no turbilhão rapido e devorador do tempo; seus partidos desceram ao sepulcro, com suas tendencias e interesses; a maior parte de seus protagonistas dormem infelizmente seu ultimo somno debaixo da terra". Por isso, Pereira da Silva se dizia autorizado a, "com animo tranquillo e exacção escrupulosa, apurar e descrever os eventos realisados durante a menoridade do actual imperante", bem como a, "com egual imparcialidade, apreciar os vultos notaveis, que então serviram e honraram a patria", mesmo ciente de que "naturalmente excitará esta exhumação historica descontentamentos, contestações, duvidas, contrariedades".47

A narrativa de Pereira da Silva sintetiza a interpretação sobre o Período Regencial, em seus próprios termos, da seguinte maneira:

Uma revolução, a de 7 de Abril de 1831, que compellira D. Pedro I á renunciar a corôa Brazileira, e a transferi-la para o Sr. D. Pedro II ainda na infancia. Outra revolução, a de 23 de Julho de 1840, proclamou a maioridade do joven monarcha antes da epocha para ella fixada na Constituição politica do imperio, sem que pelo menos uma lei á respeito houvessem as camaras mais ou menos regularmente votado, dispensando nas instituições que n'ellas se estabelecera. Fora a primeira commerrida por povo e tropa em armas, e na praça publica; a segunda pelas minorias das duas casas do parlamento reunidas sem caracter official nos paços do senado. Ambas promovidas e executadas pelo partido denominado liberal. Aquella no proposito de desenvolver e realisar a acção democratica e exterminar o governo pessoal; esta de contrapor-lhe a reacção monarquica, e arrancar o paiz ao regimen fraco de regencias eleitas, e á exclusiva

47 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Historia do Brazil de 1831 á 1840. Governos Regenciaes durante a Menoridade. Rio de Janeiro: Dias da Silva Junior, 1878, p. I-V.

proponderancia parlamentar, restituindo-o á acção immediata e prestigio do Principe, á quem a Constituição destinára o trono.48

Às crises e dificuldades que movimentaram a trama de acontecimentos narrados por Pereira da Silva durante a menoridade de D. Pedro II no Período Regencial inclui-se, além da questão da organização do poder e da administração do Estado, a preocupação com o desenvolvimento do Brasil. Na descrição de um cenário em que "procediam sustos, terrores, duvidas no futuro do paiz, que desacoroçoavam de todo os animos mais fortes e robustos" e que tendia "á desenvolver a anarquia moral dos espiritos", Pereira da Silva centraliza seu enredo na apreensão sobre o progresso e o desenvolvimento do país, à qual inclusive atribui a importância de fator principal para as crises e dificuldades que eclodiram no período:

O commercio definhava a olhos vistos, ao mesmo tempo que a industria e a agricultura. Desapparecia o dinheiro, minguavam às transacções mercantis, descrescia a riqueza publica, diminuia progressivamente a renda das alfandegas e das estações encarregadas de perceber os impostos decretados. Notava-se copiosa emigração de gente e capitaes para fóra do Imperio; retrahira-se o credito individual e o do estado; o cambio baixára... Predios nem preço venal nem aluguel encontravam; a terra perdera o valor que alcançára no periodo antecedente. Toda a sociedade se estorcia em soffrimentos e apprehensões graves do futuro, resultado infallivel da falta de socego, das convulsões anarquicas e dos terrores da situação.49

Como se pode notar, a despeito de em 1871 ter advertido ao leitor do Segundo

Periodo do Reinado de Dom Pedro I no Brazil que sua escrita se preocupara em

cuidadosamente respeitar os atores e testemunhas remanescentes da época, evitando atritos e polêmicas, a publicação em 1878 da Historia do Brazil de

1831 á 1840 não se eximiu da crítica. Pereira da Silva admitia que a inspiração

para a escrita desta obra, além habitual justificativa de tentar "salvar do olvido um periodo historico da mais alta transcendencia e da licção mais proficua e salutar", era a probabilidade iminente de que aquele seria seu último escrito, nas suas palavras, "porque pressinto já que o outomno vai seccando e dispersando pelo chão as folhas que me animavam a vida; despojada dos

48 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Op. cit., 1878, p. 332. 49 PEREIRA DA SILVA, João Manuel. Op. cit., 1878, p. 14-15.

ornamentos que a enfeitavam, como poderá ella resistir ao sopro regelado do inverno que não pode tardar?".50

***

Evidenciada como denominador comum nos capítulos reunidos na primeira parte, a ideia de civilização manteve-se como fator determinante na história do Brasil de Pereira da Silva, operando como estruturante da historicização e como referência de sincronicidade do Brasil no tempo. A noção de civilização também se mostrou como critério do julgamento de Pereira da Silva ao acusar, por meio da história, os vícios e desvios morais que, em sua perspectiva, se colocavam como obstáculos ao progresso e ao desenvolvimento do país. Ademais, a concepção da história compartilhada por Pereira da Silva frequentemente flerta com a análise ao compreendê-la como um exame que diagnostica os problemas da sociedade retrospectivamente.

V

Problematizações e análises de história do Brasil

Certa indolencia maldita que se afigura indifferença pelos empenhos mais generosos e excellentes; mas que é antes inercia moral, filha de antigos costumes que ainda não se corrigiram bastante em povo do qual todos maldizem da interventora tutela do governo, e muito poucos, bem raros, ousam adiantar algum consideravel melhoramento publico sem ella, [...] emfim, nem em toda parte esclarecido o conhecimento da transcendencia economia e civilisadora das Exposições, tem sido causas geraes de deficiencia das Exposições Nacionais no Brasil.

Joaquim Manoel de Macedo1

Por meio do estudo de obras de história de Justiniano José da Rocha, de Alexandre José Mello de Moraes e de Joaquim Manoel de Macedo, este capítulo procura mostrar que o discurso historiográfico do período sob exame, além de manter íntima relação com as noções de civilização, de progresso e de desenvolvimento, apresenta uma concepção de história do Brasil inclinada ao viés da problematização e da análise.

5.1 Crítica à crítica de estrangeiros na historiografia do Brasil, em

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