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1.2 A CONSTITUIÇÃO DO MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL E A RENOVAÇÃO DA MATERIALIDADE NO TERRITÓRIO

Uma incursão pela história recente da humanidade evidencia que a virada do Século XX para o XXI estabeleceu um momento único e especial, pois é a primeira vez que o planeta, em sua totalidade, apresenta-se aos olhos humanos de forma simultânea. O homem adquiriu a possibilidade de conhecer o conjunto de recursos naturais e de acompanhar as transformações em todos os territórios quase no mesmo instante em que elas estão acontecendo. Sendo assim, estamos diante da possibilidade de um conhecimento universal acerca do planeta, através do avanço das tecnologias da informação. Abre-se espaço para uma nova geografia universal.

O fato evidenciado deve-se a idéia de que o território (espaço geográfico, para muitos) está recebendo cada vez mais objetos tecnológicos, organizados como sistemas articulados e dependentes entre si. Um exemplo disso pode ser visto no sistema de telecomunicações, estruturado com base num conjunto complexo de aparelhos e instalações que atingem até a órbita terrestre e que incluem satélites, cabos marítimos e terrestres, torres de transmissão, etc.. Sendo assim, a própria atmosfera está hoje ocupada pelo engenho técnico humano, portanto, o conhecimento global do planeta é um dos aspectos-chave desta virada de século. Ele se harmoniza com outros elementos de nossa época, como é caso da tão propalada globalização, marcada pela transnacionalização de setores hegemônicos da economia e de partes dos territórios (espaços globalizados) e por um extraordinário aumento da escala geográfica das relações humanas. Tudo isso está ancorado numa verdadeira revolução técnico-científica, que se vem generalizando intensamente após a Segunda Guerra Mundial marcando o meio geográfico. No caso brasileiro Santos (1996a) ressalta quatro fenômenos recentes na formação do meio técnico-científico-informacional, ou seja, do novo meio geográfico:

“1º.) Há um desenvolvimento muito grande da configuração territorial, uma renovação da materialidade geográfica. A configuração territorial é formada pelo conjunto de sistemas de engenharia que o homem vai superpondo à natureza, verdadeiras próteses, de maneira a permitir que se criem as condições de trabalho próprias de cada época. O desenvolvimento da configuração territorial na fase atual é acompanhado por um desenvolvimento exponencial do sistema de transportes e do sistema de telecomunicações;

2º.) Outro aspecto importante a levar em conta é o enorme desenvolvimento da produção material. A produção material brasileira, industrial e agrícola, muda de estrutura; a estrutura da circulação e da distribuição muda, a do consumo muda exponencialmente; todos esses dados da vida material conhecem uma mudança extraordinária, ao mesmo tempo em que há uma disseminação no território dessas novas formas produtivas. A parte do território alcançada pelas formas produtivas modernas não é apenas a região polarizada, mas praticamente o país inteiro;

3º.) Outro dado importante a considerar é o desenvolvimento das formas de produção não material da saúde, da educação, do lazer, da informação e até mesmo das esperanças. São formas de consumo não material que se disseminam sobre o território;

4º.) Isso tudo se dá através do modelo econômico, que privilegia o que se poderia chamar de distorção da produção, uma produção orientada para fora, external oriented, uma distorção igualmente do consumo com maior atenção ao chamado consumo conspícuo, que serve a menos de um terço da população, em lugar do consumo das coisas essenciais, de que o grosso da população é carente” (p. 141).

Para o entendimento do significado do novo meio geográfico brasileiro em seu processo de superposição de ciência, técnica e informação é conveniente resgatar o pensamento emblemático de Santos e Silveira (2008, p. 52):

A união entre ciência e técnica que, a partir dos anos 70, havia transformado o território brasileiro revigora-se com os novos e portentosos recursos da informação. O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos, graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação de insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional que se instala sobre o território. Compreendendo essa análise e também o que está posto concretamente nos diversos territórios e no Território do Alto Sertão Sergipano, ressalta-se que o sistema produtivo global baseado nas tecnologias modernas induz a uma organização do território com grande conteúdo técnico-científico. Nesse contexto, a característica básica desses territórios é sua capacidade de se articular com pontos territoriais das empresas localizados nos mais variados pontos do planeta, possibilitando emitir e receber informações estratégicas de todo tipo – científicas, financeiras, políticas, etc.. É partindo dessa realidade inevitável que Santos (1996) vem identificando tais territórios como o meio técnico-científico-informacional, tendência para a qual caminha a atual organização territorial. Noutras palavras, o território foi transformado num grande sistema técnico com alto teor de ciência, de técnica, de tecnologia e de informação.

O pensamento de Santos (1996a) evidencia o momento de construção do meio geográfico atual, ou seja, a construção do meio técnico-científico-informacional:

A fase atual, a partir dos anos 60, sobretudo na década de 70, é o momento no qual se constitui, sobre territórios cada vez mais vastos, o que se chamará de meio técnico-científico, isto é, o momento histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço se dará um crescente conteúdo de ciência e de técnicas. As mudanças não são apenas quantitativas mas, também, qualitativas. A urbanização ganha um novo conteúdo e uma nova dinâmica, graças aos processos de modernização que o país conhece e que explicam a nova situação (p.139).

O pensamento pautado em Santos (1996) evidencia que:

Neste período (décadas de 60 e de 70), os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio técnico-científico-informacional (p. 190).

Sem esse entendimento do território como um sistema complexo, com densidades diferentes e ao mesmo tempo suporte e condicionante das interações socioeconômicas, as análises geográficas ficam empobrecidas, perdendo a oportunidade de entender as modificações que esse aumento de tecnologia produz na base territorial, alterando a nossa

própria percepção de tempo e de espaço, criando a sensação de encurtamento das distâncias e de diminuição do tempo real.

Evidencia-se, assim, que as relações socioeconômicas no mundo moderno dependem sobremaneira do modo como o território está organizado, fundamentando o princípio de que tais relações apresentam um conteúdo geográfico e precisam inevitavelmente do território. Ainda segundo Santos (1996, p. 143):

As especializações do território, do ponto de vista da produção material, assim criadas, são a raiz das complementariedades regionais: há uma nova geografia regional que se desenha na base da nova divisão territorial do trabalho que se impõe. Essas complementariedades fazem com que, em conseqüência, se criem necessidades de circulação, que vão tornar-se frenéticas, dentro do território brasileiro, na medida em que avança o capitalismo; uma especialização territorial que é tanto mais complexa quanto for grande o número de produtos e a diversidade da sua produção.

Os setores importantes estabelecidos neste contexto das especializações do território como os de comunicação, transporte, energia e de extração de recursos naturais foram concebidos como estratégicos, ligados às questões da soberania e segurança nacional, alimentando nas forças políticas essa concepção. No Brasil, a partir da década de 90 isto começa a mudar e a idéia de privatização de parte desses setores passa a ser discutida e as empresas privadas, principalmente transnacionais, demonstram interesse direto nesse processo. É a onda neoliberal, acompanhando os ditames da globalização. Inicialmente, a privatização e a desnacionalização limitaram-se aos equipamentos que dão fluidez ao território como o demonstrado no quadro 02.

Sistemas de Comunicação e

Informação Sistemas de Transporte

Sistemas de Fontese Energia

1. Informações sobre o território 2. Correios 3. Telecomunicações e teleinformações 1. Rodoviário 2. Ferroviário 3. Hidroviário 4. Aéreo 5. Intermodal 1. Hidrelétrico 2. Nuclear 3. Petrolífero 4. Fontes Alternativas

Quadro 02: Sistemas de fluidez do território no Brasil

Fonte: OLIVA, Jaime; GIANSANTI, Roberto 1999. Elaboração e adaptação: Genésio José dos Santos, 2010.

A fluidez dos territórios não se processa apenas com a circulação de elementos que tenham materialidade e volume, como pessoas, matérias-primas e mercadorias, e do contato entre eles. Faz-se também com a circulação de informações por meio de instrumentos, de tal forma que não seja necessária a presença física do indivíduo no lugar onde se dá a emissão, o transporte ou a recepção da informação. Isso permite relações socioeconômicas à distância, cada vez mais presente no mundo globalizado. Vive-se um momento ímpar na história, em que um volume gigantesco de informações adquire autonomia em relação à vontade do homem, sustentando-se em vários suportes técnicos. As informações estão presentes em todas as relações de comunicação, nos circuitos e redes de produção e comércio, na criação de necessidades e difusão do consumo, na propagação de idéias, valores e nas disputas políticas. Matéria-prima de uma relação socioeconômica, a informação precisa de sistemas de engenharia e comunicação, ou seja, de materialidade geográfica, para circular pelo território.

Entende-se, pois, que a ação estatal direcionando e organizando esses territórios cria características especiais e particulares. Essa ação do poder público advém de propósitos criados de fora para dentro (forças exógenas) e também de forças locais (forças endógenas). Os projetos importados de outras realidades têm que ser adaptados à nova realidade e a uma nova organização territorial. Isso impulsiona o aparecimento de uma nova territorialidade, ou então, de um novo território ou ainda de novos territórios. O uso e a renovação da materialidade desse mesmo território,

pode ser definido pela implantação de infra-estruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominação sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo da economia e da sociedade. São movimentos da população, a distribuição da agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, incluída a legislação civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extensão da cidadania, configuram as funções do novo espaço geográfico (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p. 21).

Saquet (2007) compreende e propaga a idéia de que os processos sociais são multiescalares e multitemporais e isso ocorre em todas as atividades de nossa vida cotidiana. A construção de um canal para fins de provimento d‟água para irrigação ou de sistemas técnicos de irrigação mais avançados (aspersão ou gotejamento, por exemplo) ou de uma barragem para fornecimento de energia elétrica, por exemplo, é multiescalar e multitemporal.

Ambas as situações significam movimento histórico e relacional a um só tempo, com continuidades (permanências) e descontinuidades (rupturas, mudanças). O tempo, segundo Saquet (2997; 2009), significa um movimento contínuo. O tempo presente, o tempo passado e

o tempo futuro indicam processualidade e, também, simultaneidade, pois vivemos diferentes temporalidades e territorialidades, em unidade, em processo constante de desterritorialização que gera sempre novas territorialidades e novos territórios que contêm traços/características dos velhos territórios e das velhas territorialidades. Há unidade entre as dimensões sociais (economia-política-cultura) e entre estas e a natureza exterior ao homem. Segundo este autor:

A territorialização constitui e é substantivada, nesse sentido, por diferentes temporalidades e territorialidades multidimensionais, plurais e estão em unidade. A territorialização é resultado e condição dos processos sociais e espaciais, significa movimento histórico e relacional. Sendo multidimensional, pode ser detalhada através das desigualdades e das diferenças e, sendo unitária, através das identidades (SAQUET, 2009, p. 82-53).

Os objetos e os sistemas técnicos do território deixam evidente que as necessidades humanas cresceram e se diversificaram e o poder público percebendo essas novas necessidades apossou-se dessa condição para institucionalizar as mudanças que deveriam acontecer. As mudanças na base territorial criam novas necessidades em todas as esferas (econômica, social, política e cultural) do território.

Desse modo, as remodelações que se impõem, tanto no meio rural, quanto no meio urbano, não se fazem de forma indiferente quanto a esses três dados: ciência, tecnologia e informação. Isso traz, em conseqüência, mudanças importantes, de um lado na composição técnica do território e, de outro lado, na composição orgânica do território. Pode-se dizer, mesmo, que o território se informatiza mais, e mais depressa, que a economia ou que a sociedade. Sem dúvida, tudo se informatiza, mas no território esse fenômeno é ainda mais marcante na medida em que o trato do território supõe o uso da informação, que está presente também nos objetos (SANTOS, 1996a, p. 139-140).

A ênfase no pensamento de Santos (1996, 1996a) cria várias possibilidades no sentido de compreensão dos objetos e dos sistemas técnicos presentes no território em estudo, estabelecendo condições para o entendimento do caráter relacional, múltiplo e aberto do referido território. O quadro 03 evidencia algumas características que contribuem com esse caráter dinâmico, material e imaterial do território.