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A Constituição de 1937, também chamada pejorativamente de Polaca, foi outorgada por Getúlio Vargas. O art. 16 determinou como competência da União legislar sobre a matéria direito de autor. Chinellato, ao analisar o texto constitucional de 1937, comenta ser compreensível, pelo perfil adotado na Constituição, a omissão da tutela do direito de autor, além de estabelecer censura prévia.191 O artigo parece ter sido incluso como uma forma de consolação, e como presunção de que, no futuro, o lapso seria sanado com uma legislação ordinária, fato que não ocorreu.192 A omissão reflete a ditadura do Estado Novo, que aboliu os partidos políticos e a liberdade de imprensa. No período, entre a Constituição de 1937 a Constituição de 1946, houve um hiato de proteção constitucional aos autores de trabalhos intelectuais.

7.5 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946

Com a queda de Getúlio Vargas, depois da Segunda Guerra Mundial, uma nova Constituição foi elaborada para um período de democratização. O novo texto assegurou a liberdade de opinião e de expressão. A Constituição de 1946, no seu art. 141, § 19, segue a mesma linha da Constituição de 1934: a inviolabilidade e a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros no tocante aos autores. Vale destacar o texto do inciso 19, art. 141, que explicita a exclusividade do direito de reprodução dos autores. Amaral comenta que o texto

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AMARAL, Cláudio de Souza. Os direitos autorais nas Constituições brasileiras. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 2, ago. 2005. p. 59.

191

CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direito de autor e direitos da personalidade: reflexões à luz do Código Civil. 2008. Tese (Concurso de Professor Titular de Direito Civil) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 60.

192

AMARAL, Cláudio de Souza. Os direitos autorais nas Constituições brasileiras. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 2, ago. 2005. p. 60.

era de forma tímida, sem grandes avanços, reafirmando os sovados pregões dos textos anteriores.193

7.6 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967

Após o golpe militar de 1964, entrou em vigor a Carta de 1967. Esse foi um período de desprezo às liberdades públicas. O Brasil vivia um período de exceção. O projeto de Constituição foi redigido por Carlos Medeiros Silva, ministro da Justiça, e pelo jurista Francisco Campos. Em 1967, passou a vigorar a sexta Constituição do Brasil e a quinta do período republicano, que serviu para institucionalizar e legalizar um regime ditatorial. O texto traz uma modificação na redação em relação à Constituição de 1946, excluindo a expressão “direito exclusivo de reproduzi-las” para “direito exclusivo de utilizá-las”. Com essa modificação, houve uma evolução e uma ampliação ao entendimento dado aos direitos dos autores.194

7.7 EMENDA CONSTITUCIONAL N.O 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969

Em 1969, é imposta por um triunvirato militar uma Constituição de forma autoritária. Os elementos que constavam eram os necessários para outras leis que instituiriam a censura. A Emenda Constitucional de 1969195 reproduz o texto da Constituição de 1967, sem nenhuma alteração. Portanto, o texto referente aos direitos intelectuais se manteve no Capítulo IV, “Dos Direitos e Garantias Individuais”, no seu art. 153, § 25.

193

AMARAL, Cláudio de Souza. Os direitos autorais nas Constituições brasileiras. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 2, ago. 2005. p. 61.

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AMARAL, Cláudio de Souza. Os direitos autorais nas Constituições brasileiras. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 2, ago. 2005. p. 61.

195

BRASIL. Emenda Constitucional n.o 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 25 set. 2015.

7.8 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No inciso XXVII, além de garantir o direito dos autores de utilizar suas obras, foram acrescentados os direitos de publicação e reprodução. Nessa Constituição, o direito de autor e o consequente aproveitamento econômico de sua obra foram protegidos no art. 5.º, incisos XXVII e XXVIII. Segundo José Afonso da Silva, os direitos assegurados no inciso XXVIII são uma extensão do inciso XXVII.196

Em razão da abertura democrática do Brasil, a Lei de Direitos Autorais precisava ser revista e atualizada, além da necessidade de abarcar as inovações que afetavam diretamente os direitos autorais.197 E foi o que ocorreu, a Constituição assegura ao autor titular os direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que produzir.

A Constituição conferiu o direito exclusivo de usufruir, publicar e reproduzir, porém, sem pormenorizar, como as outras Constituições. No texto, porém, foram suprimidas as especificações: obras literárias, artísticas e científicas, contextualizando-as de forma mais genérica. Mas, sob a análise conjunta com o inciso IX, depreende-se que esse direito recai sobre as obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação. Assim, a Constituição de 1988 foi mais assertiva, segundo Amaral, por “adotar critério juridicamente mais correto ao não mais especificar quais gêneros de obras são objeto de proteção”,198 deixando de mencionar obras literárias, artísticas e científicas.

Do ponto de vista dos textos constitucionais, segundo Chinellato, os direitos dos autores são mencionados muito superficialmente, e sem menção

196

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 5 ed. de acordo com a Emenda Constitucional 56, de 19.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 119-120.

197

CHAVES, Antônio. Evolução da propriedade intelectual no Brasil. Revista do Advogado. São Paulo, v. 38, dez. 1992. p. 36-44.

198

AMARAL, Cláudio de Souza. Os direitos autorais nas Constituições brasileiras. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 2, ago. 2005. p. 61.

expressa ao direito moral, entretanto, não significa que não estejam presentes, pois são ínsitos à criação da obra.199

Mediante os recortes apresentados, infere-se que o assunto foi sempre superficialmente abordado nas Constituições brasileiras. Somente na Constituição de 1988 o direito de autor recebeu uma abordagem mais acurada.

As bibliotecas, nas Constituições ou em normas infraconstitucionais, no Brasil, nunca foram mencionadas, a não ser pelo depósito legal. Difere de outros países, seja contra ou a favor às bibliotecas: na França, a lei de 1957 não permitia que fossem feitas reproduções ainda que pelas bibliotecas; a lei inglesa, de 1956, autorizava às bibliotecas a feitura de cópias para serviços ao público; a legislação alemã facilitava a atividade das bibliotecas, permitindo-lhes reproduzir exemplares avulsos de obras, de modo razoável, e sem colocá-las em circulação.200

Conforme as análises apresentadas, conclui-se que nas Constituições brasileiras, não somente as bibliotecas, mas os direitos autorais foram muito timidamente recepcionados, e até excluídos.

199

CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direito de autor e direitos da personalidade: reflexões à luz do Código Civil. 2008. Tese (Concurso de Professor Titular de Direito Civil) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 55-63.

200

BITTAR, Carlos Alberto. O direito de autor nos meios modernos de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 120-121.

8 O SÉCULO XIX E AS NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS

AUTORAIS

O século XIX começa com discussões pungentes sobre o direito imaterial. Muitas discussões e eventos foram realizados para discutir, difundir e defender o novo instituto de direito autoral como forma de proteger as produções da inteligência humana.

Cita Beviláqua que foram realizados mais de doze congressos em países diferentes, para o que chama de “propaganda para superar os obstáculos para solução do problema”, e a solução precisa estar à altura da cultura atual. Além disso, escreve que muitos países editaram leis especiais ou inseriram em seus códigos civis a matéria de proteção aos direitos autorais.201

O Papa Leão XIII autorizou, em 1826, a adesão do Vaticano ao reconhecimento dos direitos intelectuais, o que, segundo Santiago, representou uma importante vitória moral de grande repercussão e significado.202

As discussões foram intensificadas, pois a proteção ao direito autoral passou a ser uma preocupação internacional. Os países precisaram sintonizar suas legislações internas ao direito internacional.

A primeira Convenção Internacional para a proteção do direito autoral foi capitaneada pelo Reino da Sardenha e do Império da Áustria. Posteriormente, houve a adesão à Convenção pelos Ducados de Parma, de Modena, de Lucca, pelo Grão-Ducado de Toscana, pelo Reino das Duas Sicílias e pelo Estado Pontifício.203

Na Alemanha, durante a primeira metade do século XIX, houve um incremento da atividade legislativa sobre os direitos autorais, formando um

201

BEVILAQUA, Clóvis. Algumas observações sobre o direito auctoral. Revista de Direito Civil, Commercial e Criminal. Rio de Janeiro, v. 8, n.o 2, 1908. p. 210.

202

SANTIAGO, Oswaldo. Aquarela do direito autoral: história, legislação, comentários. Rio de Janeiro: [Mangione], 1946. p. 16.

203

ambiente propício à proteção internacional, uma vez que a proteção conferida pelos Estados era insuficiente para garantir os interesses dos autores.204

Outras Convenções ocorreram, como a de 1889, em Montevidéu, no México, em 1902, e, no Brasil, realizada na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1906. A necessidade de proteger os direitos autorais entre os países gerou a criação de tratados internacionais para regular essa difusão, atribuindo-se a mesma proteção aos países signatários, por meio do princípio da reciprocidade.

Com a evolução da sociedade da informação, e a superação de fronteiras geográficas, mas principalmente tecnológicas, houve a exigência de normas que estivessem em harmonia entre os países. Nesse sentido, Bittar escreveu que foi preciso ampliar o sistema protetivo em nível internacional diante das comunicações.205

A França foi o país que assegurou no seu direito interno uma legislação mais flexível em favor da educação, mesmo sendo signatária de tratados internacionais. Vê-se que os países, mesmo integrando os tratados, podem trabalhar com as liberdades permitidas para harmonização dos seus direitos internos em favor da educação, cultura e das bibliotecas e outras entidades congêneres.

O legislador francês, segundo Alleaume, interveio mais intensamente em favor do ensino e da pesquisa no seu direito interno, razão pela qual a França ratificou certo número de convenções nacionais, incitando os Estados a inserirem em seus direitos internos as disposições em favor do ensino e da pesquisa.206

O Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), de 20 de dezembro de 1996, no seu preâmbulo prevê “que as partes contratantes [...], reconhece[m] a necessidade de manter um equilíbrio entre os direitos de

204

CARBONI, Guilherme Capinzaiki. O Direito de autor na multimídia. 2001. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. f. 25.

205

BITTAR, Carlos Alberto. O direito de autor nos limiares do século XXI: sugestões para o aperfeiçoamento dos regimes existentes. Revista de Informação legislativa, Brasília-DF, v. 31, n.o 122, maio/jul. 1994. p. 34.

206

ALLEAUME, Christiphe. Les exceptions à des fins d´enseignement et de recherche en droit français. LUCAS, André; SIRINELLI, Pierre; BENSAMOUN, Alexandra (Dir.) Les exceptions au droit d´auteur: état des lieux et perspectives dans l´Union européene. Paris: Dalloz, 2012. p. 141.

autores e o interesse público em geral, notadamente em matéria de ensino, de pesquisa e de informação [...]”.

De acordo com o preâmbulo, os Estados, aqueles mais voltados para um bom termo, podem criar espaços para harmonizar os direitos autorais e o interesse público, sem favorever sobremaneira uma das partes interessadas.