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2.2. Modalidades de Trabalho Prático no ensino das ciências

2.2.3. Constrangimentos na utilização do Trabalho Prático

Se bem que considerado um recurso didáctico muito importante no ensino das ciências, o tempo dedicado ao TP na escola é reduzido (Del Cármen, 2000) e a sua utilidade para os alunos é muitas vezes questionável, tanto ao nível dos resultados escolares como na motivação (Barberá & Valdés, 1996). Os mesmos autores (Barberá & Valdés, 1996), chegam mesmo a afirmar que alguns investigadores como Hofstein & Lunetta (1982), Pickering (1980), Toothacker (1983) consideram o TP, nomeadamente o de laboratório, uma perda de tempo e de recursos.

Outros autores têm demonstrado que os objectivos que se planificam para esse tipo de recurso não são cumpridos. A maioria conclui que o TP que “realmente se realiza no ensino actual das ciências, são experiências tipo receitas para aprender sobre a ciência, para confirmar factos e teorias mediante a observação dos resultados” (Barberá & Valdés, 1996).

Mas então porque é que, embora a investigação tenha demonstrado que todos (professores, investigadores, elaboradores de currículos, etc.) estão convencidos que o TP engloba uma vasta e especial dimensão no ensino das ciências e vai mais além do que se pode obter escutando as explicações de um professor ou observando as suas demonstrações, a sua implementação tem sido, em muitos, casos um fracasso?

Barberá & Valdés, (1996) justificam estes maus resultados da investigação, argumentando que os instrumentos utilizados para medir a eficiência das práticas têm sido inadequados, foram deficientemente planeados e possuem fortes limitações. Segundo Hodson (1994) esses problemas são na sua maioria herança dos métodos de aprendizagem focados no ensino pela descoberta.

Então o que fazer para que a implementação do TP no ensino seja um sucesso, visto esse ser tão importante? Ou por outro lado, porque é que os professores continuam relutantes em relação à utilização do TP e quando o utilizam o fazem de modo incorrecto?

Isto pode dever-se a vários motivos: excessivo número de alunos, falta de instalações, falta de recursos adequados, pouca formação em relação e este tipo de actividade, etc. (Del Carmen, 2000; Hodson, 1994). Acresce ainda adicionar a esses motivos o facto de requererem muito tempo para a sua preparação e requerem por parte do professor uma grande motivação para esse tipo de recurso didáctico, bem como um esforço acrescido para a instituição de ensino (Del Carmen, 2000).

Outro dos constrangimentos para a utilização do TP prende-se com o carácter enciclopédico dos currículos (Gil et al., 1999-b; Giordan, 1998), produto de uma certa tradição disciplinar. As temáticas, assim como a maneira de tratá-las, são escolhidas em relação a uma certa representação do mundo e em relação a uma certa concepção do saber (Giordan, 1998). Na opinião de Giordan (1998, p.39), quem concebe os currículos deveria pensar mais em “quais são os saberes científicos que uma criança deve dispor para entrar no próximo século? E para quê?”.

Outro dos problemas, apresentado por Barberá & Valdés, (1996), baseando-se em vários autores, prende-se com o condicionalismo da avaliação ou, por outro lado, com a influência dos métodos clássicos de avaliação, que não são adequados para medir situações de resolução de problemas ou da aquisição de destrezas. Essa situação é agravada quando o sistema educativo possui avaliações externas a grande escala, como nos exames nacionais (Barberá & Valdés, 1996).

Antes de concluir, torna-se pertinente referir, ainda, que há pouca ou nenhuma participação dos alunos na reflexão que antecede ou precede uma investigação experimental, tornando o TP inútil do ponto de vista pedagógico (Hodson, 1994; Del

Carmen, 2000; Giordan, 1998). Os professores tendem a esboçar toda a experimentação antes da aula que os alunos se limitam a seguir, evitando perdas de tempo, o que, segundo Hodson (1994), não passam de estratégias experimentais inadequadas, perigosas ou ineficazes.

Para finalizar, resta acrescentar que para muitos autores (Hodson, 1994; Leite 2000) o TP é, e continua a ser, “sobreutilizado” e “infrautilizado”. Os professores usam as actividades práticas convictos que estas servem para alcançar todos os objectivos pretendidos na aprendizagem, e só em poucas ocasiões se explora completamente o seu potencial (Hodson, 1994). Antes pelo contrário, grande parte das práticas está mal concebida, confusa e carece de valor educacional real (Hodson, 1994). O TP é muitas vezes concebido como uma mera ilustração dos conhecimentos teóricos introduzidos (Gil et al., 1999-b) e, para vários autores, as práticas, nomeadamente as laboratoriais, aparecem como “receitas” que transmitem uma visão deformada e empobrecida das actividades científicas (Gil et al., 1999-b).

Após a apresentação de todos esses constrangimentos relativos ao uso do TP, e conhecendo de antemão as suas potencialidades, resta questionar, o que fazer para melhorar a forma e rentabilidade da sua utilização.

Hodson (1994) apresenta quatro etapas que permitiriam um melhor aproveitamento dessas práticas:

• Identificar as ideias (concepções) e pontos de vistas dos alunos;

• Planear experiências que permitam explorar essas concepções e pontos de vista;

• Proporcionar estímulos que facultem o desenvolvimento ou mudança dessas concepções;

Também Del Carmen (2000) apresenta uma série de etapas que permitem, segundo o autor, aumentar a motivação, favorecer a compreensão dos aspectos teóricos e ensinar técnicas a partir de práticas relativamente simples que podem potenciar aprendizagens de características muito diferentes. São elas:

• Dedicar o tempo necessário à realização da actividade;

• Centrar cada actividade em poucos objectivos e sequenciá-los adequadamente; • Apresentar o problema em que incidirá a actividade, contextualizando-a; • Identificar as concepções dos alunos;

• Executar uma ou mais actividades, conforme as necessidades; • Utilizar correctamente as técnicas experimentais;

• Permitir aos alunos compreender os conceitos teóricos que devem utilizar; • Elaborar um resumo ou uma conclusão no fim da actividade, que serão

transmitidos à turma;

• Promover o intercâmbio de ideias, realização de actividades de síntese, (mapas conceptuais, V de Gowin…) e de actividades de avaliação.

Em jeito de conclusão, pode-se afirmar que o que é desejável é rentabilizar ao máximo as potencialidades do TP, sendo necessário para isso que os professores estejam cientes que os diferentes tipos de actividades executadas nas aulas têm objectivos e características específicas subjacentes a cada uma delas (Del Carmen, 2000; García Barros, 2000). Deve-se, pois, permitir uma maior interacção dos alunos nas actividades e, principalmente, facilitar a reflexão e o intercâmbio de ideias, investindo mais tempo com os alunos a trabalhar ideias e menos no manejo de instrumentos. Por fim, é importante relembrar que cada professor deverá estar motivado para a utilização do TP de modo

consciente, a fim de proporcionar oportunidades aos alunos para se familiarizarem com o trabalho científico, promovendo uma visão mais adequada da ciência (Miguéns, 1999).

Resta relembrar que não é tanto a quantidade do TP que é importante, mas a sua qualidade. Não deve ser empregue por tradição ou obrigação, mas apenas se servir para melhorar a qualidade da aprendizagem facultada aos alunos (Leite, 2001).