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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E AS TECNOLOGIAS

As facilidades deflagradas com o uso das tecnologias na sociedade da informação, por meio de novos sistemas sofisticados, que possibilitam a transmissão em segundos de criações ainda protegidas, preocupam alguns segmentos, tais como os voltados aos direitos intelectuais.

As criações, que não caíram em domínio público, e dada a forma como são transmitidas e armazenadas pelos mecanismos tecnológicos, sem serem percebidas e identificadas, podem sofrer facilmente com a violação das normas de proteção.

Caritá, citado por Chaves, estava certo na sua prospecção. Nas últimas décadas, a evolução tecnológica está tão açodada que a obsolescência ocorre em curto prazo, inimaginável até há pouco tempo, deixando marcas profundas nas relações sociais.274

Manifestou também preocupação Bittar. Na década de 1990, quando se multiplicaram os meios de disseminação de imagens, de sons, de palavras, e também a criação de bancos de dados pelas instituições, foram suscitadas discussões das possibilidades e facilidades propiciadas pelo emprego da informática no Brasil. Nesse sentido, manifestava preocupação em seu trabalho de que poderiam ser transmitidas e reproduzidas obras intelectuais protegidas, além de a estrutura tecnológica possibilitar a divulgação de enciclopédias na íntegra e instantaneamente, sem barreiras, disseminando a informação para grandes distâncias.275 E, complementa-se, para muitas pessoas ao mesmo tempo.

Ficou extremamente vulnerável o poder de controle sobre a criação face às novas tecnologias, que funcionam como infovias de dados. Para Bittar, isso possibilitou a substituição de arquivos de papéis e de microfilmes. Dá como caso concreto a digitalização de documentos, empregada nos Estados Unidos, no

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CHAVES, Antônio. Imprensa. Captação audiovisual. Informatica e os direitos da personalidade. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 85, v. 729, 1996. p. 26.

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BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, no 701, mar. 1994. p. 13-14.

Japão e em alguns dos países da Europa. Embora não explicitado na citação, reitera-se a facilidade com a qual os recursos tecnológicos permitem a mudança de suporte e a transmissão do documento, dando acesso à informação e, na mesma medida, sobrepondo normas de direitos autorais.276

O uso das tecnologias pelas bibliotecas está exemplificado no texto de Milanesi ao afirmar que ao final do século passado: o vídeo, as microformas, os discos ópticos, que foram incorporados, mudaram a configuração da biblioteca. Com essa infraestrutura surge a possibilidade de criar redes ou sistemas de bibliotecas. A biblioteca tradicional ampliou sua atuação para atender as novas demandas.277 Por outro lado, essa profusão de recursos somente pode ser usada com a devida autorização dos titulares dos diretios autorais, mesmo que a título gratuito.278

Com esse panorama, as tecnologias forçaram um novo desenho para os bens intelectuais, provocando um choque com o arcabouço jurídico, pois as obras intelectuais podem ser digitalizadas, copiadas ou trocadas no peer-to-peer.279

Também Veja-Almeida; Fernández-Molina e Linares, citando Hjorland, versando sobre a informação e as tecnologias, afirmam ser uma união inseparável. As tecnologias contribuíram para a mudança de perspectiva no caso do acesso, transferência e recepção da informação, e se expressa ademais em seu aparato conceitual de maneira direta e indireta.280

A Internet281 trouxe um importante avanço tecnológico à contemporaneidade. Leonardi, para apoiar seu pensamento, cita Yochai Benckler,

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BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n.o 701, mar. 1994. p. 14.

277

MILANESI, Luís. A casa da invenção. São Paulo: Siciliano, 1991. p. 86.

278 MALLIA, Manlio. Biblioteche e diritto d’autore. Disponível em: <http://www.lexenia.it/biblioteche-

e-diritto-dautore/>. Acesso em: 23 set. 2015.

279

WACHOWICZ, Marcos. Reflexões sobre a revolução tecnológica e a tutela da propriedade intelectual. In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo. Propriedade intelectual em perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 291.

280

VEJA-ALMEIDA, Rosa; FERNÁNDEZ-MOLINA, J. Carlos; LINARES, Radamés. Coordenadas paradigmáticas, históricas y epistemológicas de la Ciencia de la Información: una sistemátización. Information Research, Sheffield, v. 14, n.o 2, june, 2009. Disponível em: <http://www.informationr.net/ir/14-2/paper399.html>. Acesso em: 30 jun. 2014.

281

FERREIRA, Sueli Mara Soares Pinto. Redes eletrônicas e necessidade de informação: abordagem do Sense-Making para estudo de comportamento de usuários do Instituto de Física da USP. 1995. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São

que afirma ser a Internet responsável por uma mudança radical, permitindo que a informação, em um novo suporte, isto é, o digital, seja descentralizada, diversificada e democratizada, deixando a pessoa interagir com a informação. Lembra que essa nova dinâmica traz consequências ao Direito, uma vez que o Direito acontece das relações sociais, e torna necessário aceitar que a ingerência da Internet na sociedade é irreversível282 e, acrescenta-se, incontrolável, propiciando maiores conveniências e mais riscos.

Ferreira também menciona as vantagens advindas dos recursos tecnológicos, como o acesso a fontes incalculáveis de informação, a aproximação de usuários, pesquisadores, e a democratização ao acesso à informação.283

Dentre os riscos que se avolumaram na sociedade da informação, está a possibilidade de tudo ser facilmente replicado para um ou para milhares de indivíduos ao mesmo tempo. Isto, obviamente, impacta nos direitos intelectuais como um todo, passando, a ser objeto de inúmeras discussões.

Das facilidades positivas tem-se o acesso a uma obra rara digitalizada que evita deslocamento; a liberdade de acesso a qualquer momento; a preservação do original como bem da humanidade. Ascensão afirma que, do ponto de vista cultural e sociológico, a digitalização deve ser recepcionada sem reservas, para fomentar o fenômeno do acesso individual da informação.284

Nos idos da década de 1994, Bittar se debruçava sobre uma questão que ainda se faz no momento: como agir diante das tecnologias, como usufruir delas sem desrespeitar os direitos do autor?285 Aqui estão algumas questões importantes já lembradas por ele: como conciliar o desenvolvimento e a proteção da criação intelectual; como disseminar cultura com emprego das tecnologias e

Paulo, São Paulo, 1995. f. 11; 23-24; 27-31. Nestes capítulos a autora faz um histórico do surgimento da Internet nos EUA e Brasil.

282

LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 28, 37- 38.

283

FERREIRA, Sueli Mara Soares Pinto. Redes eletrônicas e necessidade de informação: abordagem do Sense-Making para estudo de comportamento de usuários do Instituto de Física da USP. 1995. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. f. 17

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ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2 ed. refund. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 246.

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BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, no 701, mar. 1994. p. 15.

respeitar os interesses individuais; e como estabelecer uma forma de compensação ao criador. Afinal, como entende uma corrente dos autoralistas, o autor também é um trabalhador.

Naquela época, talvez impressionado com a chegada da Internet, escreveu que o que se via, mediante as facilidades tecnológicas, era a reprodução, inclusive abusiva, por meio de equipamentos fartamente disponíveis no mercado.286

Em 1997, Bittar já indicava o impacto das tecnologias no controle do direito autoral, ou melhor, na dificuldade de conter a disseminação de trabalhos sem conhecimento e autorização do autor. Para ele, há um progresso dos meios de comunicação surpreendente, levando uma obra intelectual a “ser difundida por satélite”.287

Seguindo o ritmo do desenvolvimento tecnológico, as possibilidades e agilidade na reprodução não pararam de aumentar com as constantes evoluções tecnológicas. A dificuldade do controle, então, é reconhecida, pois a comunicação vai se desenvolvendo, e novos meios de uso vão aparecendo, inviabilizando-se qualquer enumeração legal.288

O cenário da atualidade é a certeza de que as previsões se efetivaram, dadas as facilidades de acesso à literatura, inclusive científica, virtualmente por meio de aparelhos manipulados até da palma da mão, bastando ter acesso à rede mundial.

A disponibilidade da tecnologia cria uma dicotomia ao criador de obra intelectual: ele pode fazer uso de suas facilidades para sua criação, ao mesmo tempo que pode tornar-se vítima da mesma. As tecnologias permitem, para Bittar, “representações e reproduções de obras com caráter infinito, em razão da amplitude do respectivo raio de ação”. E, como dito anteriormente, destaca a dualidade da tecnologia para os direitos intelectuais, afirmando que enquanto se descortinam novos campos aos autores, com a apoderação de novas maneiras de utilização das criações, aumentam os problemas aos já existentes para os

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BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n.o 701, mar. 1994. p. 15.

287

BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 1, n.o 2, p.64-65, 1997.

288

BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 1, n.o 2, 1997. p. 65.

titulares, que desafiam a capacidade de ação de seus defensores. O progresso das técnologias insere novos produtos e benefícios à sociedade, que minimizam distâncias, amplificam e incrementam negócios, criam conforto para atividades do cotidiano e do cenário dos negócios, simplificando o convívio social. Mas, como sempre, há outro lado, por isso que os novos meios de difusão de obras intelectuais têm dificultado a “qualificação, ou a incidência, ou a definição de direitos em concreto”.289

Sobre o acometimento da revolução tecnológica sobre os direitos autorais, Bittar corrobora que a influência tecnológica sobre o direito de autor tem levantado preocupações na humanidade.290

Vieira Manso também se manifesta, mencionando que a informática “derrotará todas as armas bélicas tradicionais e será, talvez, a mais terrível dentre todas, porque atua diretamente com a inteligência humana”.291

Nesse sentido, para Ascensão, a informação, bem como o seu “controle, está, definitivamente, no âmago de toda a problemática do direito de autor e do desenvolvimento tecnológico”, e afirma que da “estrutura técnico-jurídica desta dependem o controle mundial e o futuro da nossa civilização”.292

As influências tecnológicas exigem adaptações dos direitos autorais e, conforme as necessidades, têm evoluído para garantir a proteção.293 Sugere que o “mundo é controlado a quente pelas armas. Mas é controlado a frio pela informação”.294

As três afirmações anteriores demonstram como a relação informática, informação e as relações sociais passa por um momento transformador, vívido, e alguns marcos históricos mudaram o curso da humanidade. Portanto, essa ambiguidade na aplicação das tecnologias oferece ao autor a possibilidade de dar

289

BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n.o 701, mar. 1994. p. 15.

290

BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de autor e o impacto das novas técnicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 83, n.o 701, mar. 1994. p. 13.

291

VIEIRA MANSO, Eduardo. A informática e os direitos intelectuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 68.

292

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e desenvolvimento tecnológico: controvérsias e estratégias. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v. 1, n.o 1, ago. 2004. p. 17.

293

ASCENSÃO, José de Oliveira. Estudos sobre direito da Internet e da sociedade da informação. Coimbra : Almedina, 2001. p. 136.

294

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e desenvolvimento tecnológico: controvérsias e estratégias. Revista de Direito Autoral, São Paulo, v 1, n.o 1, ago. 2004. p. 17.

publicidade a seu trabalho intelectual instantaneamente, nos lugares os mais remotos do planeta, ao mesmo tempo que pode ser a causadora de uma violação dos seus próprios direitos de autor.

A tecnologia será um desafio permanente para os estudiosos do Direito, para dar respostas às mudanças sociais decorrentes das tecnologias, harmonizando a regulação das “relações sociais”, sem causar um prejuízo com a exclusão social.295

Conforme as proposições, percebe-se mais uma vez como o valor atribuído aos polos, tecnologia, informação e direitos intelectuais, figura e é estratégico nesse novo cenário mundial, causando discussões sobre a harmonização ou maior protecionismo dos direitos autorais.

10.3 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A HARMONIZAÇÃO DOS DIREITOS