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1. CONSTITUIÇÃO E URBANISMO

1.1. CONSTITUIÇÃO

A doutrina oferece muitos conceitos de Constituição.

Conceitos estes que pode variar segundo o prisma através do qual se

observa o tema.

Jorge Miranda

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, por exemplo, conceitua Constituição dos pontos de vista

material, formal e instrumental:

De uma perspectiva material, a Constituição consiste no estatuto jurídico do Estado, ou, doutro prisma, no estatuto jurídico do político; estrutura do Estado e o Direito do Estado32.

A perspectiva formal vem a ser a de disposição das normas constitucionais ou do seu sistema diante das demais normas do ordenamento jurídico em geral. Através dela chega-se à Constituição em sentido formal como complexo de normas formalmente qualificadas de constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas33.

Um último sentido básico da Constituição a propor é o sentido instrumental: o documento onde se inserem ou se depositam normas constitucionais diz- se Constituição em sentido instrumental34.

O mesmo autor nos dá que a Constituição não é apenas limite, mas também

fundamento do poder público e da própria ordem jurídica

35

e ensina que “somente

desde o século XVIII se encara a Constituição como um conjunto de regras jurídicas

definidas das relações (ou da totalidade das relações) do poder político, do estatuto

de governantes e governados”

36

.

31

Manual de Direito Constitucional, tomo II, 4a edição, Coimbra Editora, 2000. 32 Op. cit., p. 10. 33 Idem, p. 11. 34 Idem, p. 12. 35 Idem, p. 19. 36 Idem, p. 10.

José Roberto Dromi conceitua Constituição como “el modo de ser que

adopta uma comunidad política em el acto de crearse y también em el acto de

reformarse”

37

.

Para Konrad Hesse, Constituição é “a ordem jurídica fundamental da

comunidade”

38

, sendo nela que se fixam os princípios diretores que formam a

unidade política e se assumem as tarefas do Estado. A Constituição deve conter os

procedimentos de solução de conflitos no interior da comunidade e regula a

organização e o procedimento de formação da unidade política e a atuação estatal.

A Constituição é o “plano estrutural básico, orientado a determinados princípios de

sentido para a conformação jurídica de uma comunidade” (Höllerbach)

39

.

Em suma, Constituição pode ser conceituada como o instrumento que

concretiza a ordem jurídica fundamental da comunidade (comunidade esta formada

pela manifestação de suas duas facetas: a sociedade e o Estado).

É pacífico entre os doutrinadores que a Constituição é um sistema de

normas que podem adotar a feição de princípios e ou de regras. Princípios como

valores que formam as regras e regras como normas de caráter preceptivo, que

determinam condutas.

Esse sistema de princípios e normas é de grande valia, uma vez que

soluciona, em primeira análise, dois problemas que poderiam prejudicar o

funcionamento do ordenamento jurídico: a questão das lacunas e a questão da

adequação.

A Constituição não contém e nem pode conter lacunas, sob pena de falência

do sistema. Isso só se faz possível pelo caráter principiológico de parte das normas

37

Tradução livre: “a maneira de ser que uma comunidade política adota no ato de criar-se e também no ato de reformar-se”. José Roberto Dromi. La reforma constitucional – El constitucionalismo del por-venir. La reforma de la Constitución. El Derecho Público de Finales de Siglo. Una perspectiva Iberoamericana. Madrid: Civitas, p. 107.

38

Konrad Hesse. Escritos de derecho constitucional, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p. 16. 39

que integram a Constituição. Princípios, enquanto valores, são, por definição,

flexíveis e mutáveis, permitindo a integração e a complementação das normas que

têm caráter de regras. Assim, a Constituição é capaz de transformar-se ao longo do

tempo, mediante a mutação constitucional, permanecendo atual e, portanto,

adequada aos anseios e aspirações da comunidade. Outra vantagem do caráter

principiológico das normas constitucionais é permitir que lacunas porventura

existentes na legislação infraconstitucional sejam superadas através da aplicação

direta dos princípios constitucionais, sempre possível em razão de seu caráter de

norma hierarquicamente superior.

Assim, o conceito de Constituição também se transforma ao longo do tempo,

vez que este conceito nos é dado pela Ciência do Direito, cuja função é tão somente

descrever o Direito. Somente à luz do contexto histórico, da função da Constituição

na realidade e na vida históricas da comunidade é que se pode definir Constituição.

Isso se faz extremamente importante, a partir da constatação de que é a

Constituição que proporciona a ordenação da vida estatal e não-estatal na

comunidade, estabelecendo os pressupostos de vigência e execução das normas de

todo o ordenamento jurídico e, conseqüentemente, sua unidade.

Por isso é que quanto maior a conexão das normas constitucionais com as

circunstâncias históricas, maior é sua força normativa, o que se revela como

efetividade, ou seja, a disposição dos membros da comunidade em adotar como

vinculante o seu conteúdo e assumir a decisão de incorporá-los à sua realidade

cotidiana.

Não é por outra razão que Jorge Miranda aponta que a Constituição não é

somente política, mas também social, ou seja, o estatuto da comunidade perante o

poder

40

.

Assim é que a necessidade de estreita ligação entre a Constituição e a

realidade depende da formação de um consenso básico, o que resulta em uma

40

ordem jurídica firme.

Reside aí uma dificuldade. O consenso raramente ocorre no interior de um

sistema complexo como a comunidade. Anseios e aspirações não são os mesmos

de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo. Um jogo de maiorias e minorias

está constantemente em ação, fazendo surgir focos de conflitos a todo momento.

Daí a constatação de que não há outra forma de consenso que não o consenso

possível, ou seja, o maior nível de consenso que seja possível obter diante de um

cenário complexo e em constante transformação

41

.

Para que haja um mínimo de consenso, é necessário que todos os setores

da comunidade sejam, de alguma forma, considerados, por ocasião da tomada de

decisões que constituem o momento de aplicação das normas.

A regra da maioria não significa que a minoria seja irrelevante e que seus

anseios e aspirações não devam ser levados em conta. É preciso, obviamente,

atender à maioria, sem excluir a minoria.

Pois não foi isso o que se viu ao longo do século XX. O Brasil passou por um

processo de industrialização acelerado. Em poucas décadas, deixa de ser rural para

se tornar industrial. O campo cede lugar à cidade. O país vê grande parte de sua

população migrar para os grandes centros urbanos. É o chamado êxodo rural.