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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A HARMONIZAÇÃO DOS DIREITOS

A comunidade jurídica faz parte dos que estão preocupados com o panorama descortinado na sociedade da informação, dividindo-se em autoralistas e defensores do acesso livre. Em oposição à linha autoralista, há as correntes que defendem liberação total e superação de uma legislação regulamentária para o assunto. Nota-se, portanto, que a tecnologia colocou os direitos autorais à baila de muitas novas discussões.

Numa das extremidades, estão ativistas que se dividem nos que buscam a liberdade completa de expressão e a utilização livre de obras, e outros que anseiam o reconhecimento público, são os iniciantes e os simplesmente idealistas. Reconhece-se, ainda, que os direitos autoral e industrial estão em uma fase crucial e provavelmente serão modificados pelos fatos sociais.296 Reconhece Rocha Filho que os envolvidos com os direitos intelectuais “encontram-se

295

WACHOWICZ, Marcos. Reflexões sobre a revolução tecnológica e a tutela da propriedade intelectual. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo. Propriedade intelectual em perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 302, 303.

296

ROCHA FILHO, Valdir de Oliveira. Violação de direitos de propriedade intelectual através da internet. In: ROCHA FILHO, Valdir de Oliveira (Coord.). O direito e a Internet. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 165.

divididos quanto à proibição do uso de tais tecnologias para cópias e intercâmbio de arquivos digitais”.297

Argumenta que a maioria, inclusive especialistas renomados, defendem a proteção de suas obras. Conclui-se então que estes não abominam os direitos intelectuais.

A situação parece bastante transfigurada, bastando uma análise do enfrentamento de indivíduos e organizações que discutem a dicotomia acesso à informação versus direitos autorais. Outro reflexo das mudanças em virtude do desenvolvimento tecnológico são as diretivas da CE, que estão em capítulo à parte, e alteraram o universo das bibliotecas como há muito não era visto, restringindo a atuação delas.

Um exemplo citado por Lima e Santini é Barbrook (2003), que defende a extinção da propriedade intelectual, na medida de copyright, e defende a “informação de modo libertário: o copyleft”. Para Barbrook, conforme os autores, a cópia deve ser liberada para quem desejar, e a informação deve estar disponível para quem dela necessitar, conforme interesses e propósitos.298

Albagli e Maciel299 lamentam que, na área científico-tecnológica, se percebam manifestamente as consequências restritivas das regulações sobre os direitos intelectuais. Apontam a necessidade de flexibilização das normas que regem os direitos intelectuais como forma de facilitar o acesso à informação e ao conhecimento, inclusive para sociedades menos favorecidas economicamente, na expectativa de que essas possam também concorrer para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Em filosofia contrária, muito antes, Bittar defendeu ser necessário garantir ao autor os proventos defluentes de sua criação. No seu entendimento, o desenvolvimento e/ou evolução dependem das criações. Portanto, não é possível

297

ROCHA FILHO, Valdir de Oliveira. Violação de direitos de propriedade intelectual através da Internet. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 1, ago. 2002. p. 183.

298

LIMA, Clóvis Montenegro de; SANTINI, Rose Marie. Copyleft e licenças criativas de uso de informação na sociedade da informação. Ciência da Informação, Brasília-DF, v. 37, n.o 1, jan./abr. 2008. p. 123.

299

ALBAGLI, Sarita; MACIEL, Maria Lucia. Novas condições de circulação e apropriação da informação e do conhecimento: questões no debate contemporâneo. Disponível em: <http://repositorio.ibict.br/bitstream/123456789/314/1/ALBAGLIENANCIB2009.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014. p. 1521.

admitir a reprodução de obras intelectuais sem que ocorram danos ao autor e ao próprio desenvolvimento de novos conhecimentos.300

Sustentando a tese da mudança de paradigma, Bittar301 afirma que não se pode apoiar essa expansão desenfreada apenas no sacrifício de um setor da coletividade, o intelectual. É imprescindível haver um planejamento acertado, que leve em conta todos os aspectos gerais inerentes à questão. Argumenta que o direito de autor já sofre limitações nas próprias convenções internacionais, sem, entretanto, causar aos autores prejuízos injustificados a seus interesses legítimos.302 Acrescenta, ainda, que é preciso estabelecer harmonia entre os polos envolvidos, evitando que o ônus não incida tão somente nos autores. Concluindo, afirma que o direito de autor é muito castigado pela utilização indiscriminada de processos modernos de reprografia e apoia seu argumento na concepção de que o direito de autor é um direito natural do homem, e por isso não pode ser subjugado.

Há que se registrar duas situações distintas nesse debate: de um lado, estão as grandes corporações, que têm na informação um grande filão de comércio e lucro. Geralmente, apropriam-se do conhecimento produzido nas universidades, que, direta ou indiretamente, foi financiado pela sociedade; na outra ponta, ou melhor, na origem, está o autor, aquele que dedicou tempo e energia para produzir uma obra de engenho.

A apropriação pelo conhecimento e ou informação pelas corporações prejudica o desenvolvimento científico dos países periféricos. Nessa linha de pensamento, são pertinentes as palavras de Bittar, que, ao defender os direitos autorais, argumenta ser o assunto de grande importância para os países que se encontram em desenvolvimento. Ressalta que nesses países mais se “sente o conflito de interesses em causa, em função, em parte, da necessidade de progresso da educação e da cultura como fatores fundamentais para o

300

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor e interesse público nos países em desenvolvimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Paulo, v. 80, n.o 80, 1985. p. 154.

301

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor e interesse público nos países em desenvolvimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 80, n.o 80, 1985. p. 151.

302

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor e interesse público nos países em desenvolvimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 80, n.o 80, 1985. p. 131-134.

desenvolvimento geral da nação”. E, nesses casos, os direitos autorais fomentam a criação desenvolvendo as ciências nesses países. A imperatividade de proteção legal às criações intelectuais visa estimular a criação de novas obras de engenho pelos autores dos países em desenvolvimento, o que proporcionaria a participação do país na esfera da inteligência mundial.303

O autor sustenta ainda que há conciliação entre os interesses do criador e da sociedade, por ser o monopólio assegurado ao autor, por tempo determinado, 70 anos após a morte do autor no Brasil, em favor do interesse público. Por fim, conclui que o ônus não pode ser exigido somente aos criadores intelectuais, mas tem que ser repartido com a coletividade em geral.304

Bevilaqua pregava a perpetuidade do direito patrimonial. Criticava que o direito de autor, como estava estabelecido pelo prazo de dez anos, pela lei de 1898, era insuficiente. Defendia que fosse ampliado o prazo para cinquenta anos, como em vários países europeus. Alegou que num futuro próximo, com a ideia da perpetuidade, o direito autoral alcançaria sua maturidade. E acrescentou que as proposições contrárias à perpetuidade não eram convincentes. Somente aos dinheiristas interessava um prazo menor de proteção. Os livreiros, sem a perpetuidade, conseguiriam fazer dinheiro com a criação alheia, os quais o autor chama de “livreiros dinheirosos”.305

Por outro prisma, Ascensão é voz dissonante da literatura sobre a questão temporal do direito de autor, por entender que o prazo é muito extenso, mas é uma exceção.

Outra vicissitude para o direito de autor pode ser observada na pesquisa conduzida pela British Library e o Joint Information Systems Commitee, e publicada no CIBER 11306: os jovens não respeitam, em parte, os direitos intelectuais. A pesquisa revelou que os jovens têm conhecimentos dos direitos

303

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor e interesse público nos países em desenvolvimento. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 80, n. 80, 1985. p. 120.

304

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor e interesse público nos países em desenvolvimento. Revista da Faculdade de direito Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v.80, n. 80, 1985. p. 125, 151.

305

BEVILAQUA, Clóvis. Algumas observações sobre o direito auctoral. Revista de Direito Civil, Commercial e Criminal, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, 1908. p. 215.

306

BRITISH LIBRARY, JISC. Comportamiento informacional del investigador del futuro. Tradução de Lourdes Moreno Pascual. Informe CIBER: Anales de Documentacion, Murcia, n. 11, 2008. p. 235-258. Disponível em: <http://revistas.um.es/analesdoc/article/download/.../24221>. Acesso em: 01 jun. 2014. p. 248.

intelectuais até razoáveis, entretanto, consideram que normas do direito de autor são injustas, e isto criou um grande conflito de gerações. As consequências de diminuir o respeito aos direitos de autor para a indústria da informação são muito graves. O caso Napster fez com que o grau de rejeição ao direito autoral aumentasse e amparou grupos organizados defendendo reforma e flexibilização dos direitos autorais em muitos lugares do mundo.307

Como demonstrado, as possibilidades tecnológicas deixam à disposição da sociedade inúmeros meios para disseminar criações, despertando apreensão dos titulares de direitos autorais. Tal ocorre porque a sociedade não reconhece as normas existentes como importantes e necessárias a serem observadas.

Nessa conjuntura, o direito de autor, para Richerand, está no âmago da informação, e adquiriu essencial relevância atualmente, não unicamente pelo avanço e rapidez com que aparecem as novas tecnologias. Também pelas transformações que está causando na sociedade. Fundamenta seu argumento afirmando que a inteligência humana, utilizada através das novas tecnologias, se converte no centro do poder das nações.308 Dos discursos de Ascensão e Richerand têm-se a dimensão do problema e a difícil solução equânime entre os envolvidos.

O que poderia, então, minimizar o problema seria o reconhecimento da norma, o que efetivamente não acontece com frequência, conforme apontado acima. Tal preocupação também é mencionada por Chinellato, quando indica a necessidade de insistir na formação do pensamento, para a atual geração e as futuras, de que o autor nada mais é que um trabalhador, e que sua criação intelectual é produto do seu trabalho.309 Claessens também acredita que um

307

SOARES, Sílvia Simões. Aspectos jurídicos do compartilhamento de arquivos MP3 P2P via Internet: a experiência do Napster e as novas tecnologias da legislação de copyright dos Estados Unidos. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito & Internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. v. 2. p. 615.

308

LARREA RICHERAND, Gabriel Ernesto. Evolución del acuerdo sobre los ADPIC y de los Tratados de la OMPI de 1996: cambiando el Derecho de autor para que sus valores permanezcan inalterable. In: CONGRESO ALAI, 2007, Punta del Este. Anais... Paris: Agência Latinoamericana de Informação, 2007. p. 345.

309

CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direito de autor e direitos da personalidade: reflexões à luz do Código Civil. 2008. Tese (Concurso de Professor Titular de Direito Civil) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 20.

reconhecimento maior dos direitos autorais se dará com o ensino da matéria nos cursos de Direito.310

Essa proposta parece muito interessante, e acredita-se que por meio da educação seja a forma mais coerente para investir na importância dos direitos autorais. Os cursos de Biblioteconomia ou Ciência da Informação deveriam adotar o ensino dos direitos autorais no bacharelado para facilitar a atuação profissional.

A necessidade de consolidação da importância dos direitos intelectuais, como quer Chinellato, é compartilhada por Pereira, Pimentel e Mehlan, que defendem que a anomia dos direitos intelectuais vai refletir negativamente na arrecadação do autor pelo resultado econômico que possa advir, além de desrespeitar a ética e a cidadania. Assinalam que a transgressão às normas propicia um fracasso ao avanço do conhecimento científico.311

Diante da realidade, não há como desviar o foco, a não ser entender o cotidiano que nos envolvem – a tecnologia e a ciência. Vogt, citando Fayard, afirma que, em relação às tecnologias, é melhor tentar conquistá-las do que ficar passivo diante de seus desenvolvimentos.312

Para enfrentar esse turbilhão, Leonardi aponta que os juristas sentem-se, em muitos casos, diante de limitações técnicas e jurídicas, e como solução indica que o caminho é a responsabilização pelos abusos na rede mundial mediante algum controle.313

Há, porém, aqueles que entendem que sempre houve uma relação entre as tecnologias e o direito autoral. Leite apresenta esse entendimento e afirma que, desde o “desenvolvimento dos sistemas de proteção autoral, desde o seu surgimento”, o direito autoral “tem respondido continuamente aos desafios

310

CLAESSENS, Fleur. A agenda de desenvolvimento da OMPI avança. Tradução do artigo publicado originalmente em Puentes entre el Comercio y el Desarrollo Sostenible, v. 8, n.o 1, Marzo. 2007. p. 13. Disponível em: <http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/a-agenda- de-desenvolvimento-da-ompi-avan%C3%A7a>. Acesso em: 12 jul. 2015.

311

PEREIRA, Ana Maria; PIMENTEL, Luís Otávio; MEHLAN, Vivianne. Direitos autorais: estudos e considerações. In: CIBERÉTICA – SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, INFORMAÇÃO E ÉTICA, 2.; ENCONTRO NACIONAL DE INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO JURÍDICA, ENIDJ, 8.; PAINEL BIBLIOTECONOMIA EM SANTA CATARINA, 22., 2003, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 2003. p. 9.

312

VOGT Carlos. A espiral da cultura científica. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/cultura/cultura01.shtml>. Acesso em: 29 maio 2014.

313

apresentados pelas inovações tecnológicas destinadas à reprodução e distribuição das formas de expressão do homem”.314

Talvez o entendimento seja o de uma sobreposição de direitos, de modo que o direito de autor fique classificado como um direito de menor importância, ou um direito ultrapassado do século XIX. Melhor seria para a sociedade torná-lo menos rígido e, quiçá, com a concessão de privilégios a algumas instituições, como as bibliotecas e outros órgãos, que visam à educação e à cultura sem fins lucrativos. Portanto, não há como dissociar, ou seja, será sempre necessário buscar uma hamonia entre os direitos autorais, que não podem ser tão restritivos, e, simultaneamente, insistir que a sociedade reconheça esse direito.